quinta-feira, 19 de março de 2009
Lúcio Flávio Pinto: O PRÍNCIPE HERDEIRO E NÓS CABOCLOS AMAZÔNIDAS
Especial para o Estado do Tapajós
O príncipe Charles dançou o carimbó em Santarém com um olho na dançarina e o outro em Londres. Ficou claro que, ante a eventualidade de a qualquer momento ser convocado para assumir o trono da mais importante monarquia do mundo, o herdeiro da casa dos Windsor está polindo a própria imagem - e também a de sua controversa esposa. Quer fazer o rito da passagem, deixando para trás as sombras ainda vivas da rainha Elizabeth, como as evocações da princesa Diana. Charles quer ser um verdadeiro rei, enquanto há tempo.
Qual outro líder mundial já se dispôs - ou manifesta disposição - a ir até Alter-do-Chão, nos confins amazônicos (da perspectiva de Londres, a expressão a usar pode ser mais grosseira), e se misturar com o povo, de tal maneira aparentemente natural que nem se consegue perceber a severa segurança real? O programa do príncipe combinou um rápido oficialismo, sem pompa e circunstância, com a característica que ele tenta associar ao seu nome: um cidadão do mundo, preocupado com a saúde do planeta, atento ao que se faz de melhor em todos os lugares, receptivo aos demais homens de boa vontade. O príncipe tem preferido se reunir mais com cientistas e nativos, que acumulam o conhecimento científico e o saber tradicional, do que com políticos.
Não há efeitos concretos ou imediatos desse jogo de marketing e relações públicas para a terra visitada? Se não há, a culpa é mais nossa do que da comitiva britânica. Se a Amazônia cede a força do seu nome à campanha de adensamento da figura do príncipe herdeiro, tanto para sua retórica quanto para os negócios "verdes" da fundação que ele preside, não se pode ignorar os efeitos da presença do futuro monarca. Ele colocou na pupila de centenas de milhões de pessoas as cenas do "paraíso perdido", que estariam ao alcance das vontades se também tivéssemos nossos próprios mecanismos de promoção e de marketing, ferramentas que não podem ser deixadas de lado quando se trata de auditório mundial.
Para todas as suas conseqüências (ou sua ausência), a visita do príncipe Charles a Santarém foi um acontecimento positivo. Pode ser efêmero e de pouca intensidade. Mas ao invés de transferirmos a responsabilidade para o visitante, por que não olhamos para nossa própria culpa? Estamos deixando ao acaso a tarefa de decidir por nós. Continuamos a encarar com um amadorismo indesculpável a missão que nos cabe: de manter a Amazônia à nossa imagem e semelhança. Antes, porém, tratando de nos colocar à altura da responsabilidade imposta por esse privilégio, como os donos do maior patrimônio de biodiversidade da Terra.
Se não conseguimos avaliar adequadamente esse valor e tratá-lo como ele merece, os visitantes farão isso por nós. Por isso o príncipe tentava acompanhar os movimentos sinuosos da dançarina regional com os olhos bem postos na capital londrina, de onde veio e para onde voltou, enquanto nós ainda parecemos não ter descoberto onde estamos: na Amazônia.
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Um comentário:
O que falta para nos, amazonidas da pele D'oro do azeite de andiroba e cabelo preto da cor do acai, eh aceitarmos a nossa propria grandeza.
Junto com essa, aquela responsabilidade que o LF , sempre oportuno, enfoca e se relaciona com o cosciente coletivo da Pindorama do Para-Acu.
Atingir o universal partindo do regional eh tao importante quanto entender a perspectiva inversa.
Gde. abs.
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