sábado, 29 de março de 2008

O flanelinha e a honestidade

Bellini Tavares de Lima Neto
Advogado
Consultor Jurídico em São Paulo


Flanelinha encontra carteira com R$ 7 mil e devolve. Eis o título da notícia.O aposentado já havia perdido as esperanças quando avistou o flanelinha. “Dinheiro dos outros pra mim não interessa” , diz o flanelinha.
O aposentado Alberto Araújo perdeu a carteira com R$ 7 mil em uma das ruas mais movimentadas do centro de Manaus após estacionar o carro. Na carteira estava tudo o que precisava: “documento, tudinho, aí o desespero foi grande”, explica.
Só depois de caminhar por alguns minutos, Araújo deu por falta da carteira.
Sem esperanças, resolveu fazer o caminho de volta. Foi quando notou que alguém estava acenando para ele.
“Calma, calma. Sua carteira está aqui”, disse Francinei dos Santos, flanelinha há 15 anos. Araújo mal podia acreditar que sua carteira estava intacta.
“Quando eu fui ajudar o rapaz estacionar, eu vi a carteira; passou um ou dois minutos e ele veio desesperado correndo”, completa Francinei.
O volume de notas era tão grande que a carteira mal fechava. Do ocorrido, Araújo tirou uma lição: “geralmente o pessoal tem preconceito com quem trabalha na rua, hoje o preconceito cai completamente”.
Francinei dos Santos, o flanelinha, explica o motivo de ter devolvido a carteira: “dinheiro dos outros para mim não interessa. O que interessa é o meu dinheiro, eu trabalhando, ganhando com o meu suor”. Araújo diz que ficará eternamente grato a Francinei e tentará, de alguma forma, ajudar o flanelinha. "Uma empresa competente para dar um trabalho a este homem porque ele é um homem honesto", enfatiza o aposentado.
Essa matéria está estampada na página de internet da Globo do dia 18 de março de 2008. Antes de abrir meu computador hoje de manhã, assisti aos jornais da mesma Rede Globo e, como já virou praxe, foi um festival de noticia ruim. Apareceu uma infeliz que torturava uma menina de 12 anos, um vagabundo peruano que furtava malas em hotéis no interior, sem falar do noticiário político que, esse então, é de arrepiar e fazer inveja aos antigos redatores daqueles bancos de sangue como Noticias Populares e outros.
Aí, abro a página da internet na Globo e me deparo com esse flanelinha que devolveu a carteira do aposentado. A primeira coisa que me vem à cabeça é que ele deve estar tramando algum golpe. É, devolve a carteira do homem, ganha a confiança dele, vira amigo, se aproxima e pratica o maior assalto da vida dele. Ou então seqüestra o cidadão e leva, em troca, não só o que havia na carteira como a própria carteira e as malas e até um peruano ladrão, se aparecer. É brincadeira. Não foi isso que me veio à cabeça, não. O que me ocorreu foi fazer exatamente o que estou fazendo: registrar o fato e dividi-lo com os amigos que porventura não tenham tido tempo de ver a noticia.
É claro que é uma noticia gratificante, especialmente no meio do espetáculo de horrores em que se transformou a mídia diária. Mas não há como não destacar um aspecto triste: noticia boa, honestidade, práticas decentes, viraram noticia, manchete de jornal. Não sei, não, mas alguma coisa parece que está virada, tem alguma coisa esquisita nisso. Pensando bem, o flanelinha não fez mais do que seria sua obrigação. Isso deveria ser a regra. Pelo menos foi isso que a gente aprendeu quando era pequeno e até recebeu uns tapas no traseiro quando não obedecia as regras. E agora, quando alguém se comporta de acordo com as regras, vira destaque.
Epa, epa, epa, a Portelinha está do avesso mesmo. Enfim, boa, seu flanelinha. O senhor fez o que deveria fazer e o que todo mundo deveria fazer, especialmente os graúdos, os flanelões. Quem sabe se esses andassem na linha o senhor não precisasse ser um flanelinha e tivesse chance de ser o homem aposentado que tinha a carteira para perder.

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