Reproduzo a seguir o segundo material de divulgação do seminário sobre a Amazônia, realizado em São Paulo, no mês passado, pela Academia Brasileira de Ciência, do qual não pude participar, conforme noticiei na edição anterior. O título da matéria, preparada por Thaís Iervolino, da assessoria do encontro, foi: “Mais soluções, menos demagogia para a Amazônia”. Acho que tem valor documental. Primeiro porque a jornalista editorializou seu texto, fazendo comentários pessoais à margem das declarações dos participantes do encontro. É a ânsia que têm muitos brasileiros de participar do enredo amazônico, com todas as características de um drama – ou de uma tragédia. Em segundo lugar, por deixar nítida a distância que há entre críticos severos do que é posto em prática na região e aqueles que se empenham em converter a raposa em ovelha, utilizando os princípios da responsabilidade social das empresas e a pressão externa, às vezes tão externa que vem de outros países, nas origens das multinacionais. Ambas as posições são necessárias e positivas, desde que se entestem sempre, em benefício de uma verdade produzida pelo atrito da dialética dos opostos. Os debates nesses termos são muito úteis, pena que tão pouco freqüentes.
No vídeo, fazendo uma revisão do contrato assinado pelo governo brasileiro com a Icomi para a exploração da jazida de manganês do Amapá e comparando esse meio século pioneiro da era dos “grandes projetos” com a prática da antiga Companhia Vale do Rio Doce em Carajás, um analista rigoroso chegará à surpreendente constatação de que andamos para trás. O saldo do investimento da tão criticada Icomi em Serra do Navio e Santana parece melhor do que o da Vale em Parauapebas e cercanias, mesmo com todas as justas restrições que se fez ao projeto do manganês comandado pela Bethlehem Steel. Espero um dia poder transcrever o vídeo, gravado de improviso, para submetê-lo aos leitores e estimular um novo debate sobre o tema.
“A Alcoa, a Bunge e o Wall Mart são exemplos de empresa que atuam em prol da sustentabilidade”. Assim falou Fabio Scarano, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também representante da organização Conservação Internacional, durante sua exposição na palestra Ciência, Tecnologia e Inovação de um Novo Modelo de Desenvolvimento, uma das atividades do “Amazônia: Perspectivas e Desafios para a Integração Regional” – evento que aconteceu no Memorial da América Latina, em São Paulo, na terça-feira (17) e reuniu pesquisadores, ambientalistas e empresários para debater temáticas relacionadas à região amazônica.
A afirmação seria louvável se fosse real. Colocar a Alcoa – cujo ramo produtivo é a mineração, uma das que causam mais impactos socioambientais no mundo, a Bunge – que é atrelada à soja e aos transgênicos, e o Wall Mart, que há pouco sustentava a pecuária devastadora na Amazônia é, no mínimo, paradoxal. “Temos que dialogar com as empresas que mais causam danos ao meio ambiente para fazer com que elas passem a agir com sustentabilidade”, disse ele ao mostrar que a organização em que trabalha, Conservação Internacional, atua com esse tipo de empresa. Além de Scarano, cuja palestra baseou-se em ações da organização da Amazônia – principalmente com relação às Unidades de Conservação no Amapá, participaram também Maurílio Monteiro, da secretaria de Desenvolvimento C&T do Pará e Roberto Waack, da empresa A Mata.
Monteiro explicou a situação que vive a Amazônia, cuja educação e cujos projetos acadêmicos são um dos mais vulneráveis do Brasil. Esses dados já são mostrados não só pelos diversos especialistas que há décadas falam sobre isso, como também em índices do governo, anualmente divulgados: apesar de 12,7% da população brasileira viver na região amazônica, menos de 6% do investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) são destinados à área. “É preciso superar os desafios, ampliar a capacidade de absorção e implantar novo sistema de desenvolvimento na região”, disse ele, como se fosse um descobrimento recente (e inédito) de uma possível solução.
Apesar de não estar presente no evento, o jornalista Lúcio Flávio Pinto fez sua apresentação via vídeo e essa foi uma das mais verossímeis de todo o evento. Com uma atuação histórica de denúncias contra mega-empresas que atuam na Amazônia e deixam rastros de devastação, Pinto fez sérias críticas à mineração, citando exemplos como um projeto de extração de manganês no Amapá, durante a década de 1940. “Após 40 anos de retirada do minério, chegou-se à exaustão da mina. A Icomi, responsável pela mineração, recebeu uma multa ambiental e deixou os dejetos a céu aberto”, contou.
Segundo ele, a situação hoje ainda é pior. “90% das pessoas que trabalhavam na Icomi eram seus funcionários. Hoje, 93% das pessoas que trabalham nos projetos da Vale são terceirizados. A justiça trabalhista de Paraupebas (no Pará e uma das cidades onde a Vale atua) é uma das mais congestionadas do país, com 8 mil ações contra a mineradora [e suas terceirizadas]. Para a empresa, vale mais à pena pagar as multas do que arcar com os encargos trabalhistas de seus funcionários”, disse ele.
Após a exibição do vídeo, o coordenador da palestra fez questão de analisar a fala do jornalista: “realmente a mineração causa danos. Mas para a população local, a Vale é a única saída”, disse ele ignorando a capacidade de se terem outras possibilidades e de se cobrar a garantia dos direitos e maior controle sobre as ações da mineradora.Na parte da tarde, discutiram-se Arranjos Multilaterais e Dimensões Estratégicas da Integração Sul-Americana. O destaque, não tão favorável, foi para o Mauro Marcondes Rodrigues, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que fez questão de colocar a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) como uma das possíveis soluções para integrar a América do Sul. “A IIRSA é um fórum, um espaço de debates entre os governos. Ela foi colocada como uma forma de integração para ajudar a se ter uma visão mais integral da região”, explicou ele. Mais uma vez houve um total “esquecimento” de que os projetos definidos pela IIRSA trarão altos impactos socioambientais e também uma completa “amnésia” quanto a outros pontos fundamentais para a integração regional: cultura, educação e outras políticas públicas.
Não se sabe se esses “esquecimentos” todos, presentes durante todo o evento, foram propositais ou se foram frutos de uma possível falta de preparo e vontade de propor mudanças efetivas, além daquelas discutidas amplamente durante anos. Sobra demagogia, falta inovação.
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