domingo, 4 de setembro de 2011

Um desafio para o jornalismo:descobrir a Amazônia no mundo



Entrevista/Lúcio Flávio Pinto*

Como você avalia o papel do jornalismo hoje no Brasil?
Num mundo no qual as informações são abundantes, contínuas e até ininterruptas, chegando ao cidadão por muitas vias, o jornalismo continua a ter uma importância vital. Ele deve assumir o compromisso de que apurará as informações essenciais para definir a pauta do dia (que é também a agenda da história), checando cada uma dessas informações com sua competência específica. Só o jornalismo profissional tem fontes estabelecidas em todas as instâncias da sociedade. Como os fatos têm origem em pessoas, o jornalista pode confirmar a veracidade da informação antes de se preocupar em contextualizá-la, mostrando para o seu leitor o que ela representa. E separando o boato e mesmo a dedução empírica da realidade.

E na Amazônia, mais especificamente no Pará, esse papel se difere?
Difere. A Amazônia é uma região de fronteira submetida a um processo colonial. Significa que sofre mudanças constantes, profundas e, às vezes, súbitas. Mudanças que são promovidas principalmente pelos colonizadores. Sendo eles agentes externos, relacionados a uma realidade mais ampla e complexa, ao decidir atuar na região buscam resultados de grande porte e de efeitos imediatos e intensos.
É o que caracteriza o "grande projeto". Um grande projeto, como a hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, fez o Pará saltar do zero energético para a condição de 5º maior produtor nacional. O jornalismo comprometido com a realidade tem que se manter muito atento para perceber o surgimento dessas iniciativas, acompanhar sua maturação e relatar o que elas representam para o cidadão, fazendo com que ele inclua esse tema na sua agenda. Cumprir essa missão exige grande qualificação, capacidade de deslocamento e atualização às questões mundiais, já que é o do centro do mundo que foram tomadas várias das decisões mais relevantes da Amazônia nos últimos tempos.

Você acredita que a imprensa ainda seja um porta-voz da comunidade, que anseia melhores condições de vida?
Primeiro precisa verificar, com senso autocrítico honesto e rigoroso, se realmente está sendo esse porta-voz. Se não é, deve corrigir sua diretriz editorial. Para isso, precisa ir ao povo, ouvi-lo, dialogar com ele, trazê-lo para o debate, torná-lo personagem, dar-lhe a prioridade que lhe é devida. Afinal, é o ponto de partida e o ponto de chegada do jornalismo.

O que você acredita ser uma boa prática de jornalismo?
Ter os fatos como o centro, o vértice da sua atividade. Jamais deixar de publicar os fatos relevantes que identifica. Encontrar um jeito de registrá-los, mesmo que isso acarrete certos riscos, inclusive comerciais e políticos. Se houve um acontecimento importante num dia e ele não apareceu na imprensa, não será o fato que estará ameçado de desaparecer, mas a imprensa.

De que forma esse bom jornalismo ocorre no Pará?
Ocorre quando o jornalista vai atrás do fato, onde quer que ele aconteça (e os mais importantes acontecem longe da sede dos órgãos da imprensa), e da explicação onde for possível encontrá-la. Se ocorre um conflito em Tucuruí, a empresa jornalística tem que despachar logo os seus enviados especiais. E se a explicação para determinados fatos se acha em algum lugar do mundo, é preciso ir buscá-la. Nem que através da internet. Ser imediato e suficiente, é ao atender esses requisitos que se faz o melhor jornalismo.

Você acredita que atualmente é feito um(a) estudo/pesquisa mais aprofundado(a) do jornalismo na Amazônia?
Felizmente já há vários trabalhos acadêmicos a respeito. É preciso impor a ótica científica sobre a produção da imprensa. Mas sem perder o referencial primário, o conhecimento da realidade. A crítica à distância não é suficiente.

E na prática? No que você acredita que o jornalismo tenha evoluído ao longo dos anos?
Tecnicamente, sim. Também no potencial de recursos que oferece. Mas sinto que falta a qualificação pessoal. E uma dose mínima de amor à profissão. O jornalismo está entre aquelas profissões com um alto componente vocacional. Ou que exigem paixão e dedicação especiais. O jornalismo como ofício e prazer. O prazer de exercer esse ofício. Acho que é o que mais falta. Também maior contato pessoal do jornalista.

O que você acha que falta no jornalismo do Pará? O que é preciso melhorar?
As empresas precisam se convencer que o bom jornalista não se forma na redação, ligado a um telefone ou à internet. Ele precisa ir à rua e viajar, quando há um acontecimento importante fora da sede. Precisa formar fontes em contato direto. Necessita da experiência que só uma viagem como enviado especial possibilita. Precisa dispor de documentos e livros. Tudo isso só é possível com investimento. Informação não é gratuita, apesar da ilusão do mundo virtual. E boa informação é cara.

E em relação ao sindicato? Você acha que ele cumpre o seu papel? De que forma o sindicato pode ajudar na atuação da área?
O sindicato não pode ser apenas uma entidade corporativa e profissional, embora nem sempre consiga sequer desempenhar essa tarefa. Precisa acompanhar o trabalho dos seus associados, suprir-lhe as necessidades e deficiências, trazê-lo para a atividade sindical, motivá-lo para a militância na causa da imprensa, da liberdade, da crítica, da diversidade de opiniões. E se tornar uma referência nessas matérias para toda a sociedade.

*Entrevista concedida à reportagem do Diário do Pará, mas não foi publicada.

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