quarta-feira, 3 de junho de 2020

A avó do meu filho é minha avó, também!






Nesse período de pandemia vem-me à mente inesquecíveis e prazerosos períodos de minha vida e, grande parte dela, ligada a pessoas da melhor idade, algumas, até, centenárias.

Há quinze dias, fiz pela primeira vez nas redes sociais um apelo para que amigos e conhecidos se engajassem em uma campanha de doação de sangue para a minha avó postiça Raimunda Barbosa, que sofre de uma doença autoimune e que, àquela altura, necessitava de plasma, em falta no Hemopa Belém.

Ontem, dona Raimunda voltou para casa, depois de ser tão bem atendida no hospital Jean Bittar, do SUS. Ela virou personagem de uma corrente de solidariedade inesquecível. No Hemopa, assim que os pedidos foram se multiplicando geometricamente, o fluxo de doadores foi tão grande que a direção do hemocentro precisou tomar medidas extras de distanciamento. Parecia que ali estavam para atender ao chamado em favor de uma autoridade ou personalidade. 

Mas não. Tanta gente à porta do Hemopa era para responder ao chamado para ajudar dona Raimunda, essa serelepe mulher de 92 anos, que aparece sorridente nessa foto comigo, há três anos, em companhia de minha nora Jessika, neta dela e esposa do meu filho Luã. Então, como diz o título desta crônica, dona Raimunda também é minha avó!

Luã e Larissa, meus filhos, ainda tiveram mais sorte que eu. Conviveram com os avós por mais tempo, embora Luã  tenha nascido quando sua avõ materna já fosse falecida.

Mas como na vida, às vezes,  se dá e se tira, ao mesmo tempo, eu tive muita sorte de ter avós postiças. Aprendi desde cedo a ter um núcleo familiar muito restrito. Só pai, mãe e irmãos. Não conheci meus avós. Tios, por exemplo, só os conheci quando fui para faculdade. O jeito foi me virar praticamente sozinho.

Minha primeira avó emprestada foi dona Silvia Cardoso. Cametaense, com minha mãe Sarita, ela nos deixou aos 103 anos. Sempre me acolheu com atenção e carinho. 

Já fazia parte da minha rotina, quando morava em Belém, e até mesmo quando voltava à capital depois de mudar-me para Santarém, frequentar a casa de dona Silvia, na Cidade Velha. Aniversários incontáveis, almoços e jantares a qualquer dia da semana. Há, em arquivo, centenas de fotos e mais outros registros memoráveis celebrando a nossa amizade.

Dona Sílvia faria aniversário no próximo sábado, dia 6 de junho. Lembro-me que havia antes de cada festejo uma celebração religiosa, na sala. Eu, sorrateiramente, entrava pela lateral da casa e esperava a “reza” terminar, na cozinha, beliscando as comidas. Na hora da foto, lá estava eu colado nela. Quando ela me via, reclamava, indagando por que eu não tinha ido rezar, mas eu sempre tinha uma resposta engraçada, que a desconcertava: Sei que a senhora sempre reza por mim! Ouvia-se, sempre, uma sonora gargalhada, aliás, um de seus hábitos preferidos.

Quando comemoramos seu centenário, os filhos e netos mandaram fazer um vídeo. Para ilustrar, usaram diversas fotos de arquivo, muitas quais eu a tinha presenteado. Alguns convidados que me conheciam, e me viram sempre ao lado dela, nessas festas, após a exibição vieram me cumprimentar, como seu eu fosse membro da família, tão presente eu fui mostrado no vídeo. Um colega jornalista, que fez uma matéria dos 100 anos da dona Silvia, veio até minha mesa se dizer surpreso por me conhecer há tanto tempo e  não saber até aquela ocasião que eu era filho dela. Respondi: sou neto!

Depois que Dona Silvia fez sua passagem, há 5 anos, Deus me presenteou com minha segunda avó emprestada. Essa ai, dona Raimunda, é avó por empatia, mesmo que fisicamente tenhamos nos encontrado pouco. Mas nessa pandemia, todos os dias, pela manhã, em conversa de vídeo com meu filho Luã, a primeira indagação é esta: como está a vovó?

Antes da crise que a levou ao hospital, certa vez, na hora da transmissão, notei um vulto ao fundo do vídeo,  como se alguém estivesse preso a uma grade. Perguntei ao Luã o que era aquilo que aparecia atrás dele. E ele, sorrindo, me respondeu: _ Pai, é a vovó limpando a grade da área dos fundos da casa!

Só me restou comentar que aquilo era uma atividade estafante e perigosa para uma senhora de idade avançada. A resposta veio a galope: _ Pai, o senhor não sabe a metade das estripulias que a vovó faz, melhor nem ficar sabendo!

A bêncão, dona Silvia, a bênção, dona Raimunda!