quinta-feira, 11 de junho de 2020

O penico da "despachada"

Muitos leitores  me perguntaram o porquê de eu ter interrompido a sequência de crônicas. 

Confesso  que havia ficado inibido de comentar fatos pitorescos em meio a dor de muitas famílias que choram por seus mortos nesta pandemia.

Mas um comentário me tocou muito e me fez retomar minhas crônica. Me alertou um amigo que meus textos eram uma gota de alegria num mar de tristezas. Embora ínfimas,  são palavras,  segundo ele, que podem desanuviar esse clima de tristeza vivido por todos nós.

Rendi-me e aqui estou novamente, após esse preâmbulo necessário.

Dia desses estava eu a lembrar de dona Joaquina, vizinha, na infância, na rua do Imperador, em Santarém.

Viúva, mulher de estatura baixa e cabelos alvos, tinha um sorriso acolhedor. 

Mas quem a via e a conhecia  apenas pela aparência, mal sabia que dona Joaquina era uma pessoa "despachada", como poucas que já conheci.

A qualidade de quem é desse jeito você já sabe: pessoa ativa, desembaraçada, sem inibições. Fazia o tipo de quem não levava desaforo para casa.

Na minha longínqua Santarém dos anos 60, ainda éramos 20 por cento dos habitantes da atualidade, que já ultrapassam a 300 mil.

Como cidade pequena à época,  ainda mais provinciana, a comunicação pessoal, cara a cara, dominava  as conversas de porta-de-casa. 

Mas um dia tudo passa, até as uvas ( trocadinho insosso do processo de cristalização de frutas, as adocicadas uvas passas).

Esse dia enfim, chegara a Santarém, com a implantação da telefonia fixa. Embora poucos tivessem acesso ao telefone, era uma novidade ligar ou receber uma ligação de um parente ou amigo para colocar, como diziam, o papo em dia.

Os aparelhos telefonicos funcionavam como três dígitos, apenas. 128, salvo engano, era o telefone de dona Joaquina. Generosa, nunca se importava de compartilhar o acesso aos vizinhos. No quarteirão, era a única que tinha telefone instalado em casa.

Lembro-me quando ela abria a janela do sala e gritava: _ Telefone para dona fulana...

Mas um dia, dona Joaquina foi vítima de um trote ( desde aquele tempo já havia gente desocupada para incomodar as pessoas sossegadas). 

Dona Joaquina atendeu à chamada só depois de alguns toques, pois estava na cozinha preparando o almoço. Ainda ofegante, empostou a voz para saudar o interlocutor que lhe fazia contato: 

_ Bom dia, aqui é a Joaquina. Com quem gostaria de falar?

O mensageiro respondeu: 

_ Aqui é o fulano, informando um nome fictício.

_ Em que posso ajudar? replicou.

A senhora poderia me tirar uma dúvida? - continuou o interlocutor.

_Se eu souber... prosseguiu.

Dona Joaquina, a senhora sabe me dizer se penico de barro enferruja?, perguntou o engraçadinho.

E ela, sem perder a oportunidade, respondeu: 

_ Depende do cu que nele senta, seu FDP!

E assim, dona Joaquina, a "despachada", despachou com ironia e deboche quem estava do outro lado da linha.

Depois dessa resposta, a fama de dona Joaquina se espalhou pela cidade, e os trotes cessaram. Também pudera, né?

3 comentários:

Webeatriz disse...

Essa Dona Joaquina me causa inveja, eu bem queria dispor de uma dose diaria de topete, pra despachar uma meia duzia de #semnoção

Anônimo disse...

Eu acho que conheço essa dona Joaquina. É a mãe de um amigo nosso, grande jogador de futebol em Santarém. Senhora muito respeitável e simpática.
josé wilson malheiros

Blog do Miguel Oliveira disse...

Acertou. Mãe do Ataualpa.