segunda-feira, 2 de março de 2009

Quando a justiça trai a sua missão

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós


Em 1º de agosto de 1972 os dois filhos de Francisco de Assis Moraes ingressaram na justiça com uma ação para reaver a posse de um imóvel, deixado como herança pelo pai ao morrer. O ocupante da casa, embora jamais tenha pagado o aluguel ou o imposto devido, o IPTU, se declarou inquilino e não posseiro, como os requerentes da imissão de posse o caracterizaram. A partir daí, usou de todos os recursos, processuais e extra-processuais, para protelar uma decisão.
Passados quase 37 anos, o processo ainda não esgotou a jurisdição da justiça paraense, tantos foram os incidentes provocados pelo réu e tão larga a tolerância dos julgadores. Uma das causas do retardamento foi um incidente freqüente no fórum: a declaração de suspeição de magistrados. A lista dos que pediram afastamento da causa, por motivo de foro íntimo, é enorme.
Quando adquiriu o imóvel dos herdeiros, José Alberto Chaves estava no vigor dos 43 anos. Impossibilitado de ocupar a casa que comprou, completou 80 anos abatido por um enfarte e a cirurgia cardíaca conseqüente, sem perspectiva de poder resolver o impasse ainda em vida. Ao relatar seu caso incrível, vai às lágrimas, as mãos tremem, a expressão é de desalento, sem apagar por inteiro sua confiança.
Olhando-o nos olhos, é impossível não concluir que esse cearense, que vi pela primeira vez nesse contato, é um homem de bem. A justiça pode chegar à conclusão, muito kafkiana, mas não inédita, infelizmente, que ele não tem razão, apesar do conteúdo dos autos. Mas é uma ignomínia retardar uma decisão passadas quase quatro décadas do ajuizamento da ação.
É um caso que coloca o judiciário paraense em situação vexatória e explica os números acusatórios apurados pelo Conselho Nacional de Justiça em sua recente inspeção: milhares de processos que dormem sono profundo à espera de um único despacho porque os responsáveis por sua condução ignoram seu dever de ofício. A sociedade paga caro para dar-lhes condição de exercer seu múnus, como gostam de dizer os advogados. Mas eles ignoram a responsabilidade que decorre dos privilégios da sua função.
A partir do caso de José Alberto Chaves, decidi abrir uma seção e convocar os interessados a responder a um desafio: há processo mais antigo em tramitação na justiça do Pará? Quem sabe se, na apuração dos fatos, não encontramos uma ação que pode se apresentar ao Guiness como a mais velha do mundo? Se houver, não será um título que nos honre, mas certamente fará justiça à incúria, à insensibilidade e à omissão de muitos magistrados, que traem a fé do seu ofício e se constituem num ultraje à sociedade.
Espero que o poder judiciário do Pará seja o primeiro a não querer que esse tipo de mácula se torne um fato mundial. O que pode fazer? Já aqui apresentei reiteradas sugestões. Nunca tive qualquer retorno. Um ponto fundamental é o da produtividade dos magistrados. O judiciário devia contar com um ombudsman, suprido pela devida estrutura, para preparar levantamentos sistemáticos sobre os processos mais antigos, as movimentações processuais por cada vara, as sentenças lavradas e outros itens, de acesso público através da internet ou no local onde funcionasse a ouvidoria.
O tribunal remeteria à OAB relatórios periódicos sobre a atuação de advogados que se evidenciam pelo uso de recursos com propósito meramente protelatório ou são chicaneiros assumidos, como patrocinadores de litigância de má-fé, já que a Ordem jamais teve uma atuação compatível com a gravidade desse procedimento por dezenas de maus profissionais.
As promoções de magistrados pelo critério de merecimento seriam precedidas de audiências públicas, nas quais a qualidade da atuação do juiz (ou desembargador) poderia ser aferida, ao invés de uma decisão em circuito fechado e por critérios que nunca se explicitam. Claro que as sessões seriam mediadas para evitar bate-bocas ou desvios para a privacidade ou a subjetividade dos sabatinados. O debate permitiria ao cidadão aferir as virtudes do magistrado e a este, aumentar sua legitimidade, aproximando a justiça do povo e lhe conferindo a estima social.

Um comentário:

Anônimo disse...

Existe uma reclamação do Sindicato dos Bancários contra o Banco do Brasil datada de 1988, que até hoje continua rolando pelas gavetas(?). Trata-se da ação nr. 1988/353, ajuizada junto a 4a.Junta da Capital. Veja bem, já se passaram VINTE E UM ANOS, e até agora nada, apesar de o Banco já ter sido condenado em várias instâncias.