Lúcio Flávio Pinto
Articulista de O Estado do Tapajós
No dia 20 de dezembro a Vale informou à opinião
pública ter concluído a avaliação anual da mineração de cobre de Onça Puma e
dos ativos de alumínio, ambos no Estado do Pará, “o que implicará no
reconhecimento do impairment antes de impostos de US$ 4,2 bilhões, o que
impactará nosso resultado contábil no quarto trimestre de 2012”.
A linguagem codificada de “economês” do comunicado
deve ter prejudicado o entendimento da gravidade da questão, acessível apenas
aos iniciados e aos integrantes do “mercado”.
Ao invés de citar a expressão técnica em língua
estrangeira, a mineradora brasileira, podia prestar uma homenagem póstuma a
Joelmir Betting. Ele foi o primeiro jornalista da era atual a se comunicar com
seus leitores, ouvintes e telespectadores em linguagem humana inteligível.
Combateu a irracionalidade da linguagem cifrada, que a Vale voltou a usar na
sua nota oficial no encerramento de 2012. Além de ferir o estilo no léxico
nacional.
A expressão impairment significa que a
empresa perdeu valor em termos quantitativos, mas também em excelência, poder
ou eficiência. O termo tem origem no latim; em francês se tornou empetrer.
Claro que o mercado ao qual se destina em primeiro
lugar a mensagem da Vale só usa o inglês e tem autorização legal para fazê-lo.
Mas por que deixar de lado o português, mais próximo do léxico latino? Questão
de esnobismo técnico ou opção consciente pelo recado dirigido só aos iniciados?
Linguagens à parte, a Vale reconheceu, afinal: os
problemas surgidos com os dois fornos de Onça Puma determinaram a paralisação
total de suas operações de ferro-níquel desde junho de 2012. Segundo o
comunicado, após analisar o caso, a Vale “decidiu reconstruir um dos fornos,
com custo estimado em US$ 188 milhões em 2013, e planeja a retomada da operação
para o quarto trimestre de 2013”.
Em virtude desses problemas “e diante da atual
situação de mercado para ferro-níquel, a valoração de Onça Puma determinou a
necessidade de reconhecimento de impairment antes de impostos de US$
2,848 bilhões. O valor contábil de Onça Puma era de US$ 3,778 bilhões em 30 de
setembro de 2012”.
Prossegue a comunicação oficial da empresa:
“A volatilidade dos preços do alumínio e as
incertezas macroeconômicas sobre a economia europeia contribuíram para redução
do valor de mercado da nossa participação de 22% na Hydro ASA (Hydro),
produtora de alumínio norueguesa, a um nível inferior ao valor contábil do
investimento. Com base nos preços das ações da Hydro em 30 de setembro de 2012,
estamos reconhecendo impairment antes de impostos de US$ 1,3 bilhão, o
que afetará nosso lucro no 4T12 [quarto trimestre do ano passado].
Apesar destes impactos, permanecemos confiantes nos
fundamentos de longo prazo do mercado global de níquel. Ao mesmo tempo,
acreditamos no potencial dos ativos da Hydro para criar valor significativo
para o acionista como resultado de uma combinação única de uma rica dotação de
recursos naturais e de liderança tecnológica em alumínio.
Os impairments anunciados não terão qualquer
efeito no fluxo de caixa da Vale e serão tratados como itens excepcionais.
Nossa revisão anual de ativos será concluída em conjunto com a divulgação de
nossas demonstrações financeiras de 2012 em 27 de fevereiro de 2013”.
Segui linearmente o texto divulgado pela Vale para
mostrar que se a empresa praticasse de fato os princípios de transparência que
proclama em suas numerosas peças de publicidade, teria dito logo de início que
seu valor contábil de balanço, a ser divulgado no próximo mês de fevereiro,
sofrerá uma redução de mais de 4,2 bilhões de dólares.
A causa são os graves problemas operacionais na
fábrica de níquel do Onça Puma, que terá uma redução de valor de mais de US$
2,8 bilhões, e da “volatilidade” do alumínio, cujos preços continuam baixos no
mercado internacional.
Embora a Vale diga que a correção nos fornos da
usina do Onça Puma será suficiente para que a fábrica volte a funcionar no
final deste ano, essa previsão parece otimista. O projeto já era muito
problemático quando estava sob o controle da empresa canadense Canico.
Sua aquisição pela Vale parece ter sido um impulso
sem maior análise do então presidente da empresa, Roger Agnelli, que ficou no
cargo durante 10 anos, um recorde na história da antiga Companhia Vale do Rio
Doce. Uma explosão ocorreu no primeiro dos fornos em junho.
Quinze dias depois, outra explosão no segundo
forno, que continuou funcionando como se nada de anormal tivesse acontecido.
Parece que assim como a compra e a implantação seguiram um ritmo acelerado, a
operação da usina manteve essas características.
A perda de valor também comprova a irreflexão da
Vale na transação que transferiu todo o complexo de alumínio implantado no
Pará, compreendendo desde a mineração de bauxita e produção de alumina pela
Alunorte (a maior fábrica do mundo) até a metalurgia da Albrás, a oitava maior
do mundo, à Norsk Hydro. A multinacional norueguesa conseguiu assim sua plena
verticalização, da mina à indústria de transformação.
Em troca, a ex-estatal recebeu da multinacional
norueguesa 22% de suas próprias ações. Em fevereiro de 2011, quando a transação
se consumou, essas ações valiam US$ 3,5 bilhões. Hoje valem US$ 2,2 bilhões. A
Vale entregou um polo integrado de alumínio em troca de ninharia. Foi um dano
irreparável à soberania do Brasil nesse setor vital da economia.
A mineradora, que caiu do 2º para o 3º lugar no
ranking mundial, o primeiro abalo depois da era imperial de Roger Agnelli, diz
ainda acreditar no futuro. Só que ele se tornou menos certo do que antes. O
lucro, se houver em 2012, desta vez não terá os valores estratosféricos do
passado, que resultavam em dividendos sem igual para os seus donos e
acionistas. Mas não em ganho consolidado para o país.
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