Woi Zoé em preparo pré-anestésico
Enes, Marcelo, Fábio, Erik e Paulo
Siô, Kenan, Tatitô e Woi Zoé no dia seguinte as cirurgias.
Nos dias 14 e 15 de janeiro 2010 foram realizadas na TERRA INDÍGENA ZO’É, situada no noroeste do Estado do Pará em área florestal remota, cirurgias por VIDEOLAPAROSCOPIA, de alta complexidade e tecnologia de ponta, entre indígenas da etnia ZO’É, de recente contato e atendidos pela CGIIRC-Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, da FUNAI.
A cirurgia, denominada colecistectomia, consiste na solução cirúrgica do que popularmente é conhecido como “pedras na vesícula”; em Medicina colecistopatia litiásica. Há uma referência mundial de maior incidência desta patologia no quadro conhecido como “os 4 F”: Female (mulheres), Fatty (“gordinhas”), Forty ( na faixa dos 40 anos) e Fertility (férteis, multíparas). Entre os Zo’é, povo indígena contatado na década de 80, suspeita-se que sua dieta alimentar tradicional, rica em gordura animal (oriunda da caça) e com ingestão maciça de castanha-da-amazônia (Bertolletia excelsa) favoreça a propensão feminina à colelitíase, inclusive em mulheres multíparas mais jovens. A doença, quando agravada, pode levar a óbito pela infecção na vesícula biliar ou obstrução da via biliar principal.
O evento cirúrgico, inédito em área indígena e em localização remota na Amazônia, foi resultado do empenho coletivo e voluntário de um grupo de médicos especializados, apoiados pela Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema-CGII-FUNAI, Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, Hospital Municipal Santa Izabel, de João Pessoa (PB), Hospital Universitário da UFPB e FUNASA/DSEI-Santarém.
A necessidade cirúrgica foi inicialmente diagnosticada pelo Dr..Erik Jennings Simões (coordenador em Saúde da Frente Cuminapanema pelo DSEI-STM) com a colaboração voluntária dos Drs.Alan Soares e Bruno Moura, médicos radiologistas do Hospital Regional do Oeste do Pará (Santarém), que realizaram ultrassonografias com equipamento portátil na própria área indígena, constatando a colelitíase com indicação cirúrgica em 04 mulheres Zo’é. Posteriormente, a articulação do Dr.Fábio Tozzi, cirurgião do PSA-Projeto Saúde e Alegria, de Santarém, e médico colaborador junto aos Zo’é, atraiu a participação voluntária do cirurgião Marcelo Averbach e do médico anestesista Enis Donizetti Silva, ambos do Hospital Sírio-Libanês (SP), instituição que apoiou decisivamente a iniciativa cedendo o videolaparoscópio e todo o aparato tecnológico para adaptar o Centro de Saúde da Terra Indígena Zo’é para a realização desta cirurgia de alta complexidade, e do cirurgião Paulo Haiek, do Hospital Universitário da UFPB e Hospital Santa Izabel. Os hospitais da Paraíba cederam parte dos materiais necessários aos procedimentos, e para disponibilizarem tais materiais ao evento suspenderam durante a semana as cirurgias similares não-urgentes em sua programação interna. Em área, os cirurgiões receberam integral apoio técnico e linguístico da enfermeira Suely de Brito Pinto, da Frente Cuminapanema.
A colecistectomia por videolaparascopia é uma técnica que revolucionou as cirurgias intra-abdominais a partir dos anos 90. Exige tecnologia em equipamentos e técnica cirúrgica altamente especializada, pois os procedimentos são realizados sem contato manual direto. Pequenos tubos são inseridos na cavidade abdominal e através deles são introduzidos uma microcâmara com fonte de luz e pinças específicas para este método. As pinças são operadas a partir da visualização através de um monitor de vídeo. O procedimento é minimamente invasivo, pois a introdução das pinças é feita a partir de 4 incisões mínimas (de 5 a 10mm). Permite um pós-operatório com pronto restabelecimento e menor incidência de dor, possibilitando liberação dos pacientes em menos de 24 horas. Técnicas e substâncias anestésicas igualmente avançadas permitiram às pacientes Zo’é saírem do evento cirúrgico em excelente estado geral e sem queixas de tonturas ou dores e, sem riscos pós-cirúrgicos, em pouco tempo retornarem às aldeias e retomarem suas atividades usuais.
Os Zo’é ficaram conhecidos na mídia no final dos anos 80 como um dos últimos povos Tupí contatados na Amazônia. Tiveram graves perdas demográficas no período inicial pós-contato, e seu atendimento foi assumido exclusivamente pelo então Departamento de Índios Isolados, da FUNAI (atualmente, CGIIRC) apenas em 1991. Desde então, o aporte maciço em saúde, tanto no atendimento quanto na infraestrutura clínica no interior da área indígena, permitiu a segura recuperação demográfica e estabilização do quadro de saúde. Concomitantemente, um incisivo trabalho de reforço à identidade cultural e autonomia econômica em seus próprios padrões de autosustentação no ecossistema de Floresta Tropical Úmida, no qual este povo está harmoniosamente inserto, têm possibilitado aos Zo’é romperem o século XXI como um dos povos de recente contato com melhores índices de saúde integral e excelente patamar de qualidade de vida, sem comprometer seu ethos tribal. Atualmente, a população Zo’é constitui-se de 251 pessoas; são assistidos pela Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema (CGIIRC-FUNAI), coordenada há mais de dez anos pelo indigenista João Lobato.
(Nota: Texto revisado por João Lobato e Rosa Cartagenes e aprovado pela CGIIRC-Funai)