segunda-feira, 29 de março de 2010

Eleição sem povo

Lúcio Flávio Pinto

Editor do Jornal Pessoal

A boataria segue desenfreada sobre as articulações para as próximas eleições. Há de tudo no cardápio. Menos o atendimento dos verdadeiros interesses públicos. Povo? Só para votar.

Segundo se diz das pesquisas, o deputado federal Jader Barbalho está em primeiro lugar tanto na disputa para o governo do Estado quanto para o Senado. Sobre sua reeleição para a Câmara não há sondagens: ela é dada como certa. Mais do que isso: ele seria o campeão dos votos, podendo eleger mais dois ou três deputados federais para a bancada do PMDB. Jader estaria então com a faca e o queijo na mão, podendo decidir à vontade sobre o que pretende ser e com quem deseja se aliar?

Pelo contrário: ele está numa situação mais difícil do que a de 2006. Na eleição de quatro anos atrás Jader tomou a iniciativa de acertar a aliança com o PT em Brasília e montou a estratégia, que foi bem sucedida. Lançou um candidato próprio, o primo José Priante, que teve votos suficientes para garantir a passagem da petista Ana Júlia para o 2º turno, impedindo que o tucano Almir Gabriel vencesse no 1º turno. Na nova eleição, o apoio a Ana se ampliou pelo desejo de muitos setores de pôr fim aos 12 anos de hegemonia do PSDB no Pará, independentemente de quem colocar no lugar de Simão Jatene.

Jader imaginou que seria o fiador e a eminência parda do governo de Ana Júlia, dando as cartas como quisesse. Isso não aconteceu. A cada desgaste se seguia uma negociação para restabelecer a aliança precária, na qual os parceiros desconfiavam uns dos outros. Mas houve tantos desgastes e tantas negociações que o acordo de 2006 parece ter chegado ao fim. O próprio Jader tem dito a interlocutores que não quer mais nada do governo do Estado. Seu jornal, o Diário do Pará, faz oposição cerrada à administração petista, todos os dias, com ou sem razão sobre o que noticia. A orientação é bater no ponto mais vulnerável da governadora: sua imagem, bastante desgastada, contribuindo para aumentar ainda mais seu já elevado índice de rejeição.

A tradução lógica desses fatos é que, desta vez, o PT vai encontrar o PMDB do outro lado do palanque. Mas com que chapa? Se as pesquisas fossem servir de parâmetro, com Jader Barbalho na cabeça. Nas suas intensas peregrinações pelo interior, ele garante que voltará a disputar o governo. Para os mais íntimos, confessa que é seu desejo. Mas o realismo lhe impõe freios. Sem dúvida ele passaria para o 2º turno, colocando o candidato tucano para fora do ringue (e de volta à pescaria).

Mas qual será o efeito do seu também alto índice de rejeição quando a decisão estiver polarizada, provavelmente com Ana Júlia? Qual deles se apresentará aos indecisos, aos céticos e aos contrários como “o menos pior”, o menor dos males? Ainda não há uma resposta a essa questão. Ela continua a ser uma incógnita. Como a eleição deste ano no Pará de modo geral.

Então Jader preferirá o Senado, para o qual sua vitória também é tida como certa. Mas o que acontecerá quando entrar de novo na Câmara Alta? Terá que se submeter à tática do gato e do rato, sempre fugindo da notoriedade, que adotou na Câmara Baixa, mas que talvez já o tenha cansado? Com quase sete vezes menos parlamentares no Senado e maior atenção pública, é provável que não seja bem sucedido. Logo se tornará alvo da grande imprensa, sempre que ela precisar de um símbolo do mau político, ainda que muito influente. Seu passado não deixará de ser lembrado e os processos retomarão seu rumo. Jader ainda não foi alcançado pela lei, mas parece estar condenado ao estigma do mau político até o fim.

A melhor opção, em tese, é também a mais arriscada: tentar voltar ao poder executivo estadual, com poder de mando direto e saindo do foco nacional, para preparar novas alternativas no futuro. O problema dessa via é que uma derrota deixaria Jader Barbalho inteiramente exposto e à mercê dos seus adversários. Mas se é seu desejo íntimo um terceiro mandato como governador pelo voto direto, o que Almir Gabriel tentou e não conseguiu, esta é a oportunidade, ainda que temerária. Talvez a última.

Qualquer candidato que decidir enfrentar Ana Júlia terá que levar em consideração a força da máquina oficial. Apesar da rejeição recorde à governadora, e por isso mesmo, ela está tentando todos os meios para dar ao aparato do governo aquele poder decisório que ele costuma ter até o dia da votação. O problema é que a máquina tem rateado muito. A receita própria do Estado sofreu uma perda maior do que a que pode ser debitada à crise internacional. A parcela da incompetência nesse total não pode ser minimizada, assim como o efeito dos canais de perdas e fugas de receita. Para manter a engrenagem em funcionamento, o governo precisou do socorro de Brasília, que providenciou transferências voluntárias compensatórias, e de mais operações de crédito, em volume crescente.

Essa demanda se tornou tão acentuada que deu aos ex-aliados e oposicionistas uma arma que estão usando, ao impedir a aprovação de dois novos empréstimos (mas fechando questão sobre o maior deles, de 366 milhões de reais, porque de pleno uso do Estado), e irão usar ainda mais, mesmo se o dinheiro acabar saindo, necessariamente dividido (os outros R$ 190 milhões para obras do PAC). Assim, a sorte do PT no Pará dependerá ainda mais de Brasília agora do que quatro anos atrás. O Palácio do Planalto estará em condições de responder a essa necessidade? Terá interesse em fazê-lo? Poderá fazê-lo?

Se tiver que se sujeitar a dois palanques, o PT nacional, além de ficar impedido de promover a presença física de Lula no Pará, precisará abrir dois ou mais canais de diálogo (e de ajuda) com seus outros aliados nacionais, como o PMDB, o PTB e o PR. A situação ficará mais complicada se esses três partidos se unirem contra Ana Júlia (com a possibilidade de a eles se agregar o PDT, que tem ganhado consistência).

Essa hipótese vem sendo cogitada, mas parece que ninguém ainda encontrou um jeito de torná-la exeqüível. Há o estorvo da ação do PMDB pela cassação de Duciomar Costa, do PTB, em pleno andamento. José Priante, que assumiria com o afastamento do prefeito de Belém, garante ir até as últimas conseqüências. A tendência dominante parece ser no sentido de punir Duciomar, mas não há motivos para ter convicção de que a ação tramitará com a celeridade necessária.

Se Duciomar for cassado pela justiça eleitoral, seu vice, Anivaldo Vale, cabeça do PR, também será atingido. Seu partido, que cresceu tanto quanto o PMDB na conquista de prefeituras no interior, vem sendo seduzido pelo PT, que considera a adesão do PR – e talvez também do PTB – garantia de vitória. Sem a possibilidade de uma aliança geral, que harmonizaria os interesses, resta saber quem ganhará esse cabo-de-aço.

A tendência que parecia mais certa, a de medidas protelatórias ou acertos para evitar os processos de cassação, foi invertida com a decisão de transferir o caso para a justiça federal. Para evitar ficar sem mandato e poder ainda entrar na disputa eleitoral deste ano, Duciomar e Anivaldo teriam que renunciar aos seus atuais mandatos. Poderiam se candidatar ao Senado, o primeiro, e a vice-governador, o segundo (ou, quem sabe, o governador, se Jader acabar preferindo a reeleição). Nesse caso, José Priante não assumiria a prefeitura de Belém, hipótese que só teria respaldo legal se houvesse cassação. O preenchimento do cargo abriria uma nova frente eleitoral e política, engrossando ainda mais o quadro da disputa de outubro.

Haveria lugar para encaixar o DEM nesse esquema hipotético? Vic Pires Franco sua não é mais capaz de assegurar reeleição a deputado federal com votação própria. Para ele, o melhor seria que sua esposa, a ex-vice-governadora Valéria Pires Franco, fosse candidata ao Senado, arrastando-o consigo. Mas essa dobradinha só teria força com a benção de Jader, que não parece animado a concedê-la. Talvez pressentindo que o caminho está bloqueado, Vic se volta novamente para o grupo Liberal, do qual se afastara, que passara a criticar e pelo qual fora colocado no índex, justamente pela aproximação com Jader. Reatarão mais uma vez?

A posição do grupo Liberal (ou, melhor dizendo, as diversas posições que assume, de acordo com a mudança dos ventos) é um indicador do ziguezague (e mesmo da biruta) das negociações entre os vários pretendentes ao poder. O jornal dos Maiorana, que já fez ironia e campanha contra Ana Júlia, agora lhe dá destaque e relativa defesa em relação aos ataques do Diário do Pará. A posição face a Duciomar variou do apoio incondicional, à cobertura discreta, à crítica (quando as conversações com Jader começaram) e a uma atitude mais ou menos neutra (conforme a veiculação da propaganda oficial do município). O que indica que nada ainda está decidido, apesar de tanta movimentação em (e entre) todos os grupos.

Se houver uma polarização entre dois candidatos com alto índice de rejeição, seria possível a formação de uma expectativa para uma surpresa, uma zebra? À falta de um verdadeiro tertius até agora, é nesse espaço que o ex-governador Simão Jatene está se movimentando. Suas excursões ao interior, sob a bandeira do Instituto Teotônio Vilela, o apresentam em sua face de técnico, administrador experiente, para contrastar com a improvisação e o despreparo dos seus sucessores. A abordagem tem rendido alguns bons resultados aos tucanos. O pior, porém, ainda aguarda Jatene – e em sua própria casa.

O ex-governador Almir Gabriel transformou em obsessão evitar que seu antigo secretário e homem de confiança seja o candidato do PSDB. O trabalho inclui desde espalhar boatos contra Jatene até desafiá-lo na convenção do partido. Um dos argumentos mais constantes de Almir para se opor a Jatene é de que ele está sob o controle da antiga Companhia Vale do Rio Doce.

Alguns chegaram a espalhar que o ex-governador era empregado da mineradora, mas o que parece ter havido foi (ou ainda é) uma relação contratual: Jatene prestou assessoria à empresa, elaborando um estudo sobre os investimentos que a ex-estatal poderia fazer no Pará. Na retórica agressiva que Almir adotou, esse detalhe é irrelevante. Em duas palestras que fez e nos contatos pessoais, transformou a Vale em inimigo público número um do Estado. E, claro, se apresenta como o Dom Quixote para brandir suas armas contra esse moinho.

Talvez esse discurso tivesse bons efeitos, se não soasse tão fora do tempo. Ainda assim, Almir Gabriel diz ter recursos para, se não inviabilizar, enfraquecer a candidatura de Jatene. Caso o nome do ex-amigo seja confirmado pelos convencionais do PSDB, é bem provável que Almir passe a apoiar a candidatura oposta à de Jatene. Inclusive a de Jader. Sepultará sua biografia sem direito a epitáfio.

Surpresa? Se é, outras poderão ainda surgir nesta fase final de composições para a eleição de outubro, na qual vale tudo. Na defesa dos seus interesses pessoais e corporativos, os políticos são capazes do impossível (como fazer boi voar) para fortalecer suas candidaturas e conseguir o almejado mandato. Só quando tudo estiver concluído é que deverão começar a pensar naquele que devia ser o personagem central dessa história: o eleitor. Não para promover sua melhoria de vida, mas para conseguir o seu voto, mesmo que através de trapaça. Não a primeira e por certo não a última.


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