sábado, 13 de fevereiro de 2010

O perigo de viver

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

Dois irmãos de um secretário do governo do Estado, vítimas de seguidos assaltos na região metropolitana de Belém e da omissão da polícia, podiam ser vistos como a comprovação da distância que há entre algumas estatísticas e a realidade. Os números, apresentados recentemente pela Secretaria de Segurança Público, indicariam a redução da criminalidade e a eficácia da sua repressão. Mas a “sensação de insegurança” da população não se baseia em qualquer forma de fantasia: tem como origem os dramas cotidianos dos cidadãos.

Os irmãos do secretário dos transportes, Valdir Ganzer, entrevistados por uma emissora de televisão, disseram que gostariam de ir para outro lugar mais seguro do que o Murini, no município de Benfica. Só não vão porque é do seu pequeno comércio no local que tiram seu sustento e de suas famílias. Ainda que o negócio esteja sujeito ao ataque dos criminosos, têm que encontrar um meio de sobreviver sem esperar pelo socorro do poder público. A delegacia de polícia fica bem perto, mas é uma precária instalação física, sem gente. “Nunca um delegado veio aqui”, disse o comerciante, apesar de tantos apelos. Ser parente de um integrante da cúpula da administração estadual de nada vale para minorar essa situação, o que pode ser dado positivo em relação às pessoas, mas é água a mais para o moinho da incredulidade e da descrença do cidadão.

É verdade que a inteligência policial foi aprimorada e dela, com base principalmente em denúncias anônimas, a engrenagem da segurança se movimenta. Mas não na proporção das ondas de crimes, que desabam todos os dias sobre as famílias, indistintamente, e nem sempre como o seu oposto, muito pelo contrário. A letra da célebre música de Chico Buarque (“chame o ladrão”), virou hino de ópera bufa (e triste) em todo país. Soa mais cáustica em alguns lugares, como por aqui.

A mudança de hábitos é um dado mais poderoso. Todos sabem o quanto custa alterar os hábitos. A violência generalizada fez os paraenses – e, em particular, os belenenses – se adaptarem aos riscos rotineiros. É crescente o número das pessoas que recorrem a bolsas velhas ou aparelhos celulares avariados quando vão a lugares perigosos (há realmente pontos negros na cidade, ou viver é que ficou perigoso?): o objeto pode ser sacrificado sem maiores prejuízos. Por isso entregam-no logo ao assaltante. Caminhar virou uma espécie de ginkana: o caminhante se mantém atento, reage em atitude de defesa ou ataque quando percebe que alguém se aproxima. Raramente consegue manter-se relaxado.

Muitos gostariam também de encontrar um lugar mais seguro, melhor de morar. Não podendo sair, como os irmãos Ganzer, procuram se adaptar ao meio violento. O que agrava a situação, num ciclo vicioso cada vez mais difícil de desfazer.

Um comentário:

Ruth Rendeiro disse...

Amigo Lúcio !
Sei bem o que é isso. Morei muitos anos em Canudos, a poucos metros da Terra Firme, na Faixa de Gaza, como tristemente batizamos o trecho. Cachorros, vigilância particular e muito medo. Fui assaltada no salão de beleza bem próximo de minha casa. Um 38 na barriga e o trauma que me persegue até hoje. Não é só uma SENSAÇÃO que me acomete em Belém, é pânico mesmo !
Agora estou em Ribeirão Preto (SP). Também violenta, mas felizmente até agora só SENSAÇÃO.
Abração,
Ruth Rendeiro