No
 auge do mensalão, o então deputado federal Roberto Jefferson, líder do 
PTB, da base aliada do governo, advertiu José Dirceu, o todo-poderoso 
chefe da Casa Civil de Lula: "Sai daí, Zé. Sai rápido".
A
 frase se tornou célebre na já extensa fraseologia da história política 
recente do Brasil. Na ocasião, Dirceu e todos os petistas a 
subestimaram. Afinal, Jefferson foi um dos mais destacados integrantes 
da chamada tropa de choque de Collor, sempre disposta à briga, mas 
fragorosamente derrotada pelo impeachment do seu líder maior.
Cometeram
 um grave erro, numa sucessão de estarrecer, muitos deles primários. 
Dirceu foi processado e preso, junto com outros petistas notáveis. O 
governo de Lula só não se exauriu no primeiro mandato porque ele tem 
muito mais fôlego e capacidade do que Dilma, além de uma estrela sem 
igual no espaço terrestre do Brasil.
Jefferson
 sabia o que falava. Além de escolado na malandragem política e nos 
acertos de bastidores, era um destacado advogado criminalista cuja 
atuação no júri se notabilizava por seu timbre de cantor de ópera. Se 
não tivesse sido obrigado a atuar à sombra do poder, mas com a mesma 
eficiência de antes, como ainda faz, ele podia dar o grito para o 
ex-presidente, mandando-o sair do lado da presidente.
Ao
 invés disso, Dilma Rousseff, a mais desastrada das presidentes da 
república brasileira, o chamou para voltar ao governo e o empossou no 
cargo. O mesmo cargo que José Dirceu pretendia transformar no de 
primeiro-ministro em um parlamento à sua conveniência, sem avaliar 
corretamente o que ia por dentro de Lula - que, como em relação a todos 
os petistas, aloprados ou não, abandonou pelo meio do caminho quando se 
transformaram em estorvo.
Uma
 semana depois de um ato de pantomima, data que será completada amanhã, a
 posse de Lula não valeu. O exercício do cargo foi suspenso (e 
confirmado) sucessivas vezes em primeira instância. Ao chegar a um 
relator singular no Supremo Tribunal Federal, o sorteio confirmou a 
mudança na sua proverbial sorte: foi parar justamente com seu adversário
 declarado. Gilmar Mendes suspendeu o ato da presidente da república e 
devolveu o processo para o juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.
O
 impasse na justiça vai se arrastar por muito mais tempo do que o 
Palácio do Planalto supunha. Já há mais de 50 ações provocadas pela 
posse de Lula tramitando em várias instâncias do poder judiciário, 21 
delas no STF. Há argumentos pró e contra a medida, o que é bastante para
 alimentar a sangria do governo a um nível próximo da sangria desatada.
A
 Advocacia-Geral da União, agora comandada pelo ex-ministro da justiça, 
José Eduardo Cardozo, que Lula considerava pau-mandado de Dilma para 
golpes contra ele, numa época em que os dois viviam se alfinetando nos 
seus círculos mais íntimos, vai agora tentar o que já não terá efeito 
prático: restabelecer o sigilo sobre as gravações de Lula.
A
 iniciativa se tornou obsoleta pela resposta do juiz Sérgio Moro. Ontem,
 ele encaminhou ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF,
 todos os áudios das gravações em torno de Lula, num momento em que a 
maioria da corte já reage contra Lula pelas declarações que fez.
A
 má sorte, a nova acompanhante do ex-presidente, fez com que fosse 
sorteada a ministra Rosa Weber como relatora do habeas corpus impetrado 
por nada menos do que seis eminentes juristas (caríssimos quando cobram 
pelo serviço), mais três integrantes do escritório que defende Lula 
permanentemente, para impor o sigilo sobre as gravações. Weber foi 
citada por Lula como a pessoa que podia resolver seu problema, se 
contactada em nome da presidente da república.
Diante
 do clamor nacional em torno das conversas do ex-presidente e dos 
ataques que ele reservou ao STF e a todos os seus adversários, pessoais e
 institucionais, o que resta à corte? Antes da resposta, que não será 
dada pelos próximos 10 dias pelo menos, deve ecoar o alerta de Roberto 
Jefferson, se ele pudesse dirigi-lo a Lula: sai daí antes que a coisa 
fique irreversível, tanto com o indiciamento do ex-presidente como com a
 queda da sua sucessora.