A construção da siderúrgica da Vale no Pará
patina entre um impasse da mineradora com o governo brasileiro e a
necessidade de a empresa postergar investimentos fora de suas áreas de
prioridade por conta da crise, afirmaram autoridades e uma fonte com
conhecimento das decisões da companhia.
As obras de construção da Aços Laminados do Pará
(Alpa) estão suspensas porque o governo federal retirou do orçamento do
Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) deste ano uma hidrovia crucial à
siderúrgica, revelaram à Reuters autoridades do Pará.
"As informações que nós temos é que ela chegou a
fazer terraplenagem, chegou a investir alguns milhões de reais, mas
resolveram interromper… em função da ausência da obra da hidrovia do
Tocantins", afirmou o secretário de Indústria, Comércio e Mineração do
Pará, David Leal, em entrevista por e-mail.
A maior produtora de minério de ferro do mundo
confirma que aguarda definição da solução logística por parte do governo
federal, mas que prossegue com o projeto –uma usina de 3,2 bilhões de
dólares e capacidade anual de produção de 2,5 milhões de toneladas de
placas de aço, em Marabá.
A Vale atribui a interrupção da terraplenagem a um
problema com uma parte do terreno cuja desapropriação foi contestada na
Justiça. "Sobre a terraplenagem, a obra foi realizada até onde foi
possível, com 85 por cento dela executada, devido ao impasse do lote
11", diz a mineradora em resposta enviada à Reuters nesta sexta-feira.
O secretário de Indústria da Prefeitura de Marabá,
João Eufrásio de Alcântara, explica que alguns operários continuam no
local fazendo drenagem e conservação do que já foi feito na Alpa, sem,
contudo, avançar em obras estruturantes.
"Os demais trabalhos, como revegetação e manutenção de taludes na área, continuam em andamento", diz a Vale.
Segundo Leal, a diretoria da Vale pediu que o governo
assinasse um protocolo de intenções se comprometendo com as obras da
hidrovia.
De acordo com o secretário do Estado, a mineradora
disse que, se o governo assinasse o documento, imediatamente retomaria
as obras.
A Vale não comentou o assunto.
O governo federal trabalha para destravar o impasse,
mas não vai assinar o protocolo de intenções para a execução das obras
da hidrovia como propôs a Vale, afirmou à Reuters uma fonte do governo,
que prefere ficar no anonimato.
"Entendemos que esse não seria o procedimento
adequado", afirmou a fonte, ao ser indagada sobre a tentativa da
mineradora de ter uma garantia de compromisso do governo sobre as obras.
A entrada da Vale na siderurgia foi um dos pontos de
discórdia com o governo que culminaram com a saída de Roger Agnelli da
presidência da mineradora. O governo no tempo do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva passou a cobrar maior participação da mineradora no
setor siderúrgico.
DIFÍCIL E CARA
A hidrovia Araguaia-Tocantins enfrenta problemas de
navegabilidade, com necessidade de obras para retirada de pedras que
impedem a travessia de embarcações num trecho de 43 quilômetros –uma
obra cara e difícil, disse a fonte do governo. Segundo ela, o projeto
está em estágio de licenciamento, mas teria sido questionado por
autoridades competentes e por isso também teria sido retirado do PAC.
A Vale, então, teria contratado uma consultoria para
realizar um segundo estudo de viabilidade técnica e econômica do
empreendimento, disseram as autoridades do Pará. O estudo deve ser
concluído em novembro. A Vale não comentou imediatamente a informação.
O governo federal esperava que a Vale fosse parceira
no investimento da hidrovia, segundo informações do site do governo do
Pará.
A Alpa, assim como o projeto da Siderúrgica do Ubú,
no Espírito Santo, não foi aprovada pelo Conselho de Administração da
mineradora, embora tenha sido citada na divulgação do Capex em anos
anteriores.
CENÁRIO DESFAVORÁVEL
O problema da hidrovia é crucial, mas o cenário
econômico desfavorável também acabaria atrasando de qualquer forma
projetos de siderurgia da Vale, segundo uma fonte que acompanha as
decisões da companhia e analistas de mercado.
Diante do fraco desempenho do mercado de minério de
ferro e aço, a Vale foi obrigada a rever seus investimentos e priorizar
projetos mais importantes para evitar resultados financeiros ruins.
De acordo com a fonte com conhecimento da situação,
que pediu para não ser identificada, projetos de siderurgia não estão
entre as prioridades da companhia e deveriam mesmo ficar para depois.
"Se a conjuntura está complicada, tem que se avaliar
quais são as prioridades… não adianta insistir em projeto que não faz
parte do ‘core’ (núcleo) da companhia", afirmou, ponderando que os
projetos não deverão ser excluídos da carteira de ativos, mas sim
adiados. "Pode-se gastar um pouco menos agora, estendendo o prazo mais
um pouco", acrescentou a fonte.
Ao mesmo tempo, o projeto do Espírito Santo já foi
adiado pelo menos duas vezes, e deve ser novamente, na falta de um sócio
para realizar os investimentos em parceria com a Vale.
Segundo o analista do Goldman Sachs, Marcelo Aguiar,
os projetos de siderurgia que ainda não foram aprovados não devem passar
pelo crivo dos conselheiros tão cedo.
"A Vale não deverá aprovar nenhum novo projeto, irá tocar apenas os que já se iniciaram e os de minério de ferro", afirmou.
Fonte: Reuters
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