domingo, 13 de julho de 2008

Incra dá aval a invasor para devastar florestas

Paulo Leandro Leal

O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Serra Azul, criado em 2005 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Monte Alegre, no oeste do Pará, está sendo alvo de invasões e desmatamento ilegal. Desde que o assentamento foi interditado pela Justiça Federal, no ano passado, os verdadeiros beneficiados pela criação do PDS não podem entrar na área, mas o Incra não fiscaliza a entrada de pessoas estranhas, não evita a devastação e o licenciamento do assentamento não acontece. Irritados e cansados de esperarem pelo governo, os assentados perderam a paciência e devem entrar em seus lotes este ano.
A interdição do PDS Serra Azul foi decretada pela Justiça Federal a pedido do Ministério Público Federal, que acusa o Incra de criar assentamentos de forma ilegal no oeste do Pará, sem o devido processo de licenciamento ambiental. Desde então, o Incra se comprometeu junto ao Ministério Público a providenciar as ações necessárias ao licenciamento, que deve ser feito pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). Enquanto isso, as mais de 400 famílias que estavam na Relação de Beneficiários (RB) do Incra e deveriam ganhar um lote de terra no local ficaram impedidas de entrar na área.
O presidente da Associação de Assentados da Serra Azul (ASA), Luís Paulo, diz que a associação realizou um trabalho de conscientização para que as famílias não entrassem na área antes da legalização do PDS. 'Nós fizemos um trabalho muito grande, convencendo as pessoas a esperarem o licenciamento ambiental para ocuparem os seus lotes, mas o PDS está sofrendo invasões e está havendo desmatamento. Nosso temor é que estas famílias que querem trabalhar dentro da legalidade percam seus lotes para aproveitadores', diz Luís Paulo, reclamando da demora do Incra, da Sema e do MPF em resolver o problema. 'Os procuradores da República nem recebem a gente', desabafa.
Luís Paulo disse que devido à falta de uma solução e diante do quadro de invasões, as famílias que estão na Relação de Beneficiários devem entrar no PDS nas próximas semanas e ocuparem os seus lotes. 'Estas famílias estão tão preocupadas em trabalhar dentro da legalidade que muitos não queriam ocupar seus lotes agora, mas teremos que fazer isso para que a área não seja totalmente invadida', diz, informando que alguns assentados já vivem no PDS com as suas famílias. No total, cerca de 45 famílias já estão dentro do assentamento, que fica há mais de 100 quilômetros da cidade de Monte Alegre.
O agricultor Divino Amaral de Jesus não quis esperar que a burocracia legalizasse o assentamento e já mora no local, com a sua família. Ele demonstra preocupação com as ocupações ilegais, de pessoas que não estão na lista de beneficiários e começam a formar pastagens no PDS, para a criação de gado.
Mil hectares de floresta ameaçados
A demora do governo para licenciar o PDS Serra Azul pode gerar um prejuízo econômico e ambiental grave para toda a região. Os assentados que se cansaram de esperar pelo governo e vão ocupar os seus lotes terão que derrubar parte da floresta para plantar pelo menos o que comer. Cada assentado tem direito a desmatar até três hectares por ano, até o limite legal de 20 hectares, que correspondem aos 20% de desmate permitido por lei, em caso de lotes de 100 hectares.
O agricultor precisa de uma autorização do órgão ambiental para o desmate, mas os assentados dizem que não podem esperar mais pelo governo e que vão fazer a derrubada. Segundo Luís Paulo, cada assentado vai respeitar o limite de três hectares, mas é preciso fazer a conversão florestal para a prática da agricultura. 'Estamos tentando de todas as formas a legalização, mas não podemos mais esperar, temos que comer e o que sabemos fazer é isso. Não comemos pau, mas arroz, feijão, milho', diz o assentado João Xavier.
Se os assentados ocuparem mesmo o PDS e derrubarem o que têm direito, pelo menos 1,5 mil hectares de floresta amazônica devem ser queimados. É que como o assentamento não possui a licença ambiental, os colonos não poderão usar esta floresta derrubada de forma econômica, não poderão vender a madeira retirada. Paulo Silva garante que os agricultores não venderão a madeira de forma ilegal, sem autorização da Sema, e que tudo deve ser mesmo queimado. 'Nosso negócio não é madeira, é a terra. A Sema acha que não teremos coragem de queimar estes recursos, mas é isso que vai acontecer', lamenta.
O presidente da Associação explica que o ideal é que a Sema concedesse a licença ambiental do assentamento e liberasse os créditos da madeira retirada nas áreas de desmate. 'Ai sim, nós iriamos procurar uma empresa séria para vender estes recursos, pois seria uma importante fonte de renda para os assentados', explica, informando que seriam mais de 40 mil metros cúbicos de madeira. 'Mas tem que ser tudo dentro da legalidade, sem esta autorização vamos derrubar e queimar, porque as pessoas precisam de plantar para comer', garante.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Monte Alegre (STTR), Sebastião Mota Magalhães, lamenta que a situação tenha chegado a tal ponto. Ele explica que cada assentado vai trabalhar em uma área de 20 hectares, pois a reserva legal dos lotes será em bloco. Assim, o assentado não tem como derrubar mais do que o permitido em lei, pois a reserva legal de sua área está localizada em outro local, formando uma grande área protegida.
'Estamos obedecendo todas as regras, como trabalhar apenas com 20 hectares e manter a reserva leal em bloco. Queremos preservar, ser um modelo de desenvolvimento sustentável, ter renda com a floresta em pé', diz o presidente do STTR. Sebastião explica que as famílias que vão ocupar o PDS são trabalhadores rurais, selecionados pelo Incra, pelo sindicato e pela associação criada para gerir o assentamento e que só depende do governo para que o PDS se torne mesmo um marco no processo de reforma agrária na Amazônia. (P. L.L.)
Legalização depende de promotor
Uma fonte da Sema, próxima ao secretário Valmir Ortega, informou que as licenças para os assentamentos rurais embargados pela Justiça não estão sendo expedidas porque o Ministério Público Federal não autorizou. No mês passado a secretaria assinou junto com o Incra um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permitiria a legalização dos assentamentos, mas o documento não tem validade. 'O MPF não validou o TAC, porque não acredita mais no Incra', diz a fonte da Sema, pedindo para não ter seu nome revelado.
O Incra deveria realizar uma série de estudos de viabilidade sócio-econômica e ambiental nos assentamentos para dar entrada no pedido de licenciamento. Segundo o chefe da Unidade do Incra em Monte Alegre, Cleomar Luís Rodrigues da Silva, os técnicos do órgão estiveram no local e realizaram vários estudos, inclusive análise do solo para identificarem o potencial agrícola do assentamento. Ele diz que o órgão não poder dar seqüência à implantação do PDS por causa da interdição do mesmo e acredita que a Sema deva conceder, em breve, a Licença Prévia.
O MPF, por sua vez, não fala mais no assunto. Na Procuradoria da República em Santarém, os procuradores não recebem mais as lideranças da região para tratar sobre o problema dos assentamentos. Os integrantes da Associação dos Assentados da Serra Azul (ASA) já tentaram falar com os procuradores, mas não conseguiram. Eles querem pedir que uma solução o mais rápido possível para o PDS, pois temem uma invasão geral ao projeto. 'Temos notícia da instalação de uma mineradora na região e isso pode desencadear a vida de muita gente e conflitos por terra, por isso o assentamento tem que ser legalizado', diz Luís Paulo.
Além disso, o PDS não possui estradas, muito menos escolas, postos de saúde ou qualquer outro tipo de estrutura básica. Quem se aventura a ocupar os lotes têm que andar quilômetros a pé para conseguir chegar à cidade. As famílias que ocupam a área vivem em condições precárias, sem nenhuma assistência do governo. O chefe do Incra em Monte Alegre reconhece o problema e diz que o órgão possui apenas 10 servidores na unidade, que deveria ter pelo menos 70 funcionários. Ele resume as condições de vida destas famílias. 'Para chegar lá agora, só se for de helicóptero', admite Cleomar. (P. L. L.)

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