domingo, 5 de abril de 2009

Pará revive corrida do ouro, arrastando velhas mazelas

Garimpos em Altamira, Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso reúnem cerca de 10 mil pessoas

Leonencio Nossa

O Estado de São Paulo

Recomeçou a corrida do ouro no Pará. Milhares de garimpeiros que estavam sem trabalho nos povoados e cidades do Vale do Tapajós seguem pelas trilhas paralelas aos igarapés em busca de filões abertos e reativados nas clareiras da floresta amazônica. Parte dos maltrapilhos esteve nos formigueiros humanos de Serra Pelada e do Creporizão, os lendários garimpos da Amazônia dos anos 1980, marcados pela pujança e exploração de trabalhadores.
Bom Jesus é uma das "fofocas" - área de descoberta de ouro - que surgiram recentemente. Fica a duas horas de helicóptero de Itaituba, cidade às margens do Rio Tapajós e a 1.300 quilômetros de Belém. Já estão na "fofoca" duas mil pessoas. José Maria Vales, de 46 anos, é um dos que andaram dias pela mata atrás do novo filão de ouro. "Nunca fui um revoltado. Sou homem de esperança", conta ele, que não "bamburrou" - ficou rico - nas três vezes em que se aventurou num garimpo.
O aumento do preço do ouro no mercado externo, provocado pela crise financeira, e a falência de madeireiras ilegais estão por trás desse fluxo migratório. O sudoeste paraense, em décadas passadas, reuniu 70 mil homens em centenas de frentes manuais de extração ao longo do Tapajós.
A estimativa é de que 10 mil pessoas já vivem a nova corrida do ouro em garimpos de Altamira, Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso. É uma área onde a tradição da garimpagem tem mais de um século. A atividade, porém, vive de ciclos. É comum ouvir na região que, em 1983, o movimento do aeroporto de Itaituba só perdia para os de São Paulo e Rio. Uma foto na sala de passageiros do aeroporto da cidade paraense mostra um monomotor em cima de outro, resultado de uma aterrissagem em uma pista curta e pátio de estacionamento lotado.

DESMATAMENTO

Muitas são as histórias de contaminação dos rios e igarapés de Itaituba por mercúrio usado no processo de limpeza do ouro. Especialistas, porém, avaliam que a garimpagem, ao aquecer a economia local, ajuda a retardar a chegada da pecuária e da indústria madeireira, apontadas por ambientalistas como as atividades que mais desmatam.
Dados de 2007 do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) mostram que o município perdeu 7% de sua cobertura original. Em Xinguara, no sudeste paraense, município de pecuária extensiva, o índice chegou a 88%.
Nenhuma autoridade tinha colocado os pés no garimpo do Bom Jesus até a última terça-feira, quando o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) desceu de helicóptero no local. Sem poder de influência e sem dinheiro, ele disse que queria conhecer "a realidade que não está nos livros". Num encontro com garimpeiros e prostitutas, ele ouviu relatos sobre três pessoas mortas por malária e uma série de casos de escravidão.
Garimpeiros relatam que, após a descoberta do filão, apareceu no Bom Jesus o madeireiro Valmir Climaco. Em poucos dias, apresentou documento de permissão de lavra e instalou sete máquinas para separar o ouro do barro e das pedras. Ele não é patrão dos garimpeiros, mas os homens que retiram sacos de terra do rio dependem dos moinhos para limpar o ouro. Na véspera da chegada de Mangabeira, Climaco havia sofrido um acidente de avião e estava hospitalizado.

DIREITOS

Num barracão lotado de homens, uma mulher de cabelos compridos se destacou nas reclamações contra o madeireiro. Francisca de Carvalho, 36 anos, a Kika, tomou a palavra: "Aqui todo mundo tem medo de falar", disse, em voz alta. "Verdade", gritaram em eco os garimpeiros. "No garimpo tem duas mil pessoas, mas só dez fazem ouro, por causa do curimã", completou a mulher.
Os garimpeiros explicaram ao ministro que "curimã" é a segunda passagem da terra e das pedras na máquina. O "capitalista" dono do equipamento fica com 20% do ouro produzido na primeira passagem de terra e repassa 80% para o garimpeiro. Só o empresário, no entanto, põe as mãos no ouro do "curimã". Ele ainda fica com o metal extraído por meio de processo químico e cobra R$ 400 pela energia consumida por cada barraca coberta de palha.
Segundo os garimpeiros, a estrutura de poder no local é garantida pela presença de seis homens armados, que trabalhariam para o dono das máquinas.
Desde a descoberta do ouro, três pessoas morreram em decorrência de doenças, sem tratamento. "Quando um colega adoeceu, tivemos de fazer vaquinha para tirar ele daqui", afirma Alex Rodrigues, 39 anos. José Ivan Mata de Lima, 45, reclama da falta de direitos trabalhistas. "Não temos patrão, mas tem gente ficando com todo o nosso ouro. Quero saber se isso pode existir."

A reportagem do Estado viajou a convite do Ministério de Assuntos Estratégicos

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