segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Qual futuro do IDESP?

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal


Menos de dois anos depois de ter sido recriado, o Idesp atravessa nova crise, comparável à que levou à sua extinção súbita e violenta, em 1999. Os petistas podem repetir o erro dos tucanos, que antes condenavam: submeter a pesquisa à política, sufocando a verdade.

José Raimundo Trindade assumiu a direção do Idesp (Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará), no dia 26 de janeiro, com uma proposta inovadora e até mesmo audaciosa: depois da solenidade formal de posse, abriu o primeiro diálogo com a sociedade sobre o tema de trabalho da instituição, o desenvolvimento. Convidou para inaugurarem a prometida série um legítimo representante da academia, o economista Francisco de Assis Costa, com largo e intenso currículo de estudos sobre a Amazônia e o Pará, e a mim, como acompanhante cotidiano da história da região e crítico dos governos, inclusive o do PT, do qual ele faz parte.

Lamentei que o diálogo não tenha sido estabelecido com o presidente anterior do Idesp, Peter Mann de Toledo. Ele foi um incômodo ausente na solenidade, que consistiu em posse, mas não em passagem de cargo, como teria que ser se houvesse harmonia ou pelo menos entendimento entre quem sai e quem entra. Daí todas as especulações, inclusive na imprensa, de que algum estudo recente do Idesp (como sobre o PIB, que confirmou o atraso do Estado) tenha desagradado ao governo. Ou simplesmente que o órgão também foi engajado na campanha pela reeleição de Ana Júlia Carepa, para ser “instrumentalizado”, como se diz no meio político. A iniciativa democrática pelo diálogo seria apenas fogo de artifício para esconder o que virá depois.

O secretário de governo, Edilson Rodrigues de Sousa, tratou logo de desmentir as insinuações e o novo presidente assegurou suas convicções pluralistas e o compromisso de trabalhar a sério, em favor do melhor planejamento das políticas públicas. Suas palavras foram acatadas e ressaltadas, mas é a prática que as confirmará ou desmentirá. Nem haveria especulação, ou ela logo se revelaria infundada, se a transição tivesse sido tão dialogal quanto a assunção da nova direção do Idesp, o que não aconteceu.

O próprio secretário e outros integrantes do governo declararam de público que a mudança foi motivada por razões políticas, embora imaginando fazê-las aceitar como “alta política”. Mas política com P maiúsculo se faz com bons resultados específicos, de cada competência. A do Idesp é fazer pesquisa – e foi justamente com esse compromisso que o paulista Peter Toledo assumiu a presidência do instituto e se pôs a trabalhar. Mas nunca contou com a estrutura mínima para formar quadros (por concurso), um orçamento decente e sede própria, que depende de morosa obra de restauração de um palacete de valor histórico (da família Faciola) no centro da cidade.

Depois de deixar a direção do Museu Emílio Goeldi, fazendo de sua vice-diretora, Ima Vieira, sua sucessora (e ela também conseguir a aprovação do nome que indicou, Nelson Gabas Jr.), e de uma carreira como pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Peter não se enquadrou no modelo que parece ter sido imaginado pelo dito “núcleo duro” da administração estadual. Foi tratado a pão e água, fritado e, quando, ainda assim, resistiu a pedir sua demissão, demitido – com detalhes que não honram quem o afastou do cargo (incluindo a versão de que o ato foi conseqüência de iniciativa do próprio Peter, que meses antes, quando a mãe ficou gravemente doente e morreu, pedira seu afastamento, mas decidiu prosseguir, consumada a perda familiar). O desfecho dessa ópera bufa foi bizarro.

Tornou-se inevitável comparar o final do Idesp, em 1999, sob o tucano Almir Gabriel, com o seu renascimento, em 2008. Quando Afonso Chermont, o então diretor, chegou à sede do instituto para começar seu trabalho, soube, pelo Diário Oficial, que estava demitido – e o primeiro órgão estadual de planejamento do país, criado em 1966, extinto. Franz Kafka não teria imaginado situação mais surreal. Como na metamorfose kafkiana do inseto, Afonso se viu transformado subitamente em nada. E como é que o súbito nada podia se entender com seus interlocutores da véspera, inclusive os que, naquele mesmo momento, aplicavam recursos seus no Idesp, imaginando que a ciência é feita sob um terreno mais sólido, insuscetível à mudança de humores do chefe do governo?

A decisão de extinguir o instituto foi tão avassaladora que não deu nem tempo para as formalidades e gentilezas: foi uma autêntica intervenção cirúrgica – de emergência e, por isso, a frio, com todo trauma decorrente desse método. O órgão não estava sendo punido por suas falhas ou lacunas evidentes, mas justamente por ainda conseguir cumprir uma das suas funções: fornecer informações à sociedade. No caso da sucumbência idespiana, estatísticas que revelavam a incapacidade do governo de cumprir um dos seus compromissos de campanha, apresentado em 1996, e a ser renovado em 2000: criar 400 mil novos empregos no Estado. Pelo contrário, o saldo era negativo.

Ao invés de mudar a realidade, o mais fácil e tentador é escondê-la. Assim, mais uma vez o mensageiro das más notícias foi sacrificado pelo destinatário furioso – e com poder de causar a morte. Com um golpe de bisturi, o governador-médico Almir Gabriel eliminou a criatura que não se acomodava ao seu modo autoritário de comandar a máquina pública estadual. Na posse de José Raimundo, o secretário de governo admitiu a história como hipótese, como lenda. Mas os fatos ainda são muito recentes e estão minuciosamente documentados nas edições deste jornal da época para que já possam ser abrangidos pelo vasto manto brumoso da mitologia.

Também deviam ser consideradas mitológicas as interpretações sobre uma nova sanção aplicada ao Idesp justamente pelo governo que o ressuscitou, também insatisfeito em conviver com uma parte do seu corpo que não se conformava ao todo, à ordem unida imposta sobre a totalidade do governo para a tarefa – nada fácil, mas também nada impossível – de garantir a continuidade de Ana Júlia. A se confirmar esse entendimento, será mais uma ironia da história: os petistas repetem os tucanos nas práticas que antes condenavam.

Os discursos da “refundação” do Idesp em 2008 tocaram em dois pontos nevrálgicos que ocasionaram sua morte e são vitais para a sua perenidade. Na ocasião, a governadora, que comandou pessoalmente a solenidade, disse que o PT encontrou o governo sem informações. As decisões eram tomadas à base do conhecimento empírico. Mas que, a partir daquele momento, o Idesp seria um órgão mais da sociedade do que do governo.

Se fosse assim, não teria sido necessário demitir o dirigente do órgão, afastado por razões políticas e não administrativas, técnicas ou científicas. Se fosse a boa política, a transição teria sido pacífica, normal. A governadora teria feito questão de estar presente ao ato de demissão, seguido da posse, diante do público. O chefe da Casa Civil, Cláudio Puty, o personagem mais citado nas conversas de bastidores, como o articulador da troca, compareceria para negar a veracidade das versões, abraçar o ex-colega de governo, prestigiar o novo cargo assumido pelo ex-secretário da Fazenda e afastar as maledicências sobre seu jeito maquiavélico de agir para se eleger deputado federal, fortalecendo sua vertente política.

Dois anos depois, o cidadão que devia estar à frente dessa trajetória foi colocado de lado, sem qualquer explicação pública, e outro cidadão posto em seu lugar, com a reiteração dos compromissos, que já deviam ter se materializado, mas que travaram na falta de apoio superior e se desviaram para caminhos ínvios pelas barreiras colocadas no caminho. A abertura do diálogo foi importante, mas não faz a remissão do erro nem é garantia do acerto. Agora, mais do que falar, é preciso fazer – e o que é também irônico: não o que foi feito recentemente, até criar a mais nova crise no Idesp.

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