quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Eleição no Pará : De volta ao antes

Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal


Em 2006 o eleitor paraense despejou os tucanos do governo do Estado, no qual permaneceram por 12 anos. Saíram com uma avaliação positiva, mas a marca elitista da gestão saturou a opinião pública, que buscou uma alternância, a “hora da mudança”, no jargão de então. Neste ano, porém, poderão devolver-lhes o poder, encerrando o mandato então conferido aos petistas.

Quando, quatro anos atrás, Almir Gabriel foi derrotado, poucos podiam prever que o PSDB ressuscitaria das cinzas, como já ocorreu, independentemente de como as urnas virão a se manifestar no dia 3 de outubro. Afinal, de candidato secundário quando a campanha eleitoral foi informalmente iniciada, em abril, a favorito, às vésperas da eleição, Simão Jatene já conseguiu uma façanha: reverter a escrita de que, no cargo, governador dificilmente perde uma disputa pelo voto popular. Sobretudo num Estado pobre, com significativa dispersão populacional e extenso território, como o Pará.

A arquiteta Ana Júlia Carepa pode ver-se frustrada e se tornar a primeira governadora do Pará a não conseguir se reeleger, desde que a recondução à chefia do executivo foi tornada legal, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, que pagou caro pelo segundo mandato (e o cidadão brasileiro muito mais do que ele). Numa disputa em que Lula é o maior cabo eleitoral de todos os tempos na vida republicana nacional, Ana Júlia se tornou a única governadora do PT a não conseguir surfar na imensa onda de popularidade do presidente.

O desempenho da governadora foi tão ruim que a eleição majoritária deste ano deverá ser definida pelo critério negativo. Parcela principal do eleitorado já decidiu em quem não votará de maneira alguma: será em Ana Júlia. Sua forte rejeição levou ao desespero os integrantes da sua campanha. Tornada remota sua possibilidade de vitória no 1º turno, o empenho – que é total – voltou-se para levar a eleição ao 2º turno, quando uma categórica vitória de Dilma Rousseff, já no 1º turno da disputa presidencial, reforçará a posição da governadora.

Para onde migrarão esses votos, agora anti-PT, que em 2006 interromperam a sucessão tucana? Até aqui, o resultado da desilusão com os petistas beneficiou Simão Jatene. É como se o eleitor voltasse à situação de quatro anos atrás para corrigir um equívoco: o lançamento do ex-governador Almir Gabriel como candidato do PSDB, quando o mais cotado para a disputa era Jatene, que poderia ter-se reeleito, mesmo enfrentando o PT e (quem sabe?) o PMDB, se é que Jader Barbalho apresentaria candidato próprio em tal situação.

Talvez, se houvesse alternativa real ao PT, o eleitor não fizesse a regressão ao PSDB, embora o partido que agora se apresenta com possibilidades reais de vitória não seja mais aquele de 2006, quando Almir atropelou a todos e se impôs como candidato, mesmo diante do ceticismo da maioria dos seus correligionários. Com o comportamento burlesco do ex-governador na atual temporada, mais tirando voto para o apoiado do que atraindo opções, seus dias chegaram definitivamente ao fim. Almir podia ter-se despedido da política de forma mais apropriada e coerente com a sua biografia. De castigo por tantos erros, terá um epílogo melancólico.

Ele ficou ao lado de Domingos Juvenil, aposta temerária de Jader Barbalho para garantir sua posição na política paraense. O candidato não convence. Ao vê-lo no programa da televisão, muitos eleitores devem ter sentido um recuo à desastrosa candidatura de Hélio Gueiros ao Senado, transformada em pantomima pela incapacidade do candidato de se ajustar à nova correlação de forças, que não mais o contemplava como dono de votos suficientes para um novo vôo majoritário. Também foi um encerramento inglório de carreira.

Poderá estar se desenhando um destino semelhante para Jader Barbalho? Esta pode ser uma das surpresas involuntárias – ou caprichosas – da eleição deste ano. Se Domingos Juvenil, ao invés de reeditar a votação de José Priante em 2006, devolver o PMDB aos tempos de vacas magras, com candidaturas sofríveis ou simbólicas, como a de Socorro Gomes (que era do PC do B), Fernando Velasco ou Rubens Nazareno de Brito, a força de Jader se enfraquecerá. Ele pode ter abusado da tolerância do seu eleitor.

Pior será se o Supremo Tribunal Federal mantiver a impugnação à candidatura de Jader ao Senado – e tomar essa decisão antes da eleição, como agora parece mais provável, para evitar a complicação de tomar a decisão depois da votação, que será anulada em caso de confirmação da lei. O ex-governador ficará ao largo da disputa, sem ninguém de peso para substituí-lo e condenado a – no mínimo – dois anos à distância do poder. Peemedebistas e petistas consideram remota essa possibilidade, a partir de um raciocínio em tese: cassado Jader como ficha suja, Paulo Rocha teve o mesmo destino. E dezenas de outros políticos lhes seguirão.

Dilma ficaria então privada de dois senadores aliados no Pará, quando uma das prioridades da estratégia de Lula para garantir seu caminho de volta em 2014 (ou, na pior das hipóteses, uma sucessão petista) é conquistar a maioria do Senado, onde a fragilidade situacionista é de tal ordem que não impediu o fim da CPMF, uma fonte de receita que o governo federal não esperava – nem queria – perder.

O Palácio do Planalto estaria fazendo toda a sorte de pressões para manter as duas candidaturas (e as demais aliadas), contando ainda com fundamentação jurídica contrária ao efeito retroativo da lei da ficha limpa. O voto do relator, Carlos Ayres de Brito, embora acolhendo a cassação da candidatura de Jader e Paulo Rocha, ao se ater na preliminar a um formalismo, ofereceu ao colegiado, que proferirá a decisão final, a oportunidade de encontrar justificativas plausíveis para reformar a sentença do Tribunal Superior Eleitoral.

O STF se disporá, porém, a contrariar a vontade da parcela preponderante do eleitorado brasileiro, que quer fora da vida política pessoas com maus antecedentes? Da mesma maneira como é difícil saber o grau de penetração de Lula entre os ministros da corte suprema, para tentar influir conforme seus interesses, é problemático antecipar a condição subjetiva dos seus integrantes diante da pressão ostensiva da opinião pública em favor do expurgo dos quadros políticos de notório comprometimento no desempenho do mandato conferido pelo povo.

As informações vazadas dos bastidores sugerem que, qualquer que venha a ser a decisão, ela deverá ser por margem mínima de votos no colegiado. O que revela a dramaticidade da questão.

Se Jader e Paulo forem afastados e não conseguirem transferir sua votação aos substitutos, pelo quadro atual, apurado na pesquisa do Ibope encomendada em agosto pelo grupo Liberal (a única até agora divulgada), haveria renovação de 50% nos dois lugares a serem preenchidos na bancada paraense no Senado.

De forma também surpreendente, seria reconduzido o atual senador Flexa Ribeiro, do PSDB, que subiu à câmara alta por ser suplente do titular, Duciomar Costa, do PTB (que se desincompatibilizou para concorrer à prefeitura de Belém). E ascenderia a ex-vereadora Marinor Brito, do PSOL, o destinatário de parte dos votos mais orgânicos do PT, daqueles eleitores que se sentem traídos pela conduta do partido no governo.

Um indicador de que o eleitorado só não deu maior vazão à sua insatisfação com as lideranças políticas no Estado, em especial as que estão no poder, por absoluta falta de opção. De certa forma, como em 2006, a manifestação é pela mudança. Mas elas virão realmente a acontecer?

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