domingo, 8 de abril de 2012

A Vale é mesmo nossa?




No dia 6 de maio de 1997 o governo federal, chefiado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, vendeu o controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce. Criada em 1942 para explorar as jazidas de ferro de Minas Gerais, das maiores do mundo, a estatal se tornou a maior produtora desse minério, o mais utilizado pelo homem.
Um consórcio liderado pelo empresário Benjamin Steinbruch arrematou 42% das ações da estatal, por valor equivalente a 3,3 bilhões de dólares. No ano passado o lucro líquido da Vale, o maior da sua história, foi 10 vezes superior ao valor da sua privatização.
Decidi criar este blog por motivos como esse.
Para repensarmos a trajetória da antiga CVRD nesses 15 anos de sua atuação como empresa privada. Ela se consolidou como a segunda maior mineradora do mundo – e a mais diversificada. Dela depende meio milhão de pessoas em 32 países, espalhados pelos cinco continentes. É um universo único para uma empresa brasileira.
Brasileira mesmo?
A grande alavanca da Vale se formou em 2005. O preço do minério de ferro disparou para patamares nunca antes imaginados, como diria Camões (ou Lula). A Vale chegou a ser, durante certo tempo, maior do que a Petrobrás. É a maior empresa privada brasileira. Está entre as 20 maiores do mundo. De cada 10 dólares que entram no caixa do Banco Central, dois são resultado da sua atividade.
A mudança drástica se deveu ao consumo incrível da China. Os chineses absorvem um terço do minério do mundo. É para eles que vão 60% do ferro escoado pelo maior trem de carga do mundo, desde a província mineral de Carajás, no Pará, sem similar na Terra, até o porto da Ponta da Madeira, no Maranhão.
Em tese, mesmo privatizada, a Vale é uma empresa brasileira: 65% do seu capital votante pertencem a residentes no país; através de fundos estatais e do seu banco de desenvolvimento, o BNDES, o governo brasileiro tem 41% das ações ordinárias, que conferem decisões aos seus portadores.
Teoricamente, tudo bem.
De uma empresa especializada em distribuir dividendos, cada vez maiores, talvez seja mais interessante comprar ações preferenciais, que, como o nome diz, tem direito a preferência no recebimento de sua parte nos lucros. Estas ações são controladas por investidores privados – e estrangeiros.
Especializada na venda de commodities minerais, a Vale também está atrelada aos compradores, com ênfase especial na China. Atrelamento perigoso. Tanto mais quanto o grau de endividamento da empresa em moeda estrangeira constrange sua apregoada autonomia.
Venalidades e aviltamentos de valor à parte, o mais grave no processo da privatização da CVRD foi a falta de informações ao cidadão, que, como o povo durante a madrugada em que o Brasil dormiu imperial e amanheceu republicano, viu a tudo bestializado.
O governo não privatizou apenas uma estatal: ele entregou poder equivalente ao de um Estado a uma única empresa; entregou um país. O país Vale.
Presente em 16 Estados, ela controla os principais portos e ferrovias do Brasil, conectados ao mercado exterior, sobretudo com a Ásia. É dona de grande parte do subsolo, explorando várias jazidas e sentando sobre outras tantas. Seu poder é tal que ela influi sobre grande parte da imprensa, graças ao uso de propaganda, a rigor, desnecessária, mas vital para estabelecer elos e compromissos.
Por isso, sendo tão importante, é tão pouco conhecida.
Este blog se propõe a revelá-la para os brasileiros, para que eles sejam efetivamente seus donos, não apenas nominalmente. Só se domina o que se conhece. De fato, em profundidade, com substância.
A maior tarefa deste blog é abrigar informações. Ou contrainformações, conforme o caso.
Informações vindas de todos os lugares onde a Vale está presente, sem seguir seu roteiro nem ficar subordinado à grande imprensa, dependente dos fartos anúncios da companhia.
Qualquer pessoa pode participar dessa roda de conhecimentos. Basta que relate a atividade que a Vale desenvolve na sua área de interesse, o que não aparece na mídia, dados que são sonegados ao conhecimento público, fatos que estejam acontecendo, documentos produzidos, observações pertinentes, imagens, fotos, dicas, sugestões.
Pretendemos montar um painel revelador, denso e sólido, com informações vivas, originadas dos locais, de fontes primárias, que nos permitam acompanhar e influir sobre a atividade da Vale, da qual depende parte considerável dos destinos nacionais.
As contribuições podem seguir uma pauta inicial.
Por exemplo: a retomada do transporte de minério pela empresa, abandonado depois que a Docenave foi praticamente extinta (por qual motivo?); a duplicação de Carajás;a retomada da expansão da siderurgia em Tubarão. Temas não faltam.
Há até perspectivas originais, como a de Kleber Galvêas, que reproduzi na última edição do meu Jornal Pessoal. Ele serve de modelo para o que se pode fazer neste blog. O texto vem em seguida a esta abertura.
Proponho, por fim, um tema aos que quiserem entrar nesta roda.
O país se esforça por aumentar a taxa sobre a mineração: ou elevando a alíquota, que é baixa, ou ampliando a base de cálculo (que não inclui seguro, transporte e imposto, apenas o custo direto de produção do minério). Essas falhas impedem o Brasil de participar decentemente nos resultados da atividade mineral.
Minha proposta é para que se cobre participação nos lucros da empresa de mineração. O argumento que ela usa contra taxas mais elevadas ou de maior retorno, de que afetam a sua competitividade internacional, não pode ser aplicada à participação no lucro líquido.
Se o poder público tivesse direito a 10%, teria recebido no ano passado o equivalente a três bilhões de dólares. Não é mais interessante e justo?
Responda. E entre na dança. Espero sua contribuição, já.
Grande abraço,
Lúcio Flávio Pinto

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