segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O PMDB foi derrotado? Quem foi que ganhou?

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós



Quando a campanha eleitoral começou, a expectativa era de que o candidato do PMDB, José Priante, seria apenas um peso a influir secundariamente no movimento da balança em favor de um dos dois principais protagonistas da disputa: o prefeito Duciomar Costa e a ex-vice-governadora Valéria Pires Franco. Mas foi Priante quem passou para o segundo turno, uma surpresa tão grande quanto o fiasco de Valéria. Na segunda votação, Priante teve mais do que o dobro da primeira votação, chegando perto de 300 mil votos. Foi um crescimento proporcionalmente superior ao do vencedor (ele passando de 18% para 40% e o outro, de 35% para 60%), o reeleito Duciomar, que teve quase 440 mil. Mesmo assim, ficou no ar a sensação de fracasso do candidato peemedebista. Por quê?
Em primeiro lugar, por um argumento falacioso de Priante, de que os 65% de votos dispersados entre os outros candidatos no 1º turno eram de oposição a Duciomar, alvo de todos os ataques. Os votos tucanos migraram maciçamente para o prefeito. Já os do PT, equivalentes aos do peemedebista (apenas um ponto percentual abaixo), foram para os balneários, ficaram em casa, votaram branco ou nulo, optaram por Duciomar (diz-se que foi o caso do alto staff do governo, sobretudo os da hegemônica Democracia Socialista) e só residualmente cumpriram o compromisso público de votar em Priante, assumido pelo derrotado Mário Cardoso e o deputado federal Paulo Rocha, líder do grupo do "mensalão" e da ala demograficamente mais forte do PT paraense (mas sem os comandos do poder).
A mudança da estratégia petista começou a ficar evidente já nas últimas semanas da campanha do 1º turno. A máquina oficial do Estado, até então apática, como seu candidato, correu atrás do prejuízo de Mário Cardoso. Foi o que permitiu ao professor pular à frente de Valéria e só não fazer o mesmo com Priante porque a corrida acabara. Se essa hipótese se concretizasse, como o PT se definiria no 2º turno? Certamente com muito maior vontade de vencer do que lhe permitia a estratégia do Palácio do Planalto, de ajudar os aliados, como o petebista Duciomar, a se saírem bem nos redutos de menor expressão política, como Belém.
Eliminado Mário Cardoso, era evidente que a neutralidade anunciada pela governadora não passava de um código para favorecer a reeleição de Duciomar. O prefeito foi obsequiado com o repasse de nove milhões de reais de ICMS na semana anterior à votação do 2º turno. Tirou o máximo de dividendos eleitorais dessa verba, juntada ao grande fundo que formou graças ao acesso ao erário: aplicou-a em asfaltamento telegráfico pelo subúrbio e outras obras à minuta. Mostrou ao eleitor que trabalhou até o último momento, justificando a imagem de administrador operoso, que a propaganda lhe pespegou (com cola vagabunda, é verdade, mas suficiente para durar alguns dias e garantir a vitória, embora apenas no 2º turno, ao contrário da maioria dos prefeitos, que se reelegeram já no 1º turno).
Mais do que um partido, o PT é uma seita, ou um partido confessional, que se formou sob a bitola do partido único, predestinado a realizar o futuro, o progresso dos povos. Não surpreende que considere irrelevante honrar compromissos ou acordos políticos. Rompe acertos explícitos sem drama de consciência. Priante pode chorar quantas lágrimas quiser que não mudará a situação. As lágrimas, aliás, são de crocodilo: quem faz acordo com o PT não ignora essa premissa, ainda mais um estrategista como Jader Barbalho, ou mesmo Priante. Eles sabem que a quebra da palavra terá compensações na acomodação dos seus interesses e quadros na máquina do poder, outra das qualidades na qual os petistas são mestres: o preenchimento de cargos comissionados (numa ligação atávica com os comissários do povo).
Se vencesse, o PMDB também quebraria qualquer acordo prévio, conforme é a regra dos partidos sem espinha dorsal que proliferam no Brasil. A diferença está em que apenas o PT se considera imaculado, pressupondo que a sujeira, mesmo quando grossa e evidente, não gruda em seu corpo celestial, por isso mesmo incorpóreo. É a metafísica da inocência, que os petistas praticam mesmo quando flagrados em pleno delito, como se fossem invisíveis nos momentos de falta.
Mas não foi só o PT que contribuiu para a derrota de Priante. Ao começar o 2º turno com tendência de ascensão, enquanto o adversário declinava, o ex-deputado federal pareceu ter-se deixado contaminar pelo ambiente do "já ganhou". O que até então se insinuava discretamente se escancarou: a arrogância, a petulância, a grosseria e a agressividade. Seu programa de campanha parece ter incorporado esse estado de espírito, explorado com inteligência pelos marqueteiros de Duciomar Costa. Ao expor suas garras, Priante também se expôs a outro golpe, que se revelou eficaz: a associação ao primo, Jader Barbalho.
Jader sabia o que fazia ao se omitir da campanha eleitoral em Belém e Ananindeua. São os dois colégios eleitorais que mais o rejeitam, embora dispostos a ser condescendentes se ele não aparecer. É uma situação estranha. Sem Jader, Priante não teria passado para o 2º turno. Com Jader presente, não poderia ganhar na nova votação. A explicação para o paradoxo está no índice de rejeição ao ex-governador, maior do que 50% em qualquer cenário (o que inviabiliza a possibilidade de vitória numa eleição majoritária, como a de prefeito, ou a de governador).
O tom agressivo de Priante nos debates foi a deixa para seus inimigos baterem na sua ligação a Jader, tanto de forma direta, como nas páginas de O Liberal (que publicou uma charge demolidora como ilustração de matéria negativa ao ex-ministro, na véspera da eleição), quanto nas táticas de guerrilha, dentre as quais a difusão em larga escala, na periferia de Belém, de uma edição crítica do hebdomadário O Paraense. Esse foi o arremate da derrota de Priante.
Com um capital de quase 300 mil votos na capital e presença marcante em alguns municípios do interior, com ênfase no Oeste do Estado, ele poderá ser a opção do PMDB para ter candidato próprio ao governo em 2010? É uma hipótese a ser submetida a teste de consistência, mas com poucas chances de se consolidar, embora Jader já tenha se apresentado como defensor de candidatura própria do PMDB, no plano nacional e em nível estadual.
Priante pode ser um grande líder peemedebista à sombra de Jader? Ou só terá lugar ao sol destronando o chefe maior, sempre sujeito ao desgaste da rejeição majoritária? Entre os dois primos se abrirá um fosso por efeito dos desacertos, mágoas e desinteligências de campanha? Ou eles estão condenados (simbolicamente falando, neste caso) a continuar a caminhada juntos?
A pergunta pode ser estendida às facções do PT, que continuam a se digladiar mais intensamente no circuito interno do partido do que com os seus adversários, e a de outros partidos com pretensões a mando. Como sempre acontece depois de uma medição eleitoral de forças, eles começarão agora uma temporada de avaliação para saber o que podem oferecer e o que podem comprar. As cartas voltam a ser reembaralhadas e toda surpresa é possível nesse tipo de movimentação, que muda tudo para que tudo continue igual.

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