A
 antiga Companhia Vale do Rio Doce atua em 13 Estados brasileiros, mas 
não no Paraná. Mesmo assim, a advogada paranaense Clair Martins foi um 
dos cidadãos brasileiros que reagiram à desestatização da empresa, 
promovida pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1997. Ela assinou 
uma das dezenas de ações populares que tentaram anular na justiça o 
leilão através do qual o controle acionário da estatal foi vendido. 
Passados 18 anos da iniciativa, as ações ainda tramitam.
Parecia
 que elas teriam um fim inglório: seriam extintas sem julgamento de 
mérito. Mas uma das turmas do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em
 Brasília, decidiu que essas ações têm que voltar à justiça federal em 
Belém para serem apreciadas. Por causa dessa mudança, Clair – que foi a 
primeira mulher a se eleger deputada federal no Paraná, em 2002 – se 
reanimou e decidiu mobilizar a opinião pública para acompanhar o novo 
capítulo dessa longa e grave história.
O
 Instituto Reage Brasil, que ela criou e dirige no Paraná, promoveu 
ontem o primeiro debate depois da decisão do TRF. Infelizmente, apenas 
43 pessoas compareceram a uma das salas do Hotel Regente para participar
 da sessão, para a qual os mais ilustres convidados foram o deputado 
federal Edmilson Rodrigues, do PSOL, e o advogado Celso Antonio Bandeira
 de Mello, de grande conceito nacional.
O
 fato não deixava de ser paradoxal: uma organização civil do Paraná 
tentando mobilizar os cidadãos do Estado no qual, finalmente, a justiça 
de primeiro grau decidirá sobre as ações que questionam um dos mais 
polêmicos e importantes capítulos do programa de privatização do Brasil,
 iniciado no governo Collor e mantido pelas gestões do PSDB e do PT, 
nesta sob o disfarce vernacular de concessões.
A
 motivação da ex-deputada federal é a defesa da causa pública e do 
interesse difuso dos brasileiros. Tanto ao tomar a iniciativa concreta 
da ação popular quanto ao organizar o encontro de ontem. Mesmo que a 
Vale não tenha presença no seu Estado, ela atuou intensamente para 
conseguir mudar a posição dominante na opinião pública paraense, que era
 favorável à privatização e depois se colocou contra a medida.
Mas
 ainda não conseguiu motivar os paraenses para um tema que lhes diz 
respeito de forma direta e intensa. A divulgação do encontro não foi 
boa, mas foi o suficiente pelo menos para atrair os intelectuais 
paraenses, com acesso à internet e circulação pelo meio no qual a 
notícia se difundiu. Além de algumas pessoas vindas de outros municípios
 e do Maranhão, a presença dominante era de militantes, menos dispostos a
 aprender o que não sabem sobre a questão do que fazer os discursos das 
suas lutas e da visão geral do país.
Depois
 de 18 anos, a revisão da decisão tomada pelo juiz federal de Belém, que
 queria simplesmente colocar um ponto final absoluto na história, 
acarreta grandes desafios a quem quiser dar consequência ao ato. Embora 
os autores populares pretendessem chegar a restabelecer a condição 
estatal da Vale, a maioria dos desembargadores do TRF se manifestou 
apenas pela apuração do valor justo para a venda. As outras – e 
numerosas – questões que apontavam ilegalidades e irregularidades no 
processo não serão consideradas, conforme o acórdão do tribunal.
Mesmo
 sob essa perspectiva limitada, a revisão do valor da alienação do 
controle acionário exigirá um sofisticado e complexo trabalho de 
perícia. Os autores das ações terão que designar assistentes técnicos 
capazes de acompanhar criticamente a perícia judicial. Como chegar a 
esses assistentes e poder mantê-los? Haverá a necessidade de equipes e 
providenciar a remuneração de pelo menos parte desses técnicos, que não 
trabalharão voluntariamente.
Os
 42% de ações da União na Vale foram vendidos em 1997 por 3,3 bilhões de
 reais. Há quase unanimidade técnica de que se tratou de preço 
subavaliado ou mesmo de um valor vil. Publicações econômicas 
estrangeiras, como a Euromoney, chegaram a calcular esse lote 
de ações em três vezes mais do que o apurado. É muito dinheiro em causa,
 ainda que muitíssimo mais continue a se esvair por causa do 
enquadramento restrito da decisão que estabeleceu a reapreciação das 
ações.
Poucos
 temas há na agenda atual dos paraenses (se há algum) de maior expressão
 material e simbólica. Por que o silêncio da imprensa e a omissão dos 
intelectuais? Será que ambas as situações têm por origem o poder da Vale
 e o dinheiro que ela aplica na publicidade e no apoio a atividades de 
pesquisa ou culturais? O silêncio, sendo obsequioso, não é 
desinteressado? Nem, evidentemente, risonho e franco?
Se
 for assim, que sejam apontados os traidores da causa paraense, 
amazônica e nacional. Aqueles que podiam contribuir para esclarecer 
entendimentos, criar consciências e mobilizar vontades em favor do bem 
de todos e felicidade geral da nação. O vazio na sala de hotel onde se 
discutia a privatização da Vale, a maior empresa a atuar no Pará, é um 
libelo acusatório contra os omissos, indiferentes e omissos. Seu 
silêncio é a prova dos nove da sua covardia.
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