terça-feira, 10 de abril de 2012

Carajás: Itabira sem Drummond

Do Blog Vale que Vale, de Lúcio Flávio Pinto

Certo dia, o mais famoso filho de Itabira chegou à sacada da sua casa e não viu mais a serra em frente. Serra que fora do seu pai, do seu avô, “de todos os Andrades, que passaram/ e passarão, a serra que não passa”.

Serra essa que era “coisa de índios”, tomada pelos brancos “para enfeitar e presidir a vida/ neste vale soturno onde a riqueza/ maior é a sua vista a contemplá-la”.

Deveria ser uma vista eterna. O pico do Cauê, todo de ferro, do melhor minério do planeta, era capaz de soprar “eternidade na fluência”.

Mas eis que, em dada manhã, o poeta Carlos Drummond de Andrade olha e não vê mais a serra dos índios e dos muitos Andrades. A forma eterna de ser em ferro fora desmontada, “britada em bilhões de lascas,/ deslizando em correia transportadora/ entupindo 150 vagões,/ no trem-monstro de 5 locomotivas/ – trem maior do mundo, tomem nota”.

Indignado, o poeta ordena em versos: “foge minha serra vai,/ deixando no meu corpo a paisagem/ mísero pó de ferro, e este não passa”.

Se tivesse nascido em Parauapebas, no Pará, como reagiria aquele que muitos consideram não só o maior poeta de Minas Gerais, mas do Brasil? Sua serra acabou como “um retrato na parede, e como dói”. Deixou como herança um hábito, bem itabirano, “de sofrer que tanto me diverte”, reconforta-se o vate mineiro.

Foi a partir de 1942 que Itabira começou a ser explorada por aquela que se tornaria a maior mineradora de ferro do mundo, a segunda maior das mineradoras em geral, a maior empresa privada do continente latino-americano e a maior exportadora do Brasil: a Companhia Vale do Rio Doce.

Vale que ajudou a devastar a bacia do rio Doce, que lhe emprestou o nome e serviu de maravilhosa paisagem para suas estripulias geológicas de cavar fundas jazidas para inverter serras, que viraram buracos, e depois se reduziram a retratos doloridos na parede de poetas.

A CVRD já tinha muita história ao ser vendida, em 15 de maio de 1997. Mas tudo que fez em 55 anos como estatal, que saiu do papel com a missão de fornecer o minério vital para o esforço das nações Aliadas na Segunda Guerra Mundial contra as potências do Eixo (assim como a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, Rio de Janeiro), foi multiplicado nos 15 anos seguintes como empresa privada.

O que a Vale já fez em Carajás, 550 quilômetros a sudeste de Belém do Pará, não encontra paralelo na crônica do desmonte de vários dos picos semelhantes ao de Cauê, espalhados por uma das regiões mais belas e de maior densidade histórica e cultural do Brasil, nas antigas Minas Gerais.

O trem da estrada de Vitória (no Espírito Santo) a Minas, de 150 vagões, que era o maior do mundo no poema de Drummond, não chega perto do trem de Carajás, hoje o maior de todos, “como nunca antes”, à Lula.

O trem que corre pelos 892 quilômetros da ferrovia de Carajás ao porto da Ponta da Madeira, na ilha estuarina de São Luiz do Maranhão, inaugurada em fevereiro de 1984, tem mais do que o dobro de vagões. São 330, que se estendem por quatro quilômetros de extensão.

A composição faz nove viagens por dia. Leva o equivalente a 30 milhões de dólares de um minério ainda mais puro do que o de Itabira, o mais rico da crosta terrestre.

Em 2010 o trem parou por vários dias. Uma chuva torrencial inundou toda a parte mais baixa do Maranhão. Os agrupamentos humanos espalhados por uma das regiões mais pobres do Brasil, reduto eleitoral do clã Sarney, ficaram isolados e pessoas morriam ou passavam fome.

Enquanto esse drama social acontecia, a tecnologia, o dinheiro, a inventividade e 500 trabalhadores, recrutados para o serviço de levantar diques dos dois lados dos trilhos, se combinaram, sob o comando dos engenheiros da Vale, para fazer a composição cruzar as águas.

O trem parecia um animal anfíbio de aço. Nem a enchente o parou. Talvez sobreviva até a um novo dilúvio Noelino. O homem é um capeta no sertão, diria o também mineiro Guimarães Rosa, que de sertão entendia.

No mês passado houve outra paralisação, dessa vez porque uma ponte em obra desabou. Só três pessoas ficaram feridas, no registro estatístico. Mas 300 mil toneladas de minério deixaram de ser embarcados nos gigantescos navios (um só engole toda essa carga em seu estômago de aço).

Os graneleiros atravessam os mares para levar o ferro para o seu maior consumidor, a China, que fica com 60% da produção de Carajás. Outros 20% vão para o Japão.

No ano passado a produção foi recorde: 110 milhões de toneladas, um terço de todo minério que a Vale produziu, com um diferencial: é o filé-mignon do ferro.

As jazidas de Carajás deviam durar 400 anos, mas talvez não cheguem a 100. A produção vai dobrar até 2015. O Pará será o maior exportador de ferro do mundo. Produzirá tanto quanto os Estados Unidos no pós-guerra.

Ótimo para a Vale (que teve lucro de 30 bilhões de dólares no ano passado, nove vezes o valor da privatização), para a China, para os demais compradores. E para os paraenses?

Os paraenses importam pouco. Seu Estado é o 16º em desenvolvimento (IDH) e 21º em PIB per capita (a riqueza dividida pela população) O que importa é o ritmo do trabalho para desmontar as serras, transformá-las em lascas e colocá-los no trem, daí embarcando em navios e sendo levadas para bem longe. O resto é detalhe.

Como o lamentável acidente que aconteceu em Carajás no dia 31 de março. Uma árvore desabou sobre um ônibus que seguia pela Estrada do Manganês, numa das áreas de mineração da empresa, matando três e ferindo nove dos seus ocupantes.

À parte a tragédia, acontecendo agora de forma ainda não registrada, um detalhe me chamou a atenção: continua a se chamar Yutaka Takeda o hospital do núcleo urbano de Carajás, em Parauapebas, o 2º município que mais exporta no Brasil (e uma tragédia em indicadores sociais).

Quando soube da homenagem prestada pela então estatal, no início dos anos 1990, protestei de público. A denominação original do hospital era Nossa Senhora de Nazaré. Nada mais natural e merecedor de aplausos.

Afinal, trata-se da padroeira dos paraenses, que lhe consagram, em Belém, a maior romaria religiosa do mundo. Procissão que conta com mais de um milhão de pessoas.

Como a CVRD queria homenagear o big boss da Mitsui, a maior compradora de minério de ferro de Carajás na época, que encontrasse outra forma de bajulação. Inadmissível era fazer a troca da santa pelo executivo, da cultura nativa pela lembrança exótica – e utilitária.

Um alto executivo da companhia me garantiu que o hospital voltaria ao seu nome inicial; e me desliguei do assunto.

O grave acidente do dia 31 me mostrou que fui enganado. Eu e os paraenses que acreditavam que a Vale dava tanta atenção aos seus clientes quanto aos donos da fantástica província mineral, por ela explorada sob concessão do governo federal.

Se o que importa é quem comparece à boca do caixa, então que se substitua o nome do executivo japonês pela do capitalista chinês. A China compra, hoje, muito mais minério de ferro do que o Japão de Yutaka Takeda. Por muito mais do que 30 dinheiros.

Para essa maravilha o poeta Carlos Drummond de Andrade não dedicaria os seus versos.

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Mercado Modelo sitiado pelas águas



Na Foto de Ronaldo Ferreira, o Mercado Modelo, sitiado pelas águas da chuva que se acumulam na avenida Tapajós, em tempo de enchente. Hoje, o rio Tapajós alcançou a marca de 7,70 metros.

Prossegue ação do MP contra empresa que elaborou Eia/Rima do porto da Cargill em Santarém

Audiência pública, em Santarém, onde o CPEA apresentou o Eia/Rima

 Em Santarém, a Consultoria Paulista de Estudos Ambientais 
(CPEA), denunciada pelo Ministério Público por elaboração de estudo ambiental parcialmente enganoso da empresa Cargill S.A., manifestou que não tem interesse na suspensão condicional do processo, que seria objeto de audiência marcada para esta terça, 10/04, no fórum de Santarém. Com a manifestação enviada por meio de documento da sede da empresa em São Paulo, a audiência não ocorreu e o processo segue adiante.


A denúncia foi formulada pelo MP de Santarém em maio de 2011, contra a CPEA e seu diretor-presidente, Sérgio Luis Pompéia. A proposta de suspensão condicional do processo é prevista na lei 9.099/95, para crimes cuja pena mínima não ultrapasse um ano. No caso em questão, a pena prevista na lei de crimes ambientais é de um a três anos de reclusão.


O MP havia condicionado a proposta à apresentação de certidões negativas da justiça comum e federal, emitidas nas cidades de São Paulo e Santarém. Com a manifestação da empresa, o processo segue até o julgamento pelo juízo. A CPEA deve apresentar defesa prévia para em seguida ser marcada pelo juiz a audiência de instrução.


O Ministério Público de Santarém ingressou com ação penal contra a CPEA, após verificar que os dados fornecidos pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), apresentado pela empresa não condizem com a realidade, com elementos discrepantes e que tornam obscuras as informações extraídas de estudos de diversos autores.


De acordo com o MP, o documento confeccionado pelos denunciados retrata uma realidade dos fatos mais benéfica a empresa Cargill S.A e induz em erro o Órgão Licenciador. Ao inserir conclusões não correspondentes a verdadeira idéia dos autores citados na bibliografia e não ressaltar que os dados estatísticos colhidos não tinham como base os anos anteriores a instalação e efetivo funcionamento da empresa Cargill, a CPEA cometeu o ilícito previsto na lei de crimes ambientais.(Lila Bemerguy, de Santarém)

Governo vai leiloar madeira apreendida no oeste do Pará

Agência Pará

Cerca de 4 mil metros cúbicos de madeira nobre apreendida no município de Juruti, no oeste paraense, serão leiloados pelo Estado. O material foi encontrado durante trabalho de monitoramento via satélite, pelo qual o governo identificou exploração ilegal em área destinada para a criação do primeiro centro de treinamento de manejo florestal do Pará naquele município. O leilão, que será realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), ainda não tem data para ocorrer.

Concurso da UFOPA. Inscriçoes abertas

As inscrições para o concurso público de cargos administrativos, na Universidade Federal do Oeste do Pará, com sede em Santarém (PA), começaram,ontem, e vão até o dia 26 de abril de 2012, às 18 horas. Nesse período, os interessados podem fazer sua inscrição, via Internet, no endereço eletrônico http://www.ceps.ufpa.br.

O valor da taxa de inscrição para os cargos de nível médio é de R$75,00, e de R$85,00 para os cargos de nível superior. Os candidatos para ambos os níveis farão prova objetiva e prova de redação, com caráter eliminatório e classificatório. Os requisitos para a investidura e as devidas atribuições de cada cargo podem ser conferidos no anexo I do edital.

Oportunidades

Ainda de acordo com o edital de abertura, ao todo estão sendo ofertadas 43 vagas para cargos técnico-administrativos, sendo 18 vagas para candidatos de nível médio e 25 para candidatos de nível superior. 

Os cargos ofertados no concurso para nível superior são para arquivista (1 vaga); auditor (1 vaga); contador (2 vagas); economista (1 vaga); enfermeiro do trabalho (1 vaga); engenheiro eletricista (2 vagas); engenheiro mecânica (1 vaga); engenheiro florestal (1 vaga); engenheiro eletroeletrônica (1 vaga); engenheiro de segurança do trabalho (1 vaga); estatístico (1 vaga); farmacêutico-bioquímico (1 vaga); fisioterapeuta (1 vaga); médico do trabalho (1 vaga); publicitário (1 vaga); revisor de texto (1 vaga); secretário executivo (3 vagas); técnico em assuntos educacionais (4 vagas).

Já os cargos para nível médio são para: assistente administrativo (13 vagas); técnico em laboratório na área de Geologia (1 vaga); técnico em laboratório na área de Hidrologia (1 vaga); técnico em laboratório na área de Mineração (1 vaga); técnico em laboratório na área de Agroindústria (1 vaga) e técnico em laboratório na área de Química (1 vaga).

Para mais informações, confira o edital e os anexos na seção de “Concursos” do sítio da UFOPA ou no sítio do Centro de Processos Seletivos (CEPS) da Universidade Federal do Pará (UFPA). (Texto: Talita Baena – Comunicação/UFOPA)

Rio Tapajós este ano já está quase um metro acima do nível registrado no ano passado

Relato do leitor Manoel Nascimento, funcionário da CDP em Santarém:
Hoje, por volta das 07:00, ao chegar no porto, dirigi-me até o pier para, mais uma vez, verificar o nível das águas, e para minha surpresa, na régua está marcando 7,70 mts. 
Isso quer dizer que de ontem de manhã para hoje, o rio subiu 4 cmts. Isso é muito água para apenas 24 horas. 
Fui consultar os arquivos para saber a diferença dos anos de 2009 e 2010, e o resultado é este:
Em 2009, na mesma data o nível era 7,58 mts, uma diferença de 12 cmts, abaixo de hoje. Em 2011, na mesma data, o nível era de 6,72 cmts. uma diferença de 98 cmts, ou seja quase, 1,00 metro do ano passado para hoje.
Realmente é muito preocupante a situação. Algumas ruas do centro da cidade, já estão com passarelas de madeira e a Avenida Tapajós já se encontra interditadas em alguns pontos.

"Altamira virou um caos em todos os sentidos", diz bispo do Xingu


Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu: "O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo"
O bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, descreve um cenários de caos, da bagunça, de carências e de
riscos, depois do início efetivo das obras de construção da hidrelétrica de Belo Monte.
"O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo! E Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do Ibama para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O trânsito é uma calamidade. Acidentes a toda hora", descreve o bispo, num artigo que divulgado pelo Instituto Humanitas Unisinos.
A seguir, a íntegra do artigo do bispo.(Espaço Aberto)

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Há doze dias vivo a bordo do barco "Teresinha". Estou visitando as comunidades do interior de Porto de Moz. Não há telefone e muito menos existe acesso à Internet. Faz um bem enorme ficar de vez em quando sem essas comodidades. Tem-se a impressão de estar em outro planeta. Mas as pessoas queridas que encontro ao longo da viagem e que há décadas conheço e amo são a prova de que continuo no mesmo planeta Terra e na "minha terra" que é o Xingu. A primeira vez que singrei as águas dos rios, furos e lagos de Porto de Moz foi em janeiro de 1968. Lembro os antepassados do povo que agora me abraça. Revejo em muitos rostos os traços de seus avós. Antigamente as famílias vieram a remo. Hoje um motor "rabeta" diminui mais o tempo da viagem. Mesmo assim têm que enfrentar, às vezes por horas, um sol escaldante ou chuvas torrenciais.
O encontro com o bispo segue sempre o mesmo esquema. Começa com abraços, cantos, poesias, salva de palmas. Um ambiente festivo e descontraído, sem formalidades, etiquetas e protocolos. Sinto-me em casa. "Vós todos sois irmãos" (Mt 23,8). Também o bispo é irmão! É nestas ocasiões que mais me realizo como pastor, no meio dessa gente que amo e que - eu sei disso - também me ama. Todo mundo se conhece. Essa é uma das mais belas características das Comunidades Eclesiais de Base. Não há estranhos.
Faço questão de primeiro ouvir o povo, escutar a sua história, ser informado a respeito de suas esperanças e angústias, avanços e derrotas. São coisas alegres, estórias pitorescas, "causos" que partilham comigo, mas também assuntos tristes, experiências dolorosas. Sempre me admiro que esse povo, apesar de viver uma vida dura e penosa, nunca perdeu a alegria. Sabe sorrir! Aliás, que sorriso límpido, espontâneo, cativante! Nada postiço, só para agradar o bispo.
Falam do salão comunitário que conseguiram construir, da capela que pintaram, das reuniões semanais, do culto dominical e da novena que não deixaram de celebrar. Revelam também problemas familiares. Alguém denuncia a invasão de geleiras para roubar o peixe, até na época da piracema. "Vem com malhadeiras de malha tão fina que nem alma passa". Outro relata com orgulho experiências que fazem com as Reservas Extrativistas comunitárias, mas reclama do Ibama que cai em cima deles por causa de uma tartaruga que pegam, enquanto faz vistas grossas diante das geleiras, do escandaloso roubo de madeira, de desmatamentos e outras agressões ao meio-ambiente, como por exemplo Belo Monte. "Aí dá até todas as licenças para acabar com o nosso Xingu".
Passo, em seguida, do papel de ouvinte para entrevistado. Jovens e adultos me bombardeiam com perguntas de todo tipo. Assuntos internos da comunidade, do setor, da paróquia, mas também da "conjuntura" econômica e política. Em todas as comunidades, a pergunta principal é sobre Belo Monte. Querem saber detalhes, já que o bispo vem de Altamira, do centro do monstruoso projeto.
"Bispo, será que ainda tem jeito de impedir essa desgraça? Ouvimos falar que estão tocando Belo Monte a todo vapor. Dizem que o governo já gastou muito dinheiro e assim certamente não dá mais para parar a obra. Que o Sr. acha?"
O que realmente devo responder a esse povo? Decido "abrir o verbo", sem meias-palavras:
"Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando "Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja" foi pura mentira. Falou assim para "acalmar" o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo! E Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do Ibama para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O trânsito é uma calamidade. Acidentes a toda hora".
"O que mais vou dizer a vocês? Fui várias vezes "ver" o canteiro de obras, quer dizer, queria ver, porque não me deixaram entrar, mas vi de longe os estragos já irrecuperáveis. Rezei missa com as comunidades ameaçadas de despejo. Os grandes fazendeiros receberam indenizações, mas o coitado do pequeno produtor e agricultor não sabe o que vai ser dele e de sua família. Arrasaram com uma vila inteira: Santo Antônio. O pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores."
"E para onde vai toda essa gente?"
"Pois também eu quero saber. Prometem solução, mas nunca dizem que tipo de solução, onde, quando, de que jeito."
"E o povo de Altamira?"
"Muita gente está com o coração despedaçado. Até comerciantes e empresários que antes colaram em seus carros adesivos "Queremos Belo Monte" andam hoje cabisbaixos. Quem pode contra a fúria da "Norte Energia"? Aliás "Norte Energia" é o próprio Governo, antes Lula, agora Dilma. Nunca houve diálogo com o povo daqui, nem com índios, nem com ribeirinhos, nem com o povo da cidade. O governo traiu o povo que o elegeu e ri-se de quem defende os índios, os ribeirinhos, os pobres atingidos pela barragem. Fala de preço a ser pago pelo progresso. Só que esse preço sacrifica o nosso povo e não as famílias de políticos em Brasília. Um terço de Altamira vai para o fundo e o resto vai ficar à margem de um lago podre, criador de carapanã e causador de dengue e malária".

"E os índios? É verdade que estão a favor da barragem?"

"Não digo que estão a favor da barragem, estão a favor dos presentes que recebem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à própria sorte, hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas e combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente enganou-se os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária. E o governo afirma em alto e bom som que nenhuma aldeia será alagada. Aldeia não será alagada, sim! O que a Norte Energia faz, é cortar a água aos índios e ribeirinhos da Grande Volta do Xingu. E o povo da Volta Grande vive e sobrevive da pesca. E tem mais. O que vai acontecer com uma aldeia a poucos quilômetros do canteiro de obras onde trabalham milhares de homens? É muito triste! Dá dó!"
"E nós? Como é que nós vamos ficar, nós que moramos abaixo da futura barragem? Ou, como essa gente de Brasília fala, 'à jusante'?"
"Bem, vocês sabem o que acontece se fazem uma tapagem no igarapé. Acima da tapagem, o que acontece?"
"O igarapé alaga a terra firme!"
"E abaixo da tapagem?"
"Ora, o igarapé seca!"
"Pois é. O Xingu abaixo da barragem vai baixar de nível e os igarapés e afluentes também. Há trechos em que o Amazonas vai entrar no leito do Xingu e nossos peixes que não se dão com a água barrenta do Amazonas vão morrer."
Por um bom tempo o povo ficou apenas me olhando e não me fez mais nenhuma pergunta. Também a conversa já passou da hora. Já é hora de almoço.
A celebração eucarística está programada para as 14 horas. A liturgia está preparada, os cantos escolhidos e as leituras ensaiadas. "Vai ter crisma" avisa-me uma catequista "e a turma precisa ainda se confessar com o bispo". Nada de vexame! Aqui ninguém é escravo do relógio. Terminada a confissão, outra catequista me informa: "As meninas precisam ainda se empiriquitar". Já são lindas por natureza, de traços indígenas ou ascendência negra, mas querem realçar ainda mais sua beleza. Há também senhoras entre as crismandas, com crianças pequenas. Uma me pergunta se pode, mesmo gestante, se crismar. "Sem dúvida, querida! O Espírito Santo descerá sobre você e a criança debaixo de seu coração!"
Apresento os crismandos a toda a comunidade chamando cada um(a) por seu nome: "Senhor, aqui estou!" é a resposta às vezes bem forte, outras vezes um pouco tímida, acanhada. Depois de dois anos de preparação para o sacramento, sabem que a resposta que recorda o que o Profeta Isaias falou quando Deus o chamou: "Eis-me aqui, envia-me" (Is 6,8) significa o compromisso publicamente assumido com a comunidade. No rito da imposição das mãos convido também catequistas e dirigentes para realizar comigo este gesto que remonta ao tempo dos apóstolos quando enviaram discípulos para anunciar e testemunhar o Evangelho (cf. At 13,1-4). Durante a unção com o santo crisma a madrinha ou o padrinho coloca "a mão com que assina o nome" no ombro da afilhada ou do afilhado selando com este gesto uma aliança: "Você pode contar comigo, não apenas hoje, mas pelo resto da vida!". Estou convicto de que muitos padrinhos e madrinhas realmente assumem um compromisso sério e não estão aí como personagens mudas que entram em cena só para figurar. Dou-me conta disso especialmente quando, depois da unção, a crismada ou o crismado pede a bênção de sua madrinha, de seu padrinho. É um momento comovedor. Graças a Deus, o nosso povo não tem vergonha de mostrar suas emoções.
O mais lindo nestas viagens, além do encontro com esse povo bom e simples, é conviver tão de perto com a criação de Deus. Doze dias se foram, desde que partimos de Altamira. A última noite da viagem passamos ancorados na boca do Rio Maxipanã, afluente do Xingu abaixo de Souzel. Chegamos ao entardecer. Cedo atei a minha rede. Noite calma e tranquila, sem carapanã. Acostumei-me a acordar antes do sol raiar e assim desfruto sempre do privilégio de ver o dia nascer.
Como é sublime essa hora matutina. As estrelas deixam de cintilar. As trevas se dissipam. O céu no oriente começa a alvorecer, mas a escuridão ainda predomina. A rubra claridade da aurora enfrenta as trevas. De minuto em minuto a cor purpúrea é mais suavizada com tonalidades acajus e alaranjadas.
O rio ainda dorme. Exala uma bruma esbranquiçada que cobre, como se fosse um véu, a várzea.
Na terra-firme da outra margem guaribas já uivam seu louvor matinal ao Criador. Cada bando tem o seu "capelão". É barbudo. Aqui o chamam de "gorgo". Dizem que as fêmeas permanecem em piedoso silêncio enquanto os gorgos bradam seu salmo milenar. De repente param, como se Deus tivesse lhes passado uma ordem. Silêncio.
Agora se ouve melhor o canto dos pássaros com suas melódicas modulações, umas mais graves e fortes, outras mais contidas e suaves. Chilreiam suas cantigas, também milenares. Um é apelidado de "peito de aço" porque seu assobio é tão forte que assusta a quem estiver por perto. Ouve-se o arrulho esperançoso das rolinhas. Pombinhas selvagens gorjeiam animadas sua saudação ao novo dia. Lá longe uma voz solitária e monótona de uma ave que não sei identificar. Sua cantiga parece com o cuco, aquele pássaro dos Alpes que canta só na primavera. Falam mal dele. Dizem que bota seus ovos em ninho alheio para outra mãe chocar. Não assume a responsabilidade por seus filhotes. Em vez de ficar preso ao ninho, imóvel em cima de ovos, prefere curtir uma vida de vagabundo e voar desimpedido para cantar aqui e acolá.
O sol já alcançou altura, mas ainda é um disco pálido por trás da neblina. Cada vez mais impõe o seu fulgor. Enquanto o primeiro raio não rasgar a cortina, pode-se vê-lo a olho nu. A bruma rapidamente se desvanece e o rio, a selva e os campos à sua margem, respiram o ar límpido de uma manhã ensolarada. O Maxipanã revela agora sua cor clara, contrastando com o verde-esmeralda do Xingu e a floresta ostenta sua fascinante exuberância nas múltiplas matizes de seu verdor.
Que maravilha! "Os céus narram a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O dia transmite a mensagem a outro dia, e a noite conta a notícia a outra noite" (Sl 18,2-3).
Pena que os homens não se deixam mais encantar pela obra de Deus. Vedaram seus olhos e taparam o ouvido. Não enxergam mais as flores, nem ouvem mais o canto dos passarinhos. O sol e lua não nascem, nem se deitam mais! É a rotação do planeta Terra, pronto! Contemplar a natureza é perder tempo e dinheiro. Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros.
Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida.

Mudança no Incra


Está no Diário Oficial da União de hoje.

Hugo Alan Moda Lima substitui Francisco dos Santos Carneiro, que respondia como superintendente do Incra do Oeste do Pará, com sede em Santarém, desde agosto/2011.

Adalberto Anequino, que era superintendente-adjunto também foi exonerado pela presidência do Incra.