O plebiscito sobre a criação dos novos estados de Carajás e de Tapajós — a serem desmembrados do Pará — está marcado para o dia 11 de dezembro. Mas não se sabe ainda, com certeza, qual é a “população interessada” na divisão do segundo maior estado da Região Norte. Ou seja, se todos os eleitores paraenses devem ser convocados às urnas, ou apenas aqueles que têm domicílio eleitoral nos 64 municípios que formariam Carajás (39) e Tapajós (27). O Pará tem, hoje, 144 municípios.

A questão vai ser decidida, de forma indireta, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma ação de inconstitucionalidade (Adin 2650) ajuizada pela Mesa da Assembleia Legislativa de Goiás, em 2002, contra o dispositivo da Lei 9.709/98 que prevê a participação do eleitorado de todo o estado em plebiscito sobre o desmembramento de parte ou partes do território estadual.


Plenário do STF decide,na próxima quinta-feira qual é o significado de “população diretamente interessada”

A ação foi incluída, finalmente, na pauta da sessão plenária do STF da próxima quarta-feira, como o 20º item. Seu relator é o ministro Dias Toffoli — que “herdou” os autos, em outubro de 2009, com a aposentadoria de Sepúlveda Pertence — e pediu preferência para o julgamento ao presidente Cezar Peluso.

A Constituição e a lei
 
A Constituição (artigo 18, artigo 3º) dispõe: “Os estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos estados (…), mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito”.

A Lei 9.709, aprovada 10 anos depois, regulamentou a matéria, entendendo por “população diretamente interessada, tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento”.
 
A autora da ação de inconstitucionalidade alega que a norma legal contraria jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral, “que já definiram que só a população da área desmembrada é a diretamente interessada no objeto da consulta popular.

O relator do processo do plebiscito no Pará no TSE, ministro Arnaldo Versiani, explicou aos interessados — em audiência pública realizada naquele tribunal, no último dia 5 — que está trabalhando com base na previsão da lei: plebiscito em todo o estado, e não apenas nos territórios que seriam desmembrados. Mas comentou que seria “interessante” se a decisão da controvérsia pelo STF viesse “o quanto antes”, pois “haverá gastos que poderiam ser sensivelmente reduzidos se só puderem ser consultadas as populações das áreas a serem desmembradas”.

Prós e contras
 
Os defensores da criação dos dois novos estados da região Norte temem a 
extensão do plebiscito aos 144 municípios do Pará com base no raciocínio de que, como os 4,6 milhões de habitantes do norte do Pará não vivem a realidade dos que vivem em Carajás, muitos podem votar contra a emancipação da região, ou simplesmente deixar de ir às urnas em 11 de dezembro. Para ter validade, o plebiscito deve ter maioria absoluta dos votos — 50% mais um. A região sudeste do atual Pará tem, apenas, 1,6 milhão de habitantes (21% dos paraenses).

Dentre os maiores articuladores do projeto de emancipação de Carajás na Câmara dos Deputados estão os deputados paraenses Giovanni Queiroz (PDT), no quinto mandato, agropecuarista e médico nascido em Minas Gerais; Zequinha Marinho (PSC), terceiro mandato, técnico em contabilidade, nascido em Tocantins; e Asdrúbal Bentes (PMDB), nascido no Amazonas, reeleito deputado federal, mas que se licenciou para ocupar o cargo de secretário de Pesquisa e Agricultura do governo do Pará.


Deputados do PA: Giovanni Queiroz (PDT), Zequinha Marinho (PSC) e Asdrúbal Bentes (PMDB)

O economista Célio Costa — autor dos estudos que sustentaram, há 23 anos, a criação do Estado de Tocantins — é também o responsável pela análise da viabilidade sócio-econômica do estado de Carajás. Segundo ele, o novo estado receberia, até 2014, um aporte de recursos em investimentos de R$ 32,8 bilhões, que poderia alavancar a indústria siderúrgica e o extrativismo mineral. Somente um dos grandes projetos nessa área, a Aços Laminados do Pará (Alpa), da Vale, tem investimentos previstos de R$ 5,8 bilhões, e vai gerar 5.300 empregos direitos e outros 16 mil empregos indiretos. Os investimentos previstos até 2014 garantiriam a abertura de novos 63.364 postos de trabalho em todo o Carajás.

Ainda de acordo com Célio Costa, as estatísticas do IBGE de 2008 mostram que Carajás, com um Produto Interno Bruto (PIB) acumulado de R$ 19,6 bilhões, é superior em riquezas a, pelo menos, oito estados brasileiros com economias já consolidadas: Sergipe (R$ 19,5 bilhões) Alagoas (R$ 19,4 bilhões), Rondônia (R$17, 8 bilhões), Piauí (R$ 16.7 bilhões), Tocantins (R$ 13 bilhões), Amapá (R$ 6,7 bilhões), Acre (R$ 6,7 bilhões) e Roraima (R$ 4,8 bilhões). A renda per capita é de R$ 13.605, o que colocaria Carajás na 13ª posição no ranking das unidades federativas.

Já o professor de políticas sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA) Carlos Maciel pensa de outra maneira: “O estado todo tem que ser ouvido. A separação vai implicar na gestão do novo Pará, não vai envolver só o lugar (Carajás). Quem está defendendo o plebiscito na área a ser emancipada está considerando apenas o elemento pessoal”. Maciel é contrário à divisão do Pará nas atuais circunstâncias: “Penso que, no futuro, deve haver a divisão. Mas a solução atual não é só partilhar o estado para atender interesses políticos”.

O professor acha possível descentralizar as ações do governo sem mexer no território, e dá como exemplo as ações de interiorização da Universidade Federal do Pará: “A universidade está construindo campi no interior do estado que, aos poucos, ganharão independência e ajudarão a desenvolver outros pólos. Aí, talvez, se torne necessária a divisão”. Para Maciel, uma decisão precipitada pode “multiplicar por três” as desigualdades existentes no Pará.

Se o desmembramento do Pará for mesmo aprovado, o novo Pará ficaria com uma superfície semelhante à do estado de São Paulo, com 80 municípios. Herdaria a parte mais organizada e consolidada da economia — representada, em 2008, por 55% do PIB — e concentraria 80% das indústrias do estado. Continuaria a ser o maior produtor de pescado do Brasil e a contar com grandes reservas minerais de bauxita, e de petróleo e gás no litoral.

Carajás, com população comparável à de Tocantins, teria um PIB de R$ 13,8 bilhões. O estudo do economista Célio Costa prevê a elevação dos gastos públicos estaduais no novo estado em cerca de 50%, comprometendo 23% do produto interno estadual.

Tapajós, por sua vez, teria população comparável à do estado de Rondônia, com cerca de R$ 70 milhões nos cofres públicos para investir em 25 municípios. Dados do IBGE revelam que a região teria um Produto Interno Bruto de R$ 5,17 bilhões, maior do que o PIB dos estados de Amapá, Acre e Roraima.

Primeira vez
 
Independentemente da decisão do STF sobre a extensão do plebiscito, esta será a primeira vez em que brasileiros decidirão, nas urnas, se querem ou não dividir um estado. A separação de Mato Grosso do Sul de Mato Grosso obedeceu a um decreto do governo federal, em 1977. Tocantins deixou de ser território goiano por determinação do artigo 13 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988.

Maranhão do Sul
 
Além do projeto já aprovado para a criação de Carajás e Tapajós, tramitam no Congresso mais de 10 propostas de emancipação, das quais as mais avançadas são que criam os seguintes estados: Triângulo, que teria 66 municípios do oeste de Minas Gerais, tendo como base o atual Triângulo Mineiro (Uberlândia, Uberaba e Araguari); Maranhão do Sul, tendo como principais cidades Imperatriz, Açailândia, Balsas e Barra do Corda; Gurgueia, na região sul do Piauí. Há ainda um projeto de redivisão do Estado do Rio de Janeiro, com a recriação do estado da Guanabara, que foi criado em 1960 e extinto em 1975.
Fonte: Jornal do Brasil