quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Deficiente, aceitar ou mudar de cidade.

Antenor Pereira Giovannini (*)

Seu nome pode ser João, Antonio, José, Luiz, não importa. O que conta é que êle é só mais um entre tantos brasileiros renegados, excluídos apenas e tão somente porque ele é um cadeirante. Como tantos outros deficientes vivendo em diversas outras cidades espalhadas por esse imenso País, você ele teve a infelicidade de ser cadeirante. E, o que é pior: em Santarém.

Se tal descriminação já existe nas demais cidades que possuem certa estrutura, imagine em Santarém que não possui o básico de qualquer cidade que é um Código de Postura devidamente inserido num Plano Diretor. Esses documentos inexistem em nossa cidade. Nossos dirigentes administram sem a necessidade de tais documentos. E justamente pela falta deles é que o deficiente não tem como exigir que seus direitos sejam respeitados. Aliás, como qualquer cidadão. A população inteira não dispõe de calçadas para transitar. Seja um pedestre dito normal, velho, novo, ou um deficiente físico, ou visual ou mesmo um cadeirante. Alias, em relação ao cadeirante, qualquer vilarejo deste País possui rampas de acesso para se atravessar de uma calçada para outra, obrigação contida na Constituição Federal. Mas, em nossa cidade isso de nada vale. Se as pessoas tidas como normais não se queixam de ter que andar pelas ruas já que inexistem calçadas em condições de trafegabilidade, aonde ou a quem os deficientes vão querer reclamar?

“Haja paciência, Sr. Antenor. O senhor e essa ladainha de novo de falta de calçadas, que deficiente não tem vez, bla, blá, blá. Esse seu discurso cansa. Literalmente enche o saco de ler sempre a mesma coisa“ E assim segue a vidinha nos conformes. De dentro do meu carro acompanho o trânsito lento numa das ruas do centro da cidade e ouço um buzinaço na minha frente. E ao conseguir avançar mais alguns metros, encontro à causa do buzinaço. E não consigo evitar pensar que a criatura que enfiou a mão na buzina e causou todo aquele barulho não deve ter sido gerado por mãe alguma. O desiluminado, o ensombreado de alma não teve paciência nem respeito ao próximo que tentava se locomover em sua cadeira de rodas (foto). E como as calçadas transitáveis são poucas e invariavelmente sem rampas, o alvo do buzinaço tentava pacientemente seguir junto ao meio fio até atingir seu objetivo que era o Banco (que, aliás, possui rampa de acesso). Mas, como subir na calçada? Obviamente, sua cabeça procurou entre os passantes uma alma caridosa que erguesse a sua cadeira e o colocasse à frente da porta do Banco. Feito isso, ele gentilmente agradeceu o seu condutor que continuou viagem. Ele se postou na rampa de acesso ao Banco e, mesmo antes de se preocupar com seu compromisso, já deve ter começado a sofrer pensando no seu retorno. que sabe bem ele, terá que ser realizado da mesma maneira: pedindo ajuda, sendo colocado no leito carroçável das ruas e se arrastando entre carros, motos e outros cidadãos de alma ensombrecida e enlameada para retornar a casa.

Tudo isso porque os dirigentes de nossa cidade, atuais ou antigos, nunca deram a menor atenção a esse contingente de pessoas que, por mais surpreendente que possa parecer, são cidadãos como todos os demais. Aliás, até são eleitores e votam embora nunca lhes sejam concedidos e respeitados os direitos de qualquer cidadão A despeito disso, eles heroicamente, buscam no dia a dia ir ao encontro dos seus ideais, seus sonhos, sua vida, independente de serem maltratados por quem por obrigação legal, moral e natural, deveria conceder a eles algo que a grande maioria não conhece ou não quer conhecer: dignidade.

Se já não bastasse o sofrimento e a luta por sobrevivência num mundo falso, hipócrita que não lhes concede oportunidade e ainda os olham com ar piegas e discriminatório, esses indivíduos ainda são obrigados a lutar na rua para atingir seus destinos. Os responsáveis por dirigir a cidade, secretários, secretárias, vereadores, vereadoras, deveriam todos os dias agradecer aos céus por terem nascido sem qualquer problema de ordem física. E mais, por poderem olhar seus filhos e saber que terão suas vidas normais e sem percalços. Diferentemente dos nossos João, Antonio, Jose, Luiz. Sem esquecer das nossas Maria, Antonias, Josefa, Luiza, que da mesma forma que os homens, bravamente fazem seu caminho. , Que o diga D. Zenilda, guerreira diária para atuar à frente de sua loja de artigos femininos.

Para coroar isso tudo, observa-se aquela vergonha de obra de acesso ao mezanino do mercado na orla da cidade com uma escada ridiculamente estreita e de degraus curtos, alijando os deficientes de modo geral e também às pessoas de idade e com dificuldades de locomoção via escadas. Fica a impressão que, por aqui, deficiente não tem vez. A solução é aceitar ou se mudar.

Fica o importante registro e um reparo: quem nasce com alguma restrição física não é deficiente e tampouco pode ser discriminado com pecha de “não normal”. Deficiência é a de caráter, essa que marca de forma indisfarçável e incorrigível a quase totalidade dos que se dizem responsáveis pelos destinos da cidade e do país. E isso não há de ser eterno.

(*) Aposentado e morador em Santarém

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