sexta-feira, 1 de março de 2013

Uma importante reflexão sobre o futuro dos jornais

CARLOS HEYTOR CONY

Cada macaco no seu galho

DE SÃO PAULO 

Discute-se o futuro da mídia impressa, ou melhor, a falta de futuro dos jornais e revistas que ainda gravitam na "era gutemberguiana", considerada hoje como a pré-história da comunicação.
Pessoalmente, acho que sempre haverá espaço para o jornal, a revista e o livro, desde que a dita comunicação seja setorizada em forma e conteúdo. Há excesso quase imbecil de comunicação: a oferta é maior do que a procura, o supérfluo esmaga o necessário. E a mídia eletrônica, apesar do pouco tempo no mercado, já apresenta esse excesso, que só serve para poluir a programação das emissoras.
Gosto de citar o exemplo de Jacinto de Thormes em "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiroz. Mostrando as maravilhas tecnológicas do seu palacete de Paris ao amigo que chegara das serras portuguesas, Jacinto exalta seu gabinete de trabalho, a luz elétrica e outros penduricalhos de última geração que faziam do 202 da Champs-Élysées um museu do futuro.
Nisso, o telégrafo derrama comprida tira de papel com caracteres impressos, "que eu, homem das serras, apanhei, maravilhado. A linha, traçada em azul, anunciava ao meu amigo Jacinto que a fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria! Desejei saber, inquieto, se o prejudicava diretamente aquela avaria da Azoff. 'Da Azoff?... A avaria? A mim?... Não! É [apenas] uma notícia!'".
Do telégrafo, que foi novidade "high tech" no século 19, para as infovias e outras vias por onde trafegam fragatas com ou sem avarias, a diferença é de grau, não de gênero. Daí que os novos veículos de comunicação, nascidos no inesgotável útero da informática, terão sempre gordura para absorver esse excesso de informação, no pressuposto de que, se Jacinto de Thormes nada tinha com a fragata russa que chegava a Marselha, haveria sempre alguém que ficaria preocupado com a revelada avaria.
Se a mídia impressa tentar competir com a velocidade e a amplidão do universo da era digital, estará ampliando a imagem de veículo ultrapassado. O exemplo que podemos sacar de um meio que deu a volta por cima de um desafio, mais ou menos igual, é o do rádio.
Com o advento da TV, os estrategistas do rádio perceberam que não poderiam competir com a imagem e procuraram encontrar aquilo que se costuma nomear de "nicho". Música e informação, debates, redes comunitárias ou religiosas --abriu-se um leque diversificado de opções em que o rádio não apenas podia competir com a TV como, em alguns casos, superá-la. É o caso óbvio da notícia em si, da primeira mão, do furo imediato.
Quando, como e, sobretudo, se a mídia impressa vai encontrar esse nicho, é uma questão aberta. Mas encontrará, não pela genialidade de seus profissionais, mas pela própria mecânica do veículo.
Noticiar, em manchete da primeira página, que o Palmeiras ganhou por 3 a 2 o jogo da véspera será sempre uma prova pleonástica desse excesso de informação. O leitor de jornal, revista e livro será diferenciado mercadologicamente do consumidor da mídia eletrônica. Exigirá mais, refletirá melhor, tentará absorver e metabolizar a informação.
Não tenho acesso confiável às pesquisas de jornais e revistas, mas entra pelos olhos que, a cada evento importante, apesar da cobertura massiva e até excessiva do rádio e da TV, jornais e revistas vendem mais no dia seguinte.
Pode-se até extrair um paradoxo da competição entre as mídias: diante de um fato realmente notável, bom ou mau, não importa, a mídia instantânea operada pelo rádio e pela TV funciona como eficiente comercial para aumentar o interesse (e a venda) de jornais e revistas.
É por aí que a mídia impressa, apesar de sua lentidão estrutural e de sua labiríntica rede de distribuição, resistirá para sempre, desde que seja encontrado o editorial que terá de priorizar a reflexão e não a emoção, a qualidade e não a quantidade.
Quanto ao livro, nada a temer dos sucedâneos nascidos da informática. Livros de serviço (dicionários, atlas, tabelas matemáticas, acervos científicos ou de arte etc.) poderão ser substituídos com vantagem pelos programas de aplicativos que a cada ano se tornam mais sofisticados.
Mas um ensaio, um poema ou um romance continuarão a ter no livro o seu espaço móvel e preciso, único e inalterável. Desde que, como o jornal em face da TV, não queira competir para anunciar que a fragata Azoff está entrando com avarias no porto de Marselha,

Os bilionários do PT

Cartas da Amazônia
Em 1975 a hidrelétrica de Tucuruí, a quarta maior do mundo, começou a ser construída no Pará. Dez anos depois ela foi inaugurada. Foi uma das maiores obras públicas da história do Brasil, a mais cara da Amazônia. Projetada inicialmente para custar 2,1 bilhões de dólares, no final seu valor se multiplicara por cinco, passando de US$ 10 bilhões.
Já a fortuna do dono da empreiteira principal da obra, a Camargo Corrêa, “apenas” dobrou. Em 1975, Sebastião Camargo tinha uma fortuna pessoal calculada em US$ 500 milhões. Dez anos depois ele se tornou o primeiro bilionário brasileiro.
A usina hidrelétrica, que garante 8% de todo consumo de energia do país, com seus quase 200 milhões de habitantes, lhe permitira embolsar meio bilhão de dólares, em valor não atualizado.
Quando se abriu a última década do século XX, as listas das revistas americanas Fortune e Forbes incluíam apenas três bilionários brasileiros: Antonio Ermírio de Moraes, cabeça da principal família de industriais brasileiros, e Roberto Marinho, imperador das comunicações com sua Rede Globo de Televisão, além de Camargo.
Ao final do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, eram oito. Quando Lula passou o bastão presidencial à correligionária, Dilma Roussef, a lista passara a 30. No ano passado chegou a 35. A soma das fortunas individuais desses bilionários equivalia à metade do que amealhou o homem mais rico do planeta.
Por coincidência, o mexicano Carlos Slim, que tem na carteira US$ 69 bilhões, é dono das operadoras de telefonia Claro e Embratel nesse Brasil que se tornou terreno fértil para imensos ganhos pessoais.
Eike Batista, com apenas 55 anos, um jovem na companhia de anciãos podres de rico da seleta confraria, era o cabeça do ranking, em março do ano passado, com seus US$ 34,5 bilhões. Mas ontem seu patrimônio já era de pouco menos da metade, US$ 10,7 bilhões.
Nesse dia 7 ele perdeu US$ 300 milhões com a queda das ações da principal das suas seis empresas de capital aberto, sempre com um X no nome, a OGX. Segundo a agência de notícias americana Bloomberg, ele caiu fora da roda dos 100 homens mais ricos da Terra.
No curso de um ano a OGX, perdeu mais de três quartos do seu valor porque sua produção, depois de tantos anúncios mirabolantes, frustrou todas as expectativas, principalmente a de Eike. Os analistas mais bondosos justificaram a queda contínua e grande do patrimônio do empresário atribuindo-a ao seu excesso de otimismo.
Essa exagerada autoconfiança o teria levado a prever resultados sem base real. Como a de que passaria o mexicano Slim em 2015. A meta já era difícil de alcançar quando seu patrimônio era metade da foruna do concorrente. Agora é quase sete vezes menor.
Com mais realismo nas suas ações, acreditam esses analistas compreensivos, Eike Batista retomará a roda da fortuna e voltará ao topo. Ele seria a personificação do genuíno ricaço dos tempos do novo trabalhismo no poder, personificado pelo PT.
Ganhou muito dinheiro por ser um autêntico empreendedor, apostar nas riquezas do país, arriscar investimentos na produção e ter uma visão mais ampla e sensível da atividade empresarial. Um bilionário do bem, conforme o jargão maniqueísta dos nossos tempos de retórica de camuflagem. Embora uma das duas empresas que atuam no porto de Açu, a LLX, tenha sido acusada pelo governo do Rio de Janeiro de causar danos ao meio ambiente. E multada.
Por trás da pantomima do marketing, verifica-se que o sucesso começa com boas – ou mesmo privilegiadas, no sentido estritamente técnico da expressão – informações, a maior parte delas proveniente do aparato estatal.
É também na administração pública que esses empreendedores (na Rússia mais diretamente conhecidos por “barões ladrões”, com ênfase nos produtores de petróleo do Mar Cáspio, o equivalente do Pré-Sal dos Eikes Batistas et caterva neste país varonil) vão buscar seus quadros de gestão.
Duplo uso de informações privilegiadas, pois.
No caso de Eike, com a decisiva participação do pai, Eliezer Batista, ex-ministro de vários governos e presidente da ex-estatal Companhia Vale do Rio Doce, artífice de grandes investimentos públicos em logística, infraestrutura e produção, sobretudo de commodities.
A ascensão súbita e exponencial desses ricaços, quando se confronta seus ganhos através da manipulação de papéis com o balanço real de seu ingresso no processo produtivo, expressa uma nova modalidade de associação entre o governo e a iniciativa privada.
Quando se puxa o novelo da trajetória dessas pessoas, quase sempre se chega ao ente estatal. Mas agora com novo discurso, reforçado pelos números de programas assistenciais e de “inclusão social”, que permitiram a milhões de famílias sair da faixa da miséria ou formar um novo tipo de “classe média”, montada não sobre poupança real, mas graças a um endividamento perigoso, precário, uma faca só lâmina, como diria o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto.
Tudo muda para tudo ficar igual. Ao mesmo tempo em que Eike Batista era despejado do arrolamento nobre dos homens mais ricos do planeta, a viúva de Sebastião Camargo, Dirce, pulava à frente do banqueiro Joseph Safra, tornando-se a terceira maior bilionária brasileira.
Dirce? Mas quem é Dirce, devem ter perguntado os atentos leitores do noticiário financeiro. De fato, a viúva do grande empreiteiro, discreta como o marido, deixara os holofotes da imprensa.
Mas a Camargo Corrêa, que ainda hoje, passados quase 40 anos da sua instalação na área, continua a trabalhar (e faturar) no canteiro de obras de Tucuruí, no rio Tocantins, certamente um recorde – ao menos nacional.
E funciona a todo vapor nas novas hidrelétricas de Juruá, no rio Madeira, e de Belo Monte, no Xingu, esta destinada a ocupar o lugar de Tucuruí no ranking das maiores usinas do mundo.
No ano passado essas duas frentes de serviços responderam por 30% dos 17,3 bilhões de faturamento da empresa. Continuará assim pelos próximos anos, um maná tão parecido, na administração petista do Brasil, àquele que os governos militares providenciaram para sua empreiteira favorita. A ditadura virou democracia, mas o dinheiro é o mesmo, embora avolumado na drenagem para mais bolsos privilegiados.
A multiplicação dos bilionários bem que podia ser considerada uma das maiores obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento (de quem mesmo?).

Capa de O Estado do Tapajós desta sexta-feira

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