Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Se tivesse decidido se tornar imortal entre as décadas de 60 e 70, quando era o mais influente colunista social do Pará, com presença em jornal e na televisão, Pierre Beltrand teria vencido com facilidade a eleição para a Academia Paraense de Letras. Mas só neste ano foi que ele se candidatou. Agora está com mais de 80 anos de idade e possui apenas uma coluna dominical num jornal, o Amazônia, que, além de ser o subproduto do irmão mais velho, O Liberal, foi concebido para circular entre as camadas da população que talvez nem saibam que a academia existe – e vice-versa. Ubiratan de Aguiar só teve 13 votos. Não vai poder incluir o título de imortal no seu currículo, que era a sua maior pretensão. Sua rival amealhou 21 votos, metade mais um das 40 cadeiras acadêmicas e por isso o suficiente para decidir a parada no primeiro escrutínio.
Sarah Rodrigues não é personalidade pública, como Pierre. Em 60 anos de profissão, ele se tornou conhecido por promoções típicas do colunismo social que era praticado quando trocou de posição na redação, deixando de ser o repórter fuçador que era para se dedicar ao grand monde. Nessa condição, escolhia os homens e as mulheres mais elegantes, aqueles que recebiam bem (os hosts), as personalidades do ano e assim por diante, além de colocar diante das câmeras da televisão rostos que iriam se notabilizar (e promover espetáculos artísticos e festas). Quem não queria ser personagem do Pierre, que era a versão tupiniquim do Ibrahim? Os imortais, mais dados à vida literária do que à atividade literária, gostariam.
No mês passado, quando a cadeira 28 da academia foi preenchida, depois da morte do professor Ubiratan Rosário, Pierre não foi páreo para Sarah Castelo Branco Monteiro Rodrigues. Ela é juíza de direito, titular da 6ª vara penal de Belém, admitida (em 1º lugar) através de concurso público; sua tese de pós-graduação na FGV do Rio de Janeiro também obteve o 1º lugar, foi tricampeã nacional de ginástica rítmica desportiva, é jovem, bonita e, o mais importante para efeitos da imortalidade, ganhou, em 2007, o prêmio de poesia da própria Academia Paraense de Letras.
O livro, muito bem editado, Poemas para minha aldeia, só foi publicado dias antes da eleição, talvez para dar o golpe final às pretensões de Pierre Beltrand. Nada menos do que três integrantes da APL dão suas impressões no próprio livro: Jurandyr Bezerra, o decano dos imortais, Roberto Carvalho (que escreve a apresentação) e Nazareno Tourinho (responsável pela orelha). Para reforçar, o poeta (amazonense, como Sarah) Jorge Tufic, membro da academia de letras do Amazonas, se estende em louvores à autora.
São derramados os adjetivos à veia inspirada da poetisa (e não propriamente poeta) e à sua ousadia conservadora – digamos assim – de retornar à metrificação e à rima contra a “parafernália daqueles que estão mais para as letras de música pop, do que mesmo para uma lírica moderna ainda em paz com a arte do soneto, do verso livre, das redondilhas”. Como prova do que afirma, Jorge Tufic cita um dos sonetos do livro, dedicado – sem qualquer surpresa – à saudade, no qual uma das estrofes admite: “Que mais no amor eu tenho que sofrer/ para que amando o sonho tenha vida?/ Traga teus lábios nus, dá-me a beber, e mate o que nasceu da despedida!”. O verbo, como se vê, transfigurou-se entre o primeiro e o último verso.
Mais dramático é o final do poema, em duas estrofes: “Guardei-me na esperança te esperando,/ sofrendo pelo bem de estar te amando;/ tão certo de que certo a tua vontade!/ Mas hoje, infelizmente, hei-me ao tormento,/ calada nessa voz de sentimento/ e pregada na cruz desta saudade”.
Tufic garante que, com versos dessa qualidade, a poetisa estreante “começa, de fato, por onde muitos terminam”. Ao invés da aldeia, à qual dirige seus sentimentos exclamativos, “ganha o espaço das grandes partidas, conquista o mundo”. Por enquanto, a cadeira 26 da APL, onde Pierre esperava sentar. E uma façanha: embora a tiragem do seu livro tenha sido de mil exemplares, conforme registrado na própria publicação, O Liberal, que noticiou sua vitória, informou que Poemas para minha aldeia “teve mais de 1.500 exemplares vendidos antes do lançamento oficial”. Assim, a nova imortal pode tirar uma 2ª edição com metade da tiragem previamente vendida. Recorde no mercado editorial paraense, ainda que sua tão exaltada veia poética não nos ofereça nenhum verso novo, nem tema original. Mas para uma academia literária que já foi ambicionada pela autora de um livro de culinária, a situação melhorou. Espera-se que continue a melhorar quando as três vagas ainda abertas forem preenchidas.
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