domingo, 30 de maio de 2010

Cartilha sobre hidrelétrica provoca polêmica

Uma cartilha bancada por ONGs incentiva índios e ribeirinhos a resistir violentamente caso o governo federal implante um complexo de cinco hidrelétricas na bacia do rio Tapajós, entre Amazonas e Pará.

A publicação contém o desenho -segundo o crédito, feito por um adolescente- de um índio carregando a cabeça cortada de um homem branco e diálogos de histórias em quadrinhos que incentivam a luta contra a "Eletromorte" -uma referência à Eletronorte, subsidiária da Eletrobras na região.

Feita em janeiro deste ano, mas só lançada no último dia 1º, a cartilha pretende elucidar as "verdades e mentiras sobre o projeto" e vem sendo distribuída para movimentos sociais e comunidades que devem atingidas pelas hidrelétricas.

O link da matéria completa você lê aqui

Abaixo, a nota da Frente em Defesa da Amazônia contestando os termos da reportagem da Folha.

Nota Pública FDA

No último dia 15 de maio deste ano, foi publicado no jornal Folha de São Paulo, reportagem, assinada por João Carlos Magalhães, intitulada “Cartilha pede reação violenta à índios e ribeirinhos da região”, cujo teor, em síntese, afirma que a Cartilha em Defesa da Bacia do Rio Tapajós seus povos e culturas, elaborada por iniciativa conjunta da Frente em Defesa da Amazônia, do Movimento Tapajós Vivo e da Aliança Missionária Franciscana do Tapajós, estaria incentivando indígenas e ribeirinhos a uma resistência violenta caso o governo federal insistisse na implantação de um complexo de cinco usinas hidrelétricas na bacia do rio Tapajós.

Diante de tal fato, a Frente em Defesa da Amazônia decidiu, em reunião de seus militantes, emitir a presente nota com as seguintes considerações:

1- Ao contrário do que diz a reportagem, somos um MOVIMENTO POPULAR formado por pessoas e organizações que se comprometem com defesa e melhoria de vida dos povos da Amazônia. Nossa atuação se pauta pela defesa contra os crimes e criminosos da Amazônia e é fruto do espírito de solidariedade de seus militantes, que não recebem qualquer tipo de remuneração por isto. Nossa organização, existente há sete anos, optou por não vincular sua existência a projetos que buscam financiamentos, prescindindo, portanto, de uma constituição de pessoa jurídica com sede, estatuto e representação hierárquica (presidente, coordenador, etc.).

2- A história da Amazônia nos ensinou que as políticas públicas reservam à Amazônia o papel de colônia fornecedora de matérias-primas aos países desenvolvidos, que concentram os benefícios dos grandes empreendimentos aqui implantados, enquanto distribuem os prejuízos (sociais e ambientais) ao nosso povo. O complexo de hidrelétricas da bacia do Tapajós é mais um desses grandes empreendimentos bancados por um Estado que decidiu implementá-lo em nome de um suposto interesse nacional que “coincide” com a chegada de grandes mineradoras internacionais na região.

3- A Cartilha em Defesa da Bacia do Rio Tapajós é um instrumento de luta com objetivo de dar informação sobre o real significado das hidrelétricas na bacia do Tapajós e INCENTIVAR à organização da resistência DOS POVOS AFETADOS contra um ESTE projeto imposto pelo governo federal de forma autoritária. Nossa reação também fundamenta-se na falta de qualquer consulta, por parte dos trabalhos do Ministério de Minas e Energia, aos povos tradicionais a serem atingidos. Consulta que, conforme preceitua a nossa Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT é obrigatória. Neste sentido, o conteúdo da Cartilha expressa o sentimento de povos que, historicamente, foram esquecidos pelo Estado brasileiro e que quando são lembrados, pela primeira vez, é para serem expropriados de seus territórios.

4- Entendemos que a reportagem publicada na Folha de São Paulo é parte de uma iniciativa nacional de criminalização dos movimentos sociais, coordenada por setores do agronegócio, em especial a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e a bancada ruralista no Congresso Nacional. Este processo vem se desenvolvendo, principalmente, nas instituições do Poder Judiciário e nos veículos de comunicação de massa (diga-se grande mídia) que deixam de prestar um serviço público para servir a interesses privados, criminalizando manifestações populares que objetivam o fim das injustiças sociais. A criminalização dos movimentos sociais parte do pressuposto absurdo de que a realização de um Estado Democrático de Direito se dá pela obediência cega e submissa de seu povo às decisões arbitrárias e autoritárias de um governo federal em benefício de poucos.

5- Por fim, consideramos profundamente lamentável que organizações, que se dizem atuar em defesa dos povos amazônidas, estejam reproduzindo a reportagem aqui tratada, sem qualquer esclarecimento sobre o seu real significado, contribuindo, portanto, com os anseios do grande capital nacional de criminalizar os movimentos sociais.

Diante destas considerações, a Frente em Defesa da Amazônia vem tornar público o seu REPÚDIO a reportagem do Sr. João Carlos Magalhães, publicada pela Folha de São Paulo, e reafirma seu compromisso com a luta em defesa dos povos a serem atingidos pelo complexo hidrelétrico da bacia do rio Tapajós. Não estamos exigindo mais do que nossos direitos garantidos constitucionalmente e toda ação em defesa de direitos consiste em uma ação em legítima defesa.

Atenciosamente,

FRENTE EM DEFESA DA AMAZÔNIA

Fim da Última Hora: lembranças apressadas

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal

Há uma frase que soa como sentença nas redações: jornal não morre de véspera; mas, quando começa a morrer, não tem escapatória. A Última Hora do Rio de Janeiro morreu quando seu criador, Samuel Wainer, a vendeu para um grupo de empreiteiros, em 1971. Mas a certidão de passamento só saiu 20 anos depois. É um caso incrível: por duas décadas o jornal vegetou, servindo de pasto para vicejarem interesses paralelos ou antagônicos ao jornalismo. Foi uma fase exatamente igual à anterior, que também durou 20 anos, iniciada em 1951, quando Wainer fundou o jornal. Só que nessa primeira metade, a UH se tornou legenda, marco na história da imprensa no Brasil. Da segunda, ninguém mais lembra.

Mesmo assim, não acabou a curiosidade sobre o fenômeno. Quem ainda busca uma reconstituição mais convincente e substanciosa sobre as origens e o fim do jornal, foi atraído pelo título provocativo que Benício Medeiros deu ao seu livro: A rotativa parou! Os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer (215 páginas, Civilização Brasileira, 2009). Medeiros foi repórter nos estertores do jornal sob Wainer, continuou na profissão depois e nela se destacaria ainda mais. Parecia credenciado, se não a apresentar nova visão sobre os anos de glória do jornal, ao menos saciar a curiosidade dos seus leitores sobre como se desnatura agoniza e um grande jornal, visto a partir de dentro da redação, com intimidade. Os testemunhos disponíveis a respeito são francamente insatisfatórios no Brasil.

A situação continuará imutável. Talvez sem a intenção, Janio de Freitas já dá pistas nessa direção quando observa na orelha do livro (e bem que podia ser um alerta): “Este não é um livro de memórias, é um livro de lembranças”. É muito pouco para uma história tão patética. Benício, ao contrário do que diz seu apresentador, não tinha consciência na época da importância do que vivia e testemunhava. O que lhe sobrou não chega à memória: fica no plano da lembrança. Ela está bem narrada, tem trechos interessantes, mas frustra o título.

O autor pode se defender alegando que nunca pretendeu mais do que uma crônica de época. Desobrigou-se de consultar documentos, fazer entrevistas, forçar a memória. Mas é uma pena que sua pretensão não haja sido maior. Quando os irmãos Alencar compraram a UH, depois de terem arrendado um jornal ainda maior, o Correio da Manhã, em decadência forçada pelo regime militar, com o qual entrou em colisão, tinham como objetivo dar apoio à candidatura do então ministro dos Transportes, Mário Andreazza, à presidência da República.

Andreazza era dos poucos militares que saíram das casernas para a atividade política, em função do novo regime, sem estranhar a mudança. Era um autêntico anfíbio, como o paraense Jarbas Passarinho, o que mais ministérios colecionou, enquanto se mantinha no Senado. Mas a patente inferior de coronel foi fatal aos propósitos de Andreazza e ele teve que se contentar como ministro. O esquema jornalístico perdeu sua razão de ser. A UH foi passada em frente. O Correio da Manhã teve morte inglória.

No entanto, ao contrário da noção em geral aceita, quem se imortalizou foi o jornal de Edmundo, Paulo e Niomar Bittencourt. O Correio deve sua existência e seu alto conceito ao fato de ser um empreendimento autônomo, com marca pessoal e alguns princípios editoriais indeléveis. Já o nascimento da Última Hora resultou de outro projeto político, o de Getúlio Vargas, agora aplicado à fase democrática da sua passagem pelo poder. Sem o dinheiro do Banco do Brasil e a sombra do governo, espalhando-se sobre anunciantes e “apoiadores”, como hoje se diz, o jornal de Samuel Wainer não se consolidaria.

Ele sobreviveu ao fim de Getúlio, três anos depois de chegar ao mercado, mas o getulismo ainda era uma fonte de poder. Ressoava o bastante para favorecer a criatura impressa. Mas não por muito tempo e não ao custo Wainer. Todas as virtudes, conquistas e inovações do jornal resultavam da condição especial do seu dono, que era um verdadeiro jornalista, ao contrário da esmagadora maioria dos capitães da imprensa (que mal conseguem escrever um bilhete, como podemos constatar em nossa ilharga). Infelizmente, todas as deficiências, vícios e lacunas também.

Deve-se creditar a Wainer, porém, o mérito de, uma vez despejado do poder, que tanto perseguiu, ter-se comportado com dignidade até o fim dos seus dias, em 1980, aos 70 anos. O ostracismo não o deixou amargurado nem derrotado. Merecia uma lembrança mais exigente do que a que Benício Medeiros lhe dedicou.

Dialética das dores&delícias do jornalismo

No Página Crítica:

"(...)


No melhor dos cenários, jornalistas instalam-se à margem da história da mesma maneira que vulcanogistas escalam uma cratera fumegante, tentando olhar para seu interior em meio a fumaça e cinzas, esticando os pescoços sobre a beirada que ameaça cair. Os governos procuram assegurar que tudo permaneça como está. Suspeito de que seja isto de que trata o jornalismo - ou pelo menos aquilo que deveria ser: assistir à história e testemunhá-la e, então, apesar dos perigos e restrições e de nossas imperfeições humanas, registrar tudo da maneira mais honesta possível."


Robert Fisk (1946), jornalista e escritor inglês, considerado o mais importante e completo correspondente de guerra em atividade. Pobre Nação. As Guerras do Líbano no século XX ( Rio de Janeio: Record, 2007, p.10)