Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;
Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:
Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: - Juízo.
Esse soneto foi escrito por Artur Azevedo, um dos grandes nomes do teatro brasileiro do passado. Arthur Azevedo nasceu em 1855 e morreu em 1908. Foi poeta, autor teatral e, naturalmente, virou personagem da história cultural do país. O nome do soneto é “Velha anedota”.
A linguagem usada pelo poeta já dá a dimensão clara de que se trata de sujeito antigo. Afinal, quem é que, hoje, chamaria alguém de “frívolo peralta”? O nosso consagrado Aurélio, socorrista de primeira hora, esclarece que “frívolo” é um sujeito fútil, leviano, desses que fazem ou dizem coisas sem pensar no que estão fazendo ou dizendo e nem se preocupam muito ou até nada com as conseqüências do que dizem ou fazem. “Peralta” já é palavra mais conhecida, embora, lá nos tempos do autor, possa ter tido significado um pouco diferente do que tem hoje. “Paspalhão” também não é grande novidade. É um sujeito meio bobo, desses que andam por aí fazendo ou dizendo coisas sem cabimento ou conteúdo. E, que tal a história do “lá um dia deixou de andar à malta”? Bem, era uma das maneiras que se usava para dizer que alguém saia por aí junto com outros tantos vidas-tortas para atazanar a vida alheia ou simplesmente para gozar os prazeres do mundo sem maiores conseqüências ou responsabilidades.
O rapaz, nomezinho difícil, devia se adorar. E isso, logo a primeira vista, não parece uma tarefa muito fácil. Afinal, além das más qualidades que o poeta lhes descreve, ainda atende pelo nome de Tertuliano que, convenhamos, não deve figurar na lista dos nomes mais charmosos. Mas quem foi que disse que tipos como esse têm auto-crítica suficiente que os impeça de se adorarem? Afinal, se tivessem um mínimo de senso, não seriam como parecia ser o Tertuliano escolhido pelo poeta para figurar na anedota. E o moço, então, lá estava na frente do espelho se admirando consigo mesmo, com suas qualidades, seus talentos, sua belezura. Até que alguém mais sério e menos frívolo, lhe deu a sentença fatal.
É claro que o poeta escreveu o soneto com a intenção de que fosse uma anedota e até lhe deu esse nome. Curioso é que ainda a chamou de “velha anedota”. Isso lá pela segunda metade do século XIX, ou seja, mais de cem anos atrás. Pelo jeito, essa mania de sair por aí papagaiando sem o menor cuidado ou responsabilidade já era coisa antiga lá pelos tempos do nosso poeta. E, no entanto, dando-se um passeio rápido pelas páginas dos jornais de hoje ou pelas ondas da transmissão das emissoras de rádio e televisão, qualquer um percebe que de antiga, essa história não tem nada. Se alguém duvidar, basta prestar um pouco de atenção sobre o que tem sido dito a respeito da crise internacional que tomou conta do mundo. Ou do que tem sido manifestado por uns tantos anacrônicos que insistem em reviver toda a história das torturas ocorridas nos tempos da ditadura militar e a extensão da lei de anistia promulgada lá pelos idos de 1979. E mais recentemente, as manifestações de ufanismo ligadas à eleição do mais novo presidente da república nos Estados Unidos.
De velha, a anedota não tem nada. Os peraltas continuam, firmes e fortes, num processo de auto-estima que mais parece auto-paixão ou auto-adoração, fazendo declarações de amor a si mesmos sem a menor preocupação com o conteúdo do que dizem. Bom é que, de um modo geral, tudo o que dizem é sempre muito frívolo, sem maiores conseqüências para a vida real a não ser que se continua marcando passo sem sair do lugar. Enfim, o que não nos tem faltado são Tertulianos. Mas o que anda fazendo falta, mesmo, é o pai sisudo, que por trás da cortina ouvindo tudo, severamente reponha o que é preciso: Juízo.
09 de novembro de 2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário