quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Jornalismo da verdade



Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós
 
Dei aulas no curso de comunicação social da Universidade Federal do Pará durante sete anos. Começava sempre alertando meus alunos para a necessidade de adotarem princípios no exercício da profissão de jornalistas. 
Podia ser um decálogo todo, mas podia ser só um princípio. Com a condição inerente a qualquer princípio: jamais ser negociado. Aplicado sempre.
Por exemplo: não escrever matérias pagas. Um excelente princípio. Ou não recorrer a artifícios para enganar entrevistados ou personagens sob sua investigação. Pode-se lançar mão, sem qualquer autorização, de documentos oficiais, que seus detentores mantêm sob seu exclusivo conhecimento. Se o povo pagou o estudo, o povo deve saber sobre seus resultados.

Como eu não me cansava de proclamar esse princípio, era comum que, ao entrar em repartições públicas durante o regime militar, quando foi exercida a censura política, as gavetas se abrissem automaticamente para receber documentos confidenciais, reservados, sigilosos ou apenas incômodos aos potentados que estivessem de bobeira sobre as mesas. Eu considerava essa atitude de “defesa ofensiva” como um elogio a esse princípio profissional. Meu compromisso era (e continua a ser) com o leitor, não com os donos das informações.

Mas eu jamais recorri a gravações secretas, fossem de vídeo ou de áudio (ou ambas), nem à camuflagem da minha identidade de jornalista. Jogava limpo com fontes e personagens sob minha mira. Eles sabiam quem eu era e o que queria. Jogavam comigo se queriam. Mas era pior me sonegar informações e bater a porta na minha cara. Nada resiste a uma boa investigação dos fatos – era outro dos meus axiomas. Um dia a verdade emerge.

Não faria o infeliz papel de Tim Lopes, induzido à morte por seus chefes irresponsáveis ou inconscientes. Nem o do repórter de Veja que recorreu a macaqueações várias e violou princípios diversos na busca de provas contra o condestável do petismo, o ex-ministro José Dirceu, capa de uma das constantes matérias sensacionalistas da revista.

Os mais petistas reagiram dizendo que o episódio era o inverso da situação que levou o Washington Post a provocar o impeachment do presidente Richard Nixon nos Estados Unidos e à glória no jornalismo mundial em todos os tempos. Nixon se desmoralizou por gravações secretas que fazia no legendário Salão Oval da Casa Branca e em outras dependências da sede do governo americano e residência oficial do presidente.

No caso brasileiro, a revista é que perdeu credibilidade por essas gravações clandestinas, feitas à entrada da suíte ocupada por Dirceu num hotel de luxo em Brasília, destino de peregrinação por quem quer chegar ao poder petista ou nele permanecer.

O paralelo me parece descabido. A contribuição que a comparação com Watergate podia dar, para ajudar a compreender melhor os procedimentos éticos que se impõem à imprensa, é de outra natureza. No momento crucial da investigação sobre a invasão da sede do Partido Democrata, o repórter Carl Bernstein foi a determinada cidade para falar com o promotor público, depois de ter agendado o encontro por telefone.

Ao chegar ao gabinete do promotor, foi informado pela secretária que o chefe não se encontrava ali. Bernstein esperou por muito tempo e nada de ser recebido. Saiu dizendo que voltaria no dia seguinte. De uma cabine pública ligou para a secretária para lhe pedir que viesse a outro local do prédio para atender a uma solicitação qualquer. Imediatamente foi para o prédio, atravessou a cercadura protetora da secretária e invadiu o gabinete do promotor, que lá se encontrava.

Quando a secretária retornou, o ardil se consumara. O promotor, que queria se livrar da complicação, teve que atender o enviado do poderoso Washington Post e prestar-lhe as informações que ele queria. Bernstein começava a rastrear o dinheiro ilícito que foi parar na tesouraria da campanha de reeleição de Nixon e que também financiara os invasores da sede dos democratas. Foi um lance de inteligência a serviço da informação – e ético, moralmente correto.

O contrário do procedimento do repórter de Veja, que negou sua identidade e fez gravações clandestinas. O meio, inversamente ao dito pelo profeta da mídia, jamais é a mensagem. O verbo é o que importa, esteja ele onde estiver, sob qual disfarce se apresentar. Um dia a cidadela cai e a verdade se exibe, sem falsidades, violações ou artifícios imorais ou ilegítimos.

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