quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Vale: um ciclo ainda em aberto


Lucio Flávio Pinto
(Texto escrito em novembro de 2001)

O Pará está iniciando o quarto ciclo da mineração, que pode lhe permitir deslocar Minas Gerais da secular posição de maior Estado minerador do Brasil. Depois dos ciclos do alumínio, do minério de ferro e do caulim, todos com destaques mundiais, agora é a vez do cobre.
Na semana passada, a Companhia Vale do Rio Doce fez uma festa em Belém para o lançamento do primeiro dos cinco projetos que estão previstos para a extração de cobre das jazidas de Carajás, localizadas a quase 900 quilômetros do litoral do Maranhão, por onde o minério será embarcado para o mercado exterior.
Só o projeto da Mineração Serra do Sossego já envolve números significativos. Ele fará a produção nacional de cobre contido aumentar cinco vezes. Para isso, a empresa vai investir pouco mais de um bilhão de reais (o equivalente a 400 milhões de dólares) para produzir concentrado mineral com 141 mil toneladas de cobre contido, além de 3,5 toneladas de ouro por ano.
A jazida do Sossego é 60% menor em volume físico do que o depósito vizinho do Salobo, o mais antigo e pesquisado, mas o teor de cobre é melhor, possibilitando economia de investimento, o que a fez sair na frente. A Companhia Vale do Rio Doce acredita na viabilidade do negócio, apesar da conjuntura internacional ser a pior em muitos anos para o cobre.
A queda de 30% nos preços e a formação de um estoque recorde de 500 mil toneladas fizeram a parceira da ex-estatal, a americana Phelps Dodge, recuar. A multinacional vendeu a metade que lhe cabia na sociedade à própria Vale, agora única controladora da empresa.
No discurso que fez na solenidade de lançamento do projeto, com previsão de entrar em operação em 2004, o presidente da CVRD, Roger Agnelli, garantiu que os outros quatro projetos previstos para o aproveitamento dos demais depósitos do distrito mineral de Carajás serão também executados.
Se isso ocorrer, na segunda metade da década, Carajás estará produzindo anualmente 490 mil toneladas de cobre contido no concentrado, mais 200 mil toneladas de catodo de cobre, e 20,3 toneladas de ouro, depois de um investimento equivalente a 2,5 bilhões de dólares.
Por enquanto, os únicos sócios a dividir esse custo com a CVRD são a multinacional Anglo American, a maior produtora de ouro do mundo, e o BNDES, em três dos projetos ainda não deslanchados. Mas certamente a empresa espera atrair outros associados para a área. A esperança da Vale parece ser a de demonstrar para eventuais interessados que é mais vantajoso se estabelecer em Carajás do que manter-se em suas bases atuais.
O cobre de Carajás passará, então, a ter dimensão nacional e internacional. O Brasil não produz atualmente mais do que 40 mil toneladas por ano de concentrado. Como deve consumir algo próximo de 300 mil toneladas, precisa importar o produto, que vem do Chile e do Peru. O país gasta, anualmente, 400 milhões de dólares com essa importação. Ela consome o equivalente a 10% do saldo da balança comercial brasileira. É o segundo dos produtos de origem mineral da pauta de importações brasileiras, excluído o petróleo.
Mas ao contrário do que pode sugerir o raciocínio lógico, Carajás, que tem a terceira maior reserva de cobre do continente, não eliminará essa dependência. Todo o concentrado ali produzido será exportado. Irá gerar divisas, mas não acabará com o gasto nas importações de concentrado, que continuarão a ser feitas. Assim, o Brasil se tornará significativo exportador de cobre sem deixar de continuar a ser o maior importador da América do Sul.
Esse aparente absurdo se explica pelo fato de existir uma única indústria de cobre no país, a Caraíba Metais, na Bahia, que utiliza o concentrado produzido igualmente em território baiano por uma mineradora que dela se desmembrou, mas que só garante menos de um quarto das suas necessidades.
Seus interesses não se afinam com os da CVRD, havendo um intrincado jogo de pressões entre ambas e entre empresas interessadas no mercado brasileiro. Uma das mais ativas é a Anglo American, que se deslocou da África do Sul para a Inglaterra e quer ter uma base forte no Brasil.
Ao complicador nacional agrega-se um elemento perturbador local. Desde que, em 1979, o primeiro navio embarcou bauxita para o mercado internacional, fala-se no Pará em “verticalização da produção”, hoje uma expressão de largo uso entre empresários, técnicos e políticos, embora seja pouco mais do que retórica.
Com um rico subsolo, o Pará é o Estado mais “vocacionado” para a mineração no Brasil. Mas é também um Estado cada vez mais consciente de que só mineração não desenvolve lugar algum. É preciso avançar no processo de transformação industrial do bem mineral, verticalizando sua produção e agregando-lhe valor. É o único antídoto para as relações de troca desiguais, que têm feito o Pará crescer que nem rabo de cavalo. Ou seja: para baixo.
O Estado já é o sétimo exportador da federação e o segundo em saldo de divisas graças aos bens de origem mineral, responsáveis por 75% de suas vendas ao exterior. Mas é o 17º em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o segundo mais pobre da Amazônia, no rabo da fila nacional.
Essa situação só se tem agravado, embora o Pará, com o incremento da extração das riquezas que estavam escondidas em suas entranhas geológicas até o início do devassamento de suas riquezas através de levantamentos detalhados, na década de 70, ostente posições de prestígio.
Ele é o terceiro maior exportador de bauxita do mundo. Começou com 3 milhões de toneladas há 20 anos. Em 2003 ultrapassará a marca de 16 milhões de toneladas. Nesse período se formou no Estado o polo de bauxita, alumina e alumínio mais importante do continente, no qual a CVRD está investindo US$ 570 milhões para ampliá-lo, mas a “verticalização” estancou no metal primário.
É justamente a partir desse ponto que a relação custo/benefício se torna mais atraente. Há quase 20 anos fala-se em ir adiante na transformação industrial, mas o que foi conseguido, uma pequena usina de fundição, tem pouca expressão.
A utilização da mais rica jazida de minério de ferro do planeta, localizada em Carajás, vem sendo feita na mesma escala da bauxita: de 15 milhões de toneladas pulou para 35 milhões e ultrapassou há três anos 50 milhões de toneladas anuais, prometendo chegar a 120 milhões até o fim da década. O máximo de verticalização alcançado foi a produção de ferro gusa à base de carvão vegetal.
Novamente, como no caso do lingote de alumínio, é exatamente aí que começam os ganhos, que só se tornarão possíveis para o comprador desse bem intermediário. Comprador que está além-mar, usufruindo os ganhos comparativos.
O enredo, que está demarcando também a consolidação do polo de caulim sem papel, irá se repetir no nascente ciclo de cobre? Dos cinco projetos colocados na prancheta pela CVRD, quatro ficarão na concentração do minério, que será exportado e, lá fora, transformado em bens de maior valor.
O único empreendimento que prevê chegar à metalurgia é, talvez não por mera coincidência, o mais complicado de todos, o da Salobo Metais (associação da CVRD com a Anglo American). Começou mais cedo e, se seu cronograma se sustentar, será o último a dar partida, em 2006, juntamente com o aproveitamento da mina do Alemão.
Prevê a produção de 200 mil toneladas de metal (além de 8 toneladas de ouro). Ao que se sabe, a metalúrgica está sendo considerada porque as características químicas e físicas do minério impossibilitam sua comercialização na forma de concentrado.
A implantação do projeto da Mineração Serra do Sossego e dos outros quatro empreendimentos do polo de cobre de Carajás terá um grande impacto na área, no Estado, no país e até no mercado internacional. Não foi por acaso que o governador Almir Gabriel, do PSDB, convocou para a solenidade de lançamento todo o seu staff.
A mineração do cobre veio juntamente com a criação de um fundo, que, ao final do tempo de vida útil da mina, de 15 anos, chegará a 360 milhões de reais, controlado pela máquina estadual. Sobretudo em período pré-eleitoral, os discursos do governador e do presidente da CVRD, afinados, soaram como música para o esquema de lançamento do candidato situacionista, ainda um traço nas sondagens de opinião pública.
Nessas circunstâncias, cai como maná o anúncio de milhões de dólares em investimento, milhares de novos empregos, obras de infraestrutura, programas de compras na praça local e outros elementos de ativação econômica.
Todos esses elementos imediatos prevalecem sobre a retórica da “verticalização”, de resultados mais demorados e de adoção mais difícil. Exatamente como ocorreu nas festas do passado, quando foram celebrados os inícios dos ciclos do alumínio, do minério de ferro e do caulim. E que, como ocorreu em todas as partes do mundo, no passado e até hoje, não conseguiram dar um passo além dos restritos limites da mineração.
O Pará, ao que parece, seguirá essa tradição. Nada auspiciosa, apesar das aparências. Alguns anos atrás, lutava-se pela industrialização do minério. Agora, aceita-se como fato consumado que ele será apenas enriquecido, do teor natural, um pouco mais ou menos de 1%, para 30% de cobre contido. O beneficiamento será feito em outro lugar, provavelmente bem longe. Como sempre.

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