A crise internacional não afetará a remuneração dos acionistas da Companhia Vale do Rio Doce. A empresa anunciou, na semana passada, que neste ano destinará 2,5 bilhões de dólares para a remuneração mínima dos detentores dos seus papéis, o que significa quase meio dólar de rentabilidade por ação, seja ela ordinária ou preferencial, a ser pago em duas parcelas (em abril e em outubro). Foi esse o valor estabelecido pela empresa para a remuneração mínima em 2008, que começou a todo vapor, prenunciando o melhor de todos os anos para a Vale. A proposta ainda será submetida pela diretoria executiva ao conselho de administração da ex-estatal, mas a aprovação é considerada certa.
No comunicado distribuído à imprensa, a antiga CVRD informa ainda que o valor proposto é 24,5% superior à remuneração total média dos últimos três anos, entre 2006 e 2008, sendo “consistente com as diretrizes da política financeira da Vale, que prevêem a conciliação do financiamento das oportunidades de crescimento rentável com a preservação de um balanço saudável, fator essencial diante de um cenário de recessão global com várias incertezas sobre o futuro".
A questão merece uma reflexão. Os três últimos exercícios da companhia foram marcados por sucessivos recordes, graças à expansão desenfreada do consumo da China e aos preços sem igual das principais commodities comercializadas pela Vale. O principal efeito desse desempenho foi o pagamento de dividendos em escala tal que colocaram os papéis da empresa entre os de maior atração na bolsa de Nova York. A rentabilidade obtida pelos acionistas da Vale superou a dos banqueiros, algo fenomenal diante dos juros praticados no Brasil. As “incertezas sobre o futuro” trazidas para 2009 já fizeram a empresa demitir pessoal, reivindicar a redução do custo da mão-de-obra e cobrar uma espécie de AI-5 corporativo. Mas não atingiram a remuneração dos acionistas, que continuarão a ter as mesmas garantias dos anos anteriores.
Agindo assim, a Vale diz que concilia o “financiamento das oportunidades de crescimento rentável com a preservação de um balanço saudável”. Ela quer dizer que os ricos continuarão a investir nela, sejam acionistas como banqueiros, garantindo-lhe capital para continuar a crescer a despeito da recessão mundial. O executivo Roger Agnelli está pedindo que a sociedade lhe entregue um cheque em branco, confiando na sua capacidade e no seu faro.
Para poder lhe dar carta branca, dissipando alguns dos efeitos da crise, a opinião pública – que poderia se expressar através do principal controlador nominal da Vale, o fundo estatal Previ – precisa submeter a reavaliação seu desempenho à frente da segunda maior empresa do país e da sua principal fonte de divisas. As duas situações resultaram da época de vacas gordas, quando a companhia se comportou como se fosse uma simbiose da cigarra festeira com a formiga operosa. Agora, na estação das vacas magras, é preciso verificar se a face produtiva da Vale prevaleceu e irá predominar. A fixação em dividendos centrados no mercado internacional parece indicar que não. De qualquer maneira, para fazer a prova dos nove, é preciso verificar o que a empresa anuncia e confrontar sua palavra com a realidade.
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