Um oficial do serviço secreto do exército dos Estados Unidos perguntou a Albert Speer, preso em 1945 à espera do julgamento dos criminosos de guerra nazistas pelo Tribunal de Nuremberg, dentre os quais era o mais destacado, o que devia fazer para progredir na vida e ser útil ao seu país. “Explore o seu carisma”, recomendou o arquiteto-chefe de Adolf Hitler. Era o conselho mais poderoso que ele podia dar. O carisma salvaria o próprio Speer de ser enforcado junto com os outros 10 principais representantes do III Reich presos pelos Aliados, alguns dos quais com um currículo menos negativo do que o próprio ministro. Ele foi o responsável pelo funcionamento da terrível máquina de guerra do nazismo, que matou dezenas de milhões de pessoas.
Durante 12 anos, Albert Speer foi o auxiliar mais próximo de Hitler, executando todas as suas ordens, exceto a final: destruir tudo que ficasse atrás da retirada das já derrotadas tropas alemãs, na mais selvagem das políticas de terra arrasada de todos os tempos. No que pôde, Speer não cumpriu a determinação. Foi além: disse pessoalmente ao Führer que, dessa vez, não faria a sua vontade. Hitler, seus assessores e o III Reich passariam, mas a Alemanha devia continuar. Surpreendentemente, o maior dos ditadores da história não mandou executar o auxiliar insubmisso, como teria feito a qualquer outro, incluindo Göring, o marechal do Reich, o segundo na linha sucessória propriamente militar (ou paramilitar).
Pelo contrário: Speer é que chegou a conceber um plano para liquidar Hitler e sua equipe mais íntima, já refugiada no bunker ao lado da chancelaria, em Berlim, onde o Führer passaria seus dias derradeiros e se suicidaria, quando as tropas russas já ocupavam a capital. Ao depor em Nuremberg, Speer disse que um detalhe, que impossibilitava a liberação de gás para o interior da casamata, o impediu de matar Hitler antes que ele completasse a destruição do país. Se o III Reich não ia mais durar um milênio, Hitler queria levar tudo que pudesse consigo para o inferno, sem o sentido alegórico da expressão.
Nunca se conseguiu provar ou desmentir essa hipótese. Foi em torno dela, como fato concreto conhecido apenas por ele próprio, que Speer construiu sua brilhante tese de defesa: de que foi leal a Hitler, mesmo em seus paroxismos de loucura, enquanto ele foi leal à Alemanha; quando o exercício poder pelo Führer se tornou estritamente pessoal, e assumiu um caráter paranóico, Speer manteve lealdade apenas à Alemanha.
Mero oportunismo? Não exatamente, já que ele foi ao bunker comunicar a Hitler que decidira se dissociar. E, surpreendentemente, saiu de lá incólume. Estava são e salvo ao ser localizado pelas tropas aliadas, às quais se entregou pacificamente. A partir daí, desmontou o esquema de defesa concebido e liderado por Göring, que, derrotado, conseguiu se suicidar horas antes da execução.
Speer cumpriu os 20 anos da sentença na prisão de Spandau, preparando o novo enredo que desenvolveria a partir da liberação, não só pela postura pública que assumiu, sempre tranqüilo e aparentemente sincero, como através de dois livros, que causaram enorme impacto mundial, se tornando best-sellers e lhe permitindo encerrar sua biografia, em 1981, com a imagem de um renascido, que se purificou purgando sua culpa. A imagem correspondia ao que estava por trás dela? Uns acham que sim, outros garantem que não. O mistério, porém, é maior do que as duas convicções antitéticas. Foi a obra prima intelectual de Speer, tenha sido ele sincero ou não. É um dos casos mais incríveis de utilização do carisma, que, em certa medida, superou outro exemplo ainda mais notável, o do próprio chefe. Adolf Hitler teve que se suicidar. Speer morreu “de velho”, em casa, e redimido.
Sempre que penso em carisma, a história do arquiteto do nazismo me vem à memória como um paradigma, um tipo ideal, na visão das ciências sociais, ou um arquétipo, segundo a psicanálise mítica de Jung. Luiz Inácio Lula da Silva tem um poderoso carisma e sabe manejá-lo tão bem quanto Speer, embora nesse paralelismo seja necessário descer alguns degraus intelectuais ao passar do alemão para o brasileiro (ou subir, se a escala é de valores morais e éticos). Quem se aproxima mais de Lula parece sentir por ele um fascínio que pessoas inteligentes e talentosas sentiam por Hitler ou Speer. Por isso ficaram ao lado deles, seguindo suas ordens mesmo quando não concordavam com seus fins. Como puderam ser tão leais, obedientes e submissos a uma pessoa que, por diversos critérios, exceto o do carisma, lhes era inferior?
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