domingo, 11 de dezembro de 2011

Plebiscito: O fracasso das elites paraenses


Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós

Ao que parece, a campanha do “sim” não conseguiu, através do marketing político e do desempenho dos seus líderes nos debates promovidos pela televisão, reverter a vantagem numérica dos defensores do “não”, aferida nas pesquisas prévias já divulgadas. Como quase dois terços do colégio eleitoral que participará do plebiscito fica no Pará remanescente, onde a maioria rejeita a divisão, só fatores subjetivos poderiam modificar a clara tendência contra a criação de Carajás e Tapajós.


Independentemente do resultado da votação, no entanto, uma coisa pode ter sido percebida pelos observadores mais atentos da situação: não há liderança capaz de conduzir o Pará por um novo caminho, através de um novo modelo de desenvolvimento. Os líderes dos três comitês se comportaram nos debates como se estivessem reivindicando um mandato eleitoral. Repetiram seus velhos discursos e os chavões de sempre que os marqueteiros lhes sopram.


Culpa de todos eles, mas só em parte. A causa maior desse vazio repetitivo e monótono é que o Pará não tem um projeto para executar. O Pará não planeja mais. O Pará deixou de usar seu conhecimento, sua criatividade e sua vontade para sair da camisa-de-força de uma mecânica imposta de fora para dentro, que o toma por objeto, não por autor.


Vejam-se dois exemplos patéticos de um governo como o que é comandado pelo economista Simão Robison Jatene. Ele recriou a inadequada Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração. Devia extingui-la de novo. Em seu lugar, despacharia para Marabá uma agência estadual de desenvolvimento da indústria mineral, com estrutura enxuta e eficiente para impedir que continuemos a ser meros exportadores de matéria prima. O secretário trabalharia e moraria em Marabá, como toda sua equipe, com recursos para trabalhar bem e muito. Uma subagência ficaria em Santarém, com conexões em Oriximiná e Juruti, para fazer o mesmo.


Com igual inspiração, o Ideflor seria remanejado de Belém pra instalar sua sede em Altamira, para tratar de fato do estímulo à indústria florestal. Não para produzir apenas – nem principalmente – madeira sólida, mas para aproveitamento racional da biodiversidade amazônica.


Um Instituto da Várzea tentaria induzir o aproveitamento das terras mais férteis da região (150 mil quilômetros quadrados em potencial) com sua sede em Óbidos e agências em Monte Alegre e Almeirim.
Outra iniciativa desastrosa do governo Jatene foi a criação da taxa sobre a extração mineral, que lhe renderia 800 milhões de reais por ano para investir nas áreas que pretendem se emancipar. Mas a taxa é claramente inconstitucional. Será derrubada na justiça. É fogo de artifício para iludir os eleitores. É pura demagogia.
Muito mais eficiente seria propor ao Congresso Nacional um imposto sobre os lucros excessivos das mineradoras. A incidência seria a partir de certo valor do preço FOB do minério, que incluísse o custo bruto de produção e razoável margem de lucro jíquido (20% por exemplo).


A partir daí, um valor (10%) sobre o ganho adicional seria transferido para um fundo soberano, gerido por uma agência de desenvolvimento com a participação dos municípios mineradores e da área de influência, do Estado e da União, além de representantes da sociedade civil. O objetivo seria dinamizar a região e impedir desigualdades entre os municípios (só os que têm direito às compensações financeiras se favorecem da mineração).


Por que propostas desse tipo, além de não prosperarem, jamais fazem parte da agenda das lideranças, sejam elas políticas ou de qualquer natureza? Porque as elites só aderem às teses que as favorecem, das quais podem tirar proveito. As elites paraenses faliram, são um fracasso diante das necessidades da população.
Veja-se o que acontece com a seção paraense da Ordem dos Advogados do Pará. É a mais poderosa das entidades corporativas do Brasil. Quem faz as leis são os advogados. Eles adotam como seu o ditado popular: se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. As leis são as escravas dos advogados, fazendo o que eles querem.


Quem, passando em um concurso público, começa a trabalhar com um salário de 21 mil reais? Pois esse é o vencimento inicial que o Tribunal de Contas do Estado oferece a um advogado. A carreira jurídica é a mais importante no serviço público, mesmo quando o contratante é um hospital. Nos hospitais do Estado o procurador jurídico ganha mais do que o médico. A atividade-meio prevalece sobre a atividade-fim.


Não é só por isso que 60% dos médicos paraenses estão embolados na capital, como mostrou pesquisa recente. É também porque a expectativa em relação a morar no interior é a pior possível. Nem mesmo quando recebe a proposta de ganhar tanto quanto um advogado, o médico se dispõe a deixar as comodidades da capital e se largar para as “brenhas”.


O profissional paraense, como regra, não está nem aí para as misérias da sua terra. Quer é ganhar o seu dinheiro – e da melhor forma possível. Ele costuma ser um alienado, é verdade, e um comodista. Esse desprezo chega a se constituir em escárnio. Na semana passada o Ministério Público do Estado teve que mandar de volta para suas comarcas no interior os promotores de justiça trazidos indevidamente para a capital. Não foi uma correção espontânea da irregularidade, mas o cumprimento de determinação superior do Conselho Nacional do MP. Durante longo período, 46 municípios ficaram sem o fiscal da lei, com grandes prejuízos. Além de ganhar muito bem, esses promotores não queriam estar aonde são mais necessários.


Mas a culpa principal é do governo, cuja omissão em relação ao interior do Estado (e a periferia da capital) é a razão mais forte e justa do apelo pela separação. Belém não possui de fato uma política estadual. Nem os que estão à frente da criação dos novos Estados.


O despreparo da elite paraense se exibe de forma constante e abundante. No caso da OAB, o aprofundamento do tiroteio entre as partes em conflito mostrou para a opinião pública que nesse enredo novelístico a única peça ausente é o mocinho. Mesmo aquele que em certo momento parece personificar a justiça e a verdade logo é flagrado do outro lado do balcão. No final, só tem razão aquele que acusa. O que se defende, inclusive aquele que antes acusava, não tem razão.


Pode ser que, do ponto de vista formal, o que parece errado tenha amparo legal. Mas a imoralidade fica escancarada. Como a que está sendo atribuída ao ex-presidente da seccional e atual presidente da OAB nacional, Ophir Cavalcante Filho, que herdou os dois cargos do pai, atual (de novo) consultor-geral do Estado. 


A lei, segundo o argumento da defesa do júnior, permite que ele exerça outras atividades, mesmo duplamente licenciado de um ente público (a Procuradoria Geral do Estado e a Universidade Federal do Pará). E possa atuar contra um órgão público ainda que seja um procurador público, anomalia que fulmina a incompatibilidade lógica entre defender o Estado (com o melhor salário do serviço público) e representar quem litiga contra o poder público.


O Estado passou a ser refém dos que, de uma maneira ou de outra, conseguiram chegar ao topo. O interesse público passa a ser mercadoria de transação entre essa “gente bem”. Mas ela, quando colocada numa máquina de passar a limpo, mostra o quanto fede, como dizia Émile Zola da elite francesa do seu tempo. A nossa é pior. Bem pior.

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