sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A beleza e o exotismo de Muchupichu

Confira aqui a foto dos diretores de O Estado do Tapajós em Muchupichu, na última terça-feira.
Foto: Aluísio Jimenez.

Retrospectiva 2009 - Junho

A saga dos nordestinos - 1ª parte

Hélcio Amaral de Souza

Desde o período colonial que o nordeste brasileiro registra uma das mais desenvolvidas densidades demográficas, formadas por homens e mulheres destemidos, valentes e dotados de incomparável espírito de aventura, dispostos a enfrentar adversidades tão graves ou maiores que as vividas no sertão onde o solo árido e as prolongadas estiagens deixaram cicatrizes profundas na vida destes bravos brasileiros. Desesperados, procuraram outros locais e regiões onde a vida mostrasse um futuro mais promissor para seus filhos e netos e assim espalharam-se para outros centos sempre impelidos pela desejo do sucesso, voltados para o trabalho da agricultura manual, tirocínio para o comércio, financistas, ambicionando sempre o enriquecimento onde o comércio é a espinha dorsal.

A economia na Amazônia é composta de atividades cíclicas baseadas em extrativismo e cultura permanente, sendo as mais marcantes: DROGAS DO SERTÃO, CACAU, BORRACHA, JUTA e OURO. Em todos esses ciclos a história registra presença do homem nordestino contribuindo com o desenvolvimento econômico, miscigenando e ocupando o grande vazio desta imensa região. Não houve trabalho que o homem nordestino temesse. A imensidão líquida não foi obstáculo até mesmo para os que estavam habituados a prolongadas e castigantes secas. Alguns se tornaram hábeis navegadores do rio Amazonas e com bastante eficiência assumiram o comando de navios regionais e uma grande maioria habituou-se ao manejo das pequenas e arriscadas canoas e igarités, por ser estes os únicos meios de transporte que possibilitava acessar a margem dos rios onde se fixava a grande maioria da população amazônica. Não existiam estradas e até mesmo as vicinais carroçáveis eram de pouca distância.

A história nos mostra que na revolução cabana, em 1835, os nordestinos, Angelim e Vinagre lideraram e comandaram com bravura aquele movimento nativista alcançando a vitória, fato que se tornou marco na história da Amazônia.

Após a abertura da navegação motorizada no rio amazonas, em janeiro de l852, a presença do homem nordestino se tornou mais freqüente. As comunidades receberam trabalhadores braçais, médicos, agrimensores e advogados que ocuparam cargo de juiz, promotor, professor ou profissionais liberais que participaram da vida pública e privada acelerando a economia e desenvolvendo a política da região. A faculdade de direito do Ceará, por ser mais antiga do que a do Pará, encaminhou inúmeros juristas que chegaram a assumir a presidência e demais cargos da justiça paraense. Foi na década de 80 do século XIX que o fluxo migratório intensificou. A propaganda exacerbada da riqueza causada pela comercialização da borracha, despertou uma cobiça a todos os povos do mundo inteiro e nossos irmãos nordestinos foram os mais presentes nesta corrida em busca do enriquecimento fácil e rápido coletando a goma elástica para alimentar os carentes e insaciáveis mercados europeus e americanos que experimentavam a grande corrida da revolução industrial. Foi instalada em todo nordeste agencias alistando trabalhadores para a coleta de látex nas florestas da Amazônia. Os alistados eram encaminhados aos seringalistas, coronéis de grandes áreas localizadas à margem dos rios. As despesas de passagem e alimentação, desde o momento em que saiam do nordeste, eram debitadas ao alistado e anotadas no caderno de aviamento (conta corrente) junto com o rancho necessário a sobrevivência da permanência na floresta e que seria ajustado no momento da entrega do produto (borracha), coletado no período, que em grupo ou sozinhos permaneciam na floresta durante o período de estiagem, considerado o mais apropriado para a coleta do látex. A falta de princípios éticos e morais do “patrão” (seringalista ou aviador) impossibilitava o pobre seringueiro obter saldo positivo em sua conta, o que o obrigava viver em constante submissão, coagido até com ameaça de morte, caso desistisse da atividade.

Os artigos de subsistências recebidos para a sobrevivência na floresta eram anotados unicamente as quantidades e o preço só eram colocados no momento da entrega do produto. O preço arbitrado para a borracha, no momento da entrega, nem sempre correspondia ao valor dos artigos de subsistência recebidos e muito menos correspondia a um determinado percentual do valor de exportação do produto para o mercado externo. Não havia forma diferente de parceria nessa atividade. Todos os seringalistas eram inescrupulosos, rudes e truculentos, não se tem informação de um só que fosse diferente.

Na última década do governo Imperial, viveu no Pará um nordestino de Crato, que se tornou um mito; foi o coronel José Júlio de Andrade. Segundo o escritor Cristóvão Lins, em seu livro, Setenta Anos de Império Jarí, José Júlio foi um dos homens mais famosos e poderosos do Pará na última década do século XIX e início do século XX. Tinha bastante dinheiro, fama , influência política, prestígio entre os homens de negócio e se tornou o maior latifundiário do mundo, tendo dentro de sua propriedade um rio, Rio Jarí, desde a nascente até a foz. Na sede de seu império, Arumanduba, as companhias de teatro e ópera francesas, se exibiam, mesmo não tendo um teatro. Sua principal atividade era o extrativismo, tendo a castanha e a borracha como os principais, produtos. Diz o escritor que se não tivesse ocorrido uma forte arenga entre ele e o interventor do Pará, General Joaquim Cardoso de Magalhães Barata, provavelmente ele teria sido convidado para ser candidato a governador do Pará. Diz ainda o cuidadoso escritor, que José Júlio falava corretamente oito idiomas e que lia os clássicos gregos e romanos em sua original. A verdade é quer a fama de José Júlio, perdura até hoje na região do Rio Jarí onde mais tarde veio se estabelecer a Empresa Agro Florestal Jarí.

Hábito de comer peixe está acabando em Santarém

Suzana Pinto
Repórter

O hábito alimentar dos santarenos está mudando nos últimos anos. A procura pelo pescado nos supermercados caiu consideravelmente, aumentando o consumo de aves. Este fato contraria a crença de que é costumeira para as cidades à beira de rio a facilidade de consumo de peixe pela população. Nos restaurantes da cidade é visível a preferência dos clientes por pratos à base de carne bovina e frango.
Na mesa diária das famílias está mais presente a carne de frango ou bovina do que os peixes da região. Foi o que informou o empresário César Ramalheiro, administrador de uma rede de supermercados onde comprova que a venda de aves aumentou em 20% em relação ao mesmo semestre do ano passado. Hoje a saída da carne de frango representa 65% enquanto que a carne é de 32% e o restante representa a procura de carne de carneiro e suína. " O dado que atesta que o povo está se alimentando bem menos com peixe é o registro da venda de apenas 1% de peixes", confirmou Ramalheiro.
A retração ao consumo pode está ligada ao preço do pescado que está mais caro e incompatível com a renda da grande massa. Cezar frisa que outros pratos estão sendo incorporados ao hábito alimentar das pessoas como embutidos e massas, assim muitas pessoas deixaram de consumir peixe. Ele diz que há tempos isso era diferente em função da grande oferta de pescado e o frango consumido era da criação caseira, mas com o aumento de frigoríficos e industrialização da produção da carne de frango, o consumidor precisou se adequar, motivado pela dificuldade de comprar o pescado.
Uma visita aos restaurantes pode indicar como anda a preferência alimentar das pessoas. Carlos Meschede comanda um restaurante que funciona em Santarém há quase 75 anos. Ele concorda que a preferência pelo consumo da carne aumentou devido o aumento do preço do pescado que influencia diretamente do valor do prato. O quilo do Surubim, por exemplo, custa R$ 8, mas com preparo do peixe o restaurante perde pelo menos mais três quilos. Assim os pratos com pescados passam a ser mais caros e menos pedidos.
A clientela do restaurante é de 80% de visitantes que estão por motivo de trabalho na cidade como vendedores, mas não consomem o prato de R$ 40,00 de peixe preferindo os pratos de carne bovina. A mesma atitude é das pessoas que moram na cidade que também pouco escolhe os pratos de frango e de mariscos mesmo tendo a mesma proporção para todos os pratos. Meschede comenta que o frango deixou de ser uma comida de domingo sendo consumido no dia-a-dia. "Fiz uma experiência oferecendo caldeirada de jaraqui, peixe da época que está com preço acessível, contudo mesmo barateando o prato ele não teve saída e o produto teve ser jogado fora", resigna-se o empresário.
Os peixes nobres como pirarucu e tucunaré estão em falta nos fornecedores, e por conta da baixa na venda de peixe, os pratos de pescado encarece e o consumidor opta por outros pratos, principalmente por carne. Segundo Meschede, um dos motivos que levou a mudança na alimentação das pessoas à pesca predatória que torna o produto escasso e caro afastando naturalmente o consumo desses produtos.
Já no restaurante gerenciado por Márcia Melo os pratos de peixe são 80% mais pedidos pelos clientes que são 50% de visitantes. Na opinião dela "as pessoas preferem o prato de peixe para fugir da rotina da alimentação em casa, pois ela diz que a inovação e criatividade dos pratos chamam a atenção das pessoas, porém o preço do prato de peixe em relação a aves e outras carnes são similares", admite.
No meio da grande massa o costume de comer os churrascos em espetos também cresceu comprovado pelo crescente número de vendedores nas ruas.
Os vendedores de peixe na feira do tablado reclamam da baixa na venda no peixe. O vendedor Luiz Ferreira, 59 anos, trabalha desde os 9 anos com peixe e ele afirma que a cada 10 pessoas que procuram a sua barraca apenas 2 compram o pescado. Diariamente ele chega a vender 50 quilos, mas considera que a venda tem reduzido consideravelmente nos últimos anos. "As pessoas acham caro o quilo do peixe e não compram por isso a venda é pouca porque aqui na frente tem venda de frango que muita gente prefere comprar que é mais barato", afirmou. A colônia de pescadores Z-20 registrou até outubro do ano passado a venda de mais de 68 mil toneladas de peixe na feira do tablado com 31 espécies de peixe.
Peixe será o peru do Natal
Um dos fatores que Cezar Ramalheiro avalia com influente para a mudança no hábito alimentar dos santarenos foi o aumento das políticas ambientais na restrição da pesca ocasionado uma escassez no mercado. "O consumidor teve que se adequar ao que o mercado está oferecendo e como não há um incentivo para produção agropecuária então a população precisa comer e o frango veio salvar população", disse.
Na opinião de Ramalheiro, até mesmo o período tradicional do ano de consumo de peixe durante a semana santa se alterou pela escassez e aumento preço, pois sai mais barato importar bacalhau da Noruega do que comprar o pirarucu. "Isso pode sinalizar que futuramente a alimentação das famílias santarenas só terá nas mesas o peixe em dias especiais. O peixe tende a sumir da mesa das pessoas vai ser o peru do natal porque vai se tornar um produto nobre", arremata.

Quando a Volks virou fazendeira

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

O engenheiro agrônomo Manoel Moura Melo fez o que todas as pessoas que realizaram qualquer tipo de obra pública deviam fazer: durante dois anos refletiu sobre sua experiência pioneira, realizou pesquisas, fez entrevistas e com base nas suas anotações escreveu Trilhas de idealismo – a saga extensionista, pequeno e proveitoso livro (174 páginas, edição do autor) sobre a história da Acar-Pará. Um dos seus propósitos é contribuir para tirar a extensão rural da UTI, na qual se encontra em todo Brasil. Manoel acredita que se ela ressurgisse “dentro das fórmulas educativas, metodológicas e não-políticas poderia servir de um salva-vidas, para amenizar os problemas do campo e alavancar o desenvolvimento rural”

Gentilmente, Manoel me encaminhou outro livro, O Serviço Público por Dentro, em formato pequeno, também edição do autor (com apoio de amigos), 138 páginas. Com ironia, humor e doses de acidez, Renato Coral reflete nessa obra simples sobre sua longa experiência em órgãos públicos no Pará, tanto estaduais quanto federais. O livro se ressente de revisão e de melhor edição, mas alguns dos testemunhos têm valor histórico, mesmo quando os personagens existem sob pseudônimos, incluindo o autor.

O principal episódio na vida de servidor público de Coral foi em 1976 (ou 1977, segundo seu próprio registro), quando chefiava o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, antecessor do Ibama) em Belém. Ele aplicou uma multa milionária ao projeto agropecuário da Companhia Vale do Rio Cristalino, de propriedade da Volkswagen, que era implantado em Redenção, no sul do Estado. A companhia desmatou ilegalmente nove mil hectares para formar pastagem.

A área foi toda queimada, provocando o maior incêndio até então registrado por um satélite, o Skylab, monitorado pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. A imagem do incêndio correu mundo e teve repercussão internacional. O valor da multa, de 23 milhões de cruzeiros da época, que superava todo o capital do projeto agropecuário, aprovado pela Sudam em 1974, também estourou em Brasília como uma bomba e foi escoar na Alemanha, terra natal da Volks.

Na sua crônica do acontecimento, relata Coral, falando de si na terceira pessoa do singular. Diz:

“Pressões federais, estaduais e de outros grupos empresariais desabaram sobre a cabeça do Delegado, que comeu o pão que o diabo amassou.

Veio então uma ordem do órgão central, para que o Delegado encaminhasse o Processo para Brasília, a fim de ser estudado por uma comissão de juristas.

Uns 15 dias após, o Processo foi devolvido às origens, com a multa reduzida em 90%, o que significava que o titular estava certo, mas foi muito carrasco.

Logo em seguida, o Delegado recebeu a visita de um dos assessores da empresa e, após uma conversa demorada, o representante perguntou qual a marca do automóvel pertencente ao Delegado.

O Da Silva [o próprio Coral], percebendo a malícia da pergunta, respondeu:

– ‘Opala, modelo 75, de segunda mão!’

Continuou o assessor:

– ‘Por que Opala?’

O Da Silva, querendo por um término na conversa, respondeu amuado:

– ‘Porque eu já ultrapassei a fase de carros de brinquedo’.

Retrucou o assessor:

– ‘Permita-me comunicar-lhe que o senhor é um dos poucos cidadãos que poderá receber um carro zero quilômetro, amanhã, na porta da sua residência, com todos os acessórios, bastando que faça a mágica de fazer pulverizar a papelada’.

O Da Silva então deu o tiro de misericórdia:

– ‘Mágico esconde vara. Pegue a sua e faça bom uso dela. Queira retirar-se que eu tenho mais o que fazer!’

Após a saída do aliciador, entra no gabinete Dona Dina, fiel secretária, e pergunta ao Delegado:

– ‘O senhor está lívido. O que foi que aconteceu?’

O Delegado contou a tentativa de suborno.

– ‘Comunique logo ao senhor Presidente’, aconselhou a secretária.

O Da Silva, mais calmo, raciocinou alto:

– ‘Dona Dina! Se eu comunicar à Direção Geral que fui tentado a receber o presente, caso o mandatário tomasse alguma providência, a multinacional iria defender-se alegando que eu é que teria pedido o automóvel. Como sou um bosta n’água de um simples Delegado Estadual, a proposta fica entre nós’.

Cobrindo os fatos, conversei várias vezes com Renato Coral nesse período, mas ele não denunciou a tentativa de suborno, pelos motivos que confidenciou à sua secretária e só revelou em 2000 (data da publicação do livro), quase três décadas depois. A história, porém, se encaixa na mecânica dos fatos de então. Ao se defender da autuação do órgão ambiental, a Volkswagen alegou que era pressionada por outro órgão federal, a Sudam, a lhe exigir celeridade na execução do cronograma do projeto agropecuário.

Rapidamente, quem tinha poder decisório contemporizou, houve acerto (não se sabe documentalmente até qual profundidade) e a Volks continuou a queimar, desmatar, plantar capim e colocar gado na sua propriedade. Até que demonstrou sua incompetência como fazendeira, o que tentou ser pela primeira vez na Amazônia, o único lugar do mundo onde não utilizou sua competência específica reconhecida internacionalmente (como montadora de veículos automotores) e arriscou a pecuária. Vendeu a fazenda para o grupo Matsubara, do Paraná, que passou em frente as terras, que acabaram servindo para assentamentos da malsinada reforma agrária na Amazônia. Uma moral nada edificante, como a lição da maioria dos “causos” que Renato Coral reuniu neste seu livrinho pedagógico. Muitos não acreditarão, mas essa reconstituição de experiências no serviço pública não é – embora seja – um livro de piadas de humor negro.