terça-feira, 29 de novembro de 2011

Papel das elites(criticas à esquerda e ao marxismo ortodoxo)


Lúcio Flávio Pinto

A propósito do artigo "Os índios é que decidirão sobre usina de Belo Monte? o jornalista Paulo Leandro Leal, de Santarém, postou o seguinte comentário no blog do jornal O Estado do Tapajós:

"’As vozes consideradas mais qualificadas para o debate popular contestam Belo Monte’. Esta tentativa de desqualificar as vozes favoráveis ao empreendimento só mostra que a esquerda não aprende mesmo. O LFP se acha o Moderno Príncipe Gramsciniano, que tem o poder de dizer o que é bom e o que é mal”.

Em resposta, mandei a seguinte mensagem:

“Caro Paulo: Respeito o seu direito de dizer o que quiser. Por curiosidade, gostaria de saber o que você entende por ‘Moderno Príncipe Gramsciniano’, me atribuindo o título. Escrevi pela primeira vez sobre o filósofo italiano em 1968 e tenho me empenhado em estudá-lo. Mas não consegui atinar para sua comparação. Esclareça-me, por gentileza”. 

Infelizmente, Paulo não voltou ao tema. Achava que podia render um bom caldo. No meu entendimento, Paulo não compreendeu o sentido da frase que provocou sua manifestação – e talvez não tenha entendido também Antônio Gramsci. Tenho feito críticas constantes à esquerda e ao marxismo ortodoxo, em particular. Acho que ambos subestimam o papel das elites, mais bem compreendidas por observadores como Max Weber ou C. Wright Mills. Com ênfase numa região colonial como a nossa, de educação mais do que deficiente.

Aproveito a oportunidade para recomendar aos meus leitores o livro Um Melodrama Americano. Foi publicado pela Editora Expressão e Cultura em 1969, no ano seguinte ao do seu aparecimento nos Estados Unidos, em dois volumes, com mais de 900 páginas. A capa, mal concebida (sugeria mais show-business em si do que política enquanto tal) não ajudou a fazer justiça ao trabalho dos jornalistas ingleses Godfrey Hodgson, Lewis Chester e Bruce Page, todos do Sunday Times, de Londres, que deu suporte à brilhante reportagem.

O que eles realizaram, na abertura do governo Nixon, é muito melhor do que os livros de Bob Woodward e Carl Bernstein sobre o ocaso nixoniano. Mas ficou encalhado, infelizmente. Pouca gente leu. Raros ainda se lembram. Com insistência, o livro pode ser encontrado em sebos.

Em certo trecho, observam os jornalistas: “Tal política conta, sem dúvida, com muitos e fervorosos adeptos, mas os seus adversários – entre os quais se incluem se incluem numerosos ex-adeptos – são ainda mais veementes e clamorosos. E essa oposição é formada por uma vasta proporção daquelas classes ativas, diligentes e talentosas sem o consentimento das quais a organização da vida americana dificilmente poderia manter-se”.

Concebida para situar os campos de apoio e oposição à política oficial americana, a frase se amolda como luva ao confronto em torno da hidrelétrica de Belo Monte. É claro que a maioria apoia a obra. Mas é da mesma clareza o fato de que seus críticos têm mostrado qualificação suficiente para fazer o poderoso governo recuar, mudar de postura, maquilar o projeto e seguir muito mais lentamente do que pretendia.

Essa minoria pode ser derrotada ao final, como tem ocorrido quase sempre. Mas será mais por um ato de força do que de convencimento, de vitória no duelo intelectual, na dialética dos argumentos. A obra poderá sair, mas sua moral não será recomendável. Ainda mais porque a conta da quitação dos erros será apresentada a todos, não apenas aos derrotados.

4 comentários:

Adelina Braglia disse...

Boa tarde, caro Miguel.

nesse caso, declamo, com uma pequena parceria, o verso de Mário Quintana, o " Poeminha do contra"

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
e o Lúcio, passarinho!

Abração, Miguel.
Idem, Lúcio.

Anônimo disse...

Obrigado, Adelina. Sua generosidade é do tamanho do seu coração. E da razão. Grande abraço, Lúcio Flávio Pinto

PAULO LEANDRO LEAL disse...

Prezado Lúcio Flávio Pinto,

Somente hoje pude ler o seu comentário.

Em 1968 eu não havia nascido ainda, o que veio ocorrer somente em 1979. Portanto, tenho certeza que você leu Antonio Gramsci bem mais do que eu. Só vim conhecê-lo em 1997, quando cursava Pedagogia na UFPA e o curso ainda tinha uma robusta carga horária de Filosofia e Sociologia (uma pena que transformaram o curso em um ajuntamento de atividades lúdicas). Como todos os professores eram marxistas (pelo menos se achavam marxistas), não tive a oportunidade de ler, naquela época, pensadores que não fossem alinhados com a dialética do furunculoso (Marx). Somente bem depois me interessei pelo “outro lado”, mas já fui longe.

Voltando ao ponto, talvez poucos tenham realmente entendido Gramsci, especialmente a esquerda, que tem no seu pensamento a base para a promoção da guerra de valores na sociedade. Ou, pelo contrário, entenderam perfeitamente o que ele escreveu e ainda hoje aplicam o seu pensamento nos projetos de poder mundo afora. Basta ver a esquerda no Brasil, que graças à sua guerra de valores na sociedade conquistou e vem mantendo o poder. Afinal, o que era o PT há 30 anos e o que é hoje? Está incrustado em todas as esferas da sociedade: governo, sindicatos, estatais, fundos de pensão, etc etc. Um verdadeiro polvo a buscar o controle do povo (não resisti ao trocadilho). A diferença é que Gramsci queria o poder para reformar a sociedade e as esquerdas no Brasil se conformaram em encher os bolsos. Já vou eu de novo viajando na digressão.

Antonio Gramsci designa o partido revolucionário com o nome de "moderno Príncipe", o agente da vontade coletiva transformadora. Ao defender que o partido promova a superação dos resíduos "egoístico-passionais" da classe operária e forme uma vontade coletiva nacional-popular, o filósofo comunista italiano acabou se tornando, a meu ver, um dos grandes teóricos do totalitarismo. A "consciência operosa da necessidade histórica" acabou se tornando, como demonstrou a história mais tarde, uma imensa massa de manobra usada pelo Moderno Príncipe para a aplicação de ações que supostamente fariam a sociedade alcançar um novo horizonte. Acontece que quando a esquerda decidiu colocar este pensamento em prática a tal classe operária acabou não gostando muito, o que acabou gerando alguns milhões de cadáveres mundo afora.

Mas deixamos o próprio Gramsci definir o moderno Príncipe:

“O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.
(...CONTINUA)

PAULO LEANDRO LEAL disse...

Quando eu o denominei de “Moderno Príncipe” não quis, de maneira alguma, fazer qualquer associação com o horror totalitário que conhecemos, nem colocá-lo no mesmo barco do marxismo ortodoxo, mas chamar a atenção para uma similaridade no método de pensamento. Os militantes ambientalistas se querem uma referência dos indivíduos, cujos atos serão avaliados segundo o que é o que é não é útil à causa ambientalista, que parece tomar o lugar da divindade ou, no caso específico, da racionalidade. Até construíram um Apocalipse próprio (o fim do mundo por causa do “aquecimento global”), tentando tomar o lugar das religiões. Mas isso já rende outra história.

Se no mundo sonhado por Gramsci não há pensamento possível fora do “Moderno Príncipe”, me parece algo semelhante classificar quem é ou não qualificado para o debate popular sobre Belo Monte. Os ativistas da causa tentam criar uma linha divisória separando o mundo em dois grupos: os que são contra e os que são a favor. No primeiro, é claro, estariam somente as pessoas boas, os intelectuais (orgânicos e tradicionais), aqueles que só querem nos levar a um novo horizonte alcançável, um mundo bom e melhor, onde o homem pode viver em harmonia com a natureza (parecem estar construindo um futuro onde todos seremos o bom homem de Russeau). No outro grupo, estariam os homens maus, barrageiros, os que só querem destruir a natureza ou ganhar dinheiro com construção de usinas. Uma gente assim desprezível, “desqualificada para o debate popular”.

Não há como não enxergar também uma herança fascista no discurso ambiental. Se Giovanni Gentile defendia “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”, os ambientalistas parecem ter criado a fórmula “Tudo no meio ambiente, nada fora do meio ambiente, nada contra o meio ambiente”.

Voltando a Gramsci, muitos tentam defendê-lo afirmando que o pensador descrê de uma vontade coletiva imposta como ato arbitrário. Mas ele mesmo prega que os sentimentos espontâneos das massas devem ser educados, purificados, orientados. A crítica à manipulação das massas resta fraca, quando ele prega o partido (Moderno Príncipe) deve realizar uma síntese disciplinadora e uma mediação político-universal.

Talvez eu tenha exagerado um pouco no termo, pois sei que você ama a Democracia, não possui qualquer empatia com a tirania ou com o totalitarismo e lutou para que tenhamos hoje o direito de fazer este debate. Mas ao ler seu artigo, não pude deixar de lembrar minhas leituras de e sobre Antonio Gramsci e fazer a comparação, pois o pensamento e o ativismo ambientalista moderno tem muito de Gramsci sim.

Ainda bem que, por ser voz dissonante do imperativo categórico verde, estou submetido somente ao combate de idéias. Muitos milhões que contrariaram os “interesses” da classe operária em revoluções socialistas inspiradas em teóricos como Gramsci não tiveram a mesma sorte.

De resto, eu acredito de suma importância haver aqueles que se opõem a Belo Monte. Tal oposição, quando acompanhada de uma crítica baseada na realidade, ajuda no debate e contribuiu para que o projeto fosse revisado. Mas muitos dos que são favoráveis também deram esta mesma contribuição. Na minha avaliação, não existe um jogo do bem contra o mal. É preciso respeitar as opiniões sérias de quem é contrário à obra e não se pode tentar desqualificar os favoráveis.

Por fim, convido-o a visitar a região de Altamira e conhecer, um pouco mais de perto, a realidade sobre a construção de Belo Monte. Longe de querer mudar seu pensamento a respeito, mas terá a oportunidade de perceber que existem vozes a favor de Belo Monte na região que são altamente qualificadas para o debate e que sabem exatamente o que está acontecendo. Vozes estas que há muito perderam a ingenuidade e que não aceitam mais o papel de ingênuos coloniais ajoelhados perante o colonizador.