Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós
A Companhia Vale do Rio Doce, impulsionada pelos grandes aumentos nos preços das matérias primas, foi uma das empresas que mais cresceu no mundo nos últimos anos. Sem dúvida, foi a de maior desempenho no setor mineral, siderúrgico e metalúrgico. Agora a dúvida, gerada pela atual crise econômica internacional, pode ser dividida em duas partes. A primeira: depois do salto, haverá o tombo? A segunda: de qual tamanho?
Os dados sobre a produção da empresa em 2008, divulgados na semana passada, não escondem a significativa retração que houve no quarto trimestre do ano, de mais de 26%. Ainda assim, recordes de produção foram batidos comparativamente a 2007, em virtude do ritmo superaquecido da produção até setembro de 2008. Se no último trimestre a demanda mundial não tivesse caído tanto, os números finais seriam impressionantes – mais do que isso: seriam chocantes.
A Vale incrementou o máximo que pôde as suas frentes de produção para aproveitar a maré ascendente dos preços e acumular reservas para o período de calmaria e refluxo que se seguiria? Ou a empresa não avaliou corretamente a crise e o seu tamanho, tendo que refrear seu ímpeto, com ônus para seu equilíbrio econômico-financeiro? Qualquer que seja a resposta, a questão agora é o ajuste da antiga estatal ao andamento da economia internacional pelo próximo período, cuja duração ainda é incerta.
O relatório que acompanhou as estatísticas de produção sustenta que a Vale mantém sob seu comando suas atividades e que elas seguirão seu planejamento, com algumas variações e adaptações em função do desaquecimento da demanda pelos seus produtos. Se esse prognóstico é correto, o Pará tem mais motivos para se preocupar com a tendência apontada do que em saudá-la como positiva.
A siderurgia no mundo todo foi desaquecida, mas não paralisada. Fornecedores com menor capacidade de competição ficarão pelo meio do caminho, mas quem dispõe de mercadoria de boa qualidade continuará a vender, ainda que em menor quantidade ou por preço inferior. A produção de ferro em Carajás bateu o recordo histórico em 2008 e nada indica que se reduza de forma expressiva. A elevada qualidade do minério, o melhor do mundo, manterá a extração, só que agora não mais remunerada por valores até então inconcebíveis. Se com a tonelada a 60 dólares posta no porto de embarque o Estado mais padeceu do que usufruiu dos benefícios, na nova situação o desequilíbrio será maior.
A situação é a mesma do manganês, outra matéria prima da siderurgia. A mina do Azul, a maior do país, chegou a dois milhões de toneladas (do total de 2,3 milhões da Vale), marca que não só não se pensava ser atingida, como não se desejava que o fosse. Representa uma sangria irreparável porque poderá eliminar de vez a possibilidade de acrescentar valor ao produto no próprio local, através da industrialização. O Pará minerador está cada vez mais distante de um Estado manufatureiro.
Se os setores do níquel e do cobre poderão não retomar a escala de produção que ainda conseguiram manter em 2008, com o expressivo desempenho da mina do Sossego, já a principal fonte de cobre para a Vale, o ciclo do alumínio resistiu ao choque internacional. Baixou a produção de bauxita no Trombetas (ainda assim, na escala de sete milhões de toneladas), mas não os valores finais. A mina de Paragominas chegou ao limite da sua capacidade inicial, de 4,5 milhões de toneladas, devendo dobrar esse valor em 2010.
A fábrica de alumina da Alunorte já opera no nível de 6,2 milhões de toneladas, de longe a líder mundial desse setor, e a Albrás empacou na sua capacidade máxima, de 455 mil toneladas, por falta de energia para a expansão. Energia que deverá vir do gás da bacia do Pará-Maranhão, se as prospecções em curso forem bem sucedidas, ou do carvão da Colômbia e da África, onde a presença da Vale se acentua.
Quem examina com atenção os registros físicos da produção, ainda sem o complemento necessário dos números do faturamento, não conseguirá deixar de concluir que a Companhia Vale do Rio Doce se internacionalizou mais do que supõe a opinião pública e a própria empresa admite. Suas estratégias, embora sujeitas a erros, que poderiam ter sido desastrosos (como a felizmente fracassada tentativa de comprar a Xstrata), têm uma perspectiva muito mais ampla do que a moldura nacional da sua origem, numa tendência de deslocamento para fora do país. Nesse contexto, o Pará, tão importante para o sucesso dessa estratégia, cada vez mais se torna um detalhe dentro da corporação. Por um motivo principal: falta de conhecimento sobre o que a empresa é e de capacidade de intervenção nas questões que lhe dizem respeito.
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