O
 ano de 1968 começou no mundo a 1º de janeiro. No Brasil, terminou no 
dia 13 de dezembro, quando foi editado o Ato Institucional número cinco.
 O AI-5 foi o mais tétrico dos documentos oficiais da história 
republicana brasileira, o anticlímax da progressão democrática que 
estava em curso. Parecia que o Brasil viveria os tempos de liberdade e 
criatividade que geraram a primavera checa nos países da Cortina de 
Ferro e a revolta estudantil pelas ruas de Paris, do lado Ocidental.
A
 cultura, que expressava com fidelidade a tentativa de sair dos vários 
tons de cinza nos dois primeiros governos militares, sofreu na pele 
também a ação dos grandes punhais em ação a partir da cobertura dada 
pelo AI-5. Isso porque a linguagem foi se tornando cada vez mais 
agressiva. A tal ponto que chegou ao modo de interpretar, aos cenários, 
ao clima, sobretudo nos palcos teatrais.
Nada
 foi mais representativo da longa noite dos punhais como a invasão do 
teatro e o espancamento dos atores que encenavam a versão à José Celso 
Martinez de Roda Viva, do outrora bucólico e lírico Chico Buarque de 
Holanda. Quem viveu os últimos anos dos 1960 sabe o que foi esse terror e
 brutalidade, que fizeram Chico (como Caetano, Gil e muitos outros) 
emigrar em busca da salvação.
Vítima
 e mártir da intolerância., Chico Buarque agora é algoz. Ele proibiu que
 o ator e diretor Cláudio Botelho continue a apresentar "Todos os 
musicais de Chico Buarque em 90 minutos", dramatização de várias músicas
 do filho de Sérgio Buarque de Holanda.
Depois
 da queda o coice. Botelho foi impedido de continuar a apresentar o 
espetáculo no dia 19, em Belo Horizonte, por espectadores revoltados 
pelas críticas do artista a Dilma e Lula, num momento de improviso do 
texto. As vaias foram num crescendo até chegarem próximo da agressão 
física.
No
 dia seguinte, Botelho soube da disposição de Chico proibir o uso das 
suas canções no espetáculo, depois de apresentações no Rio de Janeiro e 
entendimento de muito tempo. A atitude certamente nada tem a ver com o 
conteúdo da encenação. Deve-se simplesmente à manifestação crítica de 
Botelho contra os líderes do PT, partido que Chico apoia.
Ele
 podia continuar a dar todo seu apoio sem transformá-lo num instrumento 
de censura e coação, como os ataques que sofreu da censura estatal e de 
parte do aparelho repressivo do governo durante o regime militar. Gênio 
musical, Chico tem confinado a esse âmbito as suas qualidades. Fora 
dele, está se tornando um pastiche de si mesmo.