domingo, 8 de março de 2009

Lúcio Flávio Pinto: A sujeira nacional

Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós


O senador Jarbas Vasconcelos, autor de conceitos sobre o PMDB que exalaram pelo país como aquela matéria fétida quando colocada diante de um ventilador em atividade, é um homem virtuoso, no sentido que há cinco séculos Maquiavel impregnou no político desejável, o agente da transformação, que traz consigo as sementes do novo tempo? Definir essa condição é um procedimento indispensável para compreender as conseqüências da iniciativa: com suas denúncias, o ex-governador de Pernambuco teceu uma bandeira para reformar o país ou apenas lançou mão de um recurso da argúcia para continuar sua carreira, dando um passo além dos limites em que se encontra?
O político pernambucano é fundador do PMDB, ainda na sua primeira versão, de MDB. Nele permanece até hoje, passados 43 anos. Ora emerge das sombras e ilumina o palco político nacional, ora imerge no seu paroquialismo pernambucano. Não saiu do partido para fundar um novo, como o PSDB, ou se filiar a um já existente, no qual pudesse acomodar melhor suas bem fundamentadas preocupações éticas. Que não o fizesse enquanto o MDB era a única alternativa aos oposicionistas na camisa-de-força do bipartidarismo imposto pelos militares, entende-se. A imobilidade no pluripartidarismo é um elemento de obscuridade na biografia de Jarbas Vasconcelos.
Sua entrevista a Veja não parece ter nada de espontâneo, nem resulta de uma indignação represada até esse momento – e que explodiu como novidade e surpresa. Tudo indica que foi pensada e articulada como mais um momento na estratégia da candidatura à presidência da república do governador de São Paulo, José Serra. Visa desatracar o PMDB da aliança com o PT e aproximá-lo da nau do PSDB, ou, pelo menos, não deixar que se dirija em fila única para a lancha da ministra Dilma Roussef, a ungida pelo chefe para sua sucessão, como procônsul do Lulismo.
Esta é a conjuntura das declarações do senador, que relativizam sua aura de herói e seu perfil de grandeza. Quebrou a ormetà não como a virtù que Maquiavel desejava no príncipe da vanguarda, mas como um pragmático. Muito mais limpo do que a média dos companheiros, é verdade. Mas também com muito maior presunção. A despeito das circunstâncias, porém, o que se apura do posta-restante das fortes – e nada inéditas – declarações de Vasconcelos é uma lama fedorenta, espessa e extensa, que penetra por todos os cantos das coberturas do poder nacional.
Veja, sem a menor preocupação em demonstrar suas conclusões, arrolou o valor atualizado das fortunas inexplicadas (e inexplicáveis) dos principais líderes peemedebistas, incluindo o inevitável Jader Barbalho. Cada um dos apontados podia se quisesse contestar os números, o que não farão pelo princípio elementar do peemedebismo de que bom cabrito não berra (sobretudo se flagrado em falta).
Ao concentrar nessas figuras a chaga nacional, a revista desviou a atenção para uma das faces da questão da dilapidação dos recursos públicos e o seu uso para o enriquecimento privado. Sem políticos tão numerosamente ruins, como os que tem o PMDB (e todos os demais partidos políticos, sem exceção), tanto dinheiro não sairia dos cofres do erário para o entesouramento privado. Uma parte do dinheiro ficou nos bolsos desses maus políticos. E a outra parte, que, talvez, seja a maior? Onde ela foi parar? O agenciamento político, que criou fortunas surpreendentes, é apenas uma parcela, a da comissão, que, por mais imoral que seja, é a proporção menor.
Para desinfetar a república, a assepsia precisa ser geral e irrestrita. O que o senador pernambucano e a revista paulista fizeram é apenas o tratamento cosmético. O que ofereceram ao país é o boi de piranha. É preciso atacar o boi, mas não esquecer que, por trás dele, há uma manada. Se não pelo número de indivíduos, que é menor, pelo volume de dinheiro que colocam no bolso.

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