quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A derrota anunciada de Ana Júlia

Lúcio Flávio Pinto

Os marqueteiros, com seus egos inflados, duelam entre si atrás de culpados pela derrota de Ana Júlia Carepa. Mas se há um responsável pelo resultado desastroso da eleição para o PT no Pará é a própria governadora. Ela encerra um ciclo que nem começou.

Uma fogueira está ardendo em Belém muito antes da quadra junina: é a fogueira das vaidades. Marqueteiros políticos trocam alfinetadas e espalham brasa ardente para o lado de concorrentes e adversários. Um aponta o outro como responsável pela derrota da governadora Ana Júlia Carepa. Embora partam da mesma premissa, de que o marketing é importante, mas não elege ninguém, chegam a conclusões diferentes e contraditórias, como se a mágica, à maneira das bruxas, nas quais não se acredita, mas é melhor não mexer com elas, pudesse ter produzido no Pará o milagre desacreditado nos outros lugares.
Dezenove governadores tentaram a reeleição neste ano. Dez deles conseguiram esse objetivo já no 1º turno, superando a marca maior, de 9 reeleitos, de 2006, desde que a peçonhenta reeleição foi introduzida na vida política nacional pela constituição federal de 1988. Dois dos governadores preferiram apoiar candidatos dos seus partidos – e venceram. Quatro foram derrotados já no 1º turno. E quatro perderam a reeleição no 2º turno, dentre os quais Ana Júlia era a única governadora do PT, partido que reelegeu os dois outros governadores da legenda que disputaram a eleição, no 1º turno (Bahia e Sergipe). A governadora do Pará foi a maior derrotada do PT em todo país. Terminou como começou: em meio a escândalos, às vezes pequenos, mas simbólicos, e sem conquistar a aprovação da maioria dos habitantes do Estado.
Esse destino estava contido no elevado índice de rejeição de Ana Júlia, que só obteve avaliação superior à de quatro outros governadores, todos eles derrotados. Essa alta rejeição resistiu a tratamentos de choque aplicados às vésperas das eleições de 1º e 2º turno pelos marqueteiros trazidos da Bahia. Mas para a péssima avaliação deram sua contribuição os marqueteiros do Pará, que serviram a administração estadual durante os três anos anteriores.
Há muito tempo os governadores paraenses acham que podem compensar suas deficiências e insuficiências com propaganda massiva, que tem como alvo o eleitor, embora nem sempre de forma direta. Tornou-se prática contumaz tentar convencê-lo através da grande imprensa, cujo apoio pendular depende do peso das ofertas que lhe são oferecidas. Compra-se tudo. Menos, ainda, a realidade. O espelho continua a mostrar a nudez do rei para quem quiser – ou puder – vê-la.
Um dos elementos da rejeição foi justamente o contraste entre a propaganda oficial – abundante e vazia de conteúdo – e a realidade, que mantém o Pará no rabo da fila (e crescendo como rabo de cavalo, para baixo) das unidades federativas brasileiras. O governo que cuida das pessoas, que faz o Pará acelerar, que mudou o horizonte do Estado, que tem comando firme, só existiu na retórica do discurso publicitário. Depois de ter sido embromado e manipulado durante três anos, o povo perdeu a confiança no governo do PT e se tornou refratário e impermeável às suas promessas, até mesmo às obras concretas que iniciou, a maioria delas depois da undécima hora.
Qualquer observador podia constatar o fato, mesmo que não dispusesse das pesquisas qualitativas pelas quais os partidos, os políticos e os empresários se orientam. Não precisava ser aprendiz de feiticeiro, como se apresentam determinados marqueteiros, embora sem trajar os devidos paramentos. Qualquer um que representasse o oposto de Ana Júlia a derrotaria. Não qualquer um: “aquele um”, como diz o caboco.
O predestinado havia de ser Simão Jatene, injustiçado em 2006, quando era candidato natural do PSDB à reeleição e foi atropelado pelo reserva do time, o ex-governador Almir Gabriel, que já se dizia recolhido à aposentadoria nos metafísicos jardins de orquídeas da sua periclitante imaginação. O povo ligou o efeito reverso e retornou a quatro anos atrás para tentar refazer a história, como se fosse possível. O enredo que se seguiu à eleição de 2006 o desagradou. Foram quatro anos quase inteiramente perdidos na história do Pará.
O previsível naquela época e diante do contexto nacional e local que se constituiria, era a vitória e não a fragorosa derrota de Ana Júlia, que, por circunstâncias, não aconteceu já no 1º turno. Ela era do partido do presidente mais popular que a república brasileira já teve. O Estado era um dos principais destinos dos investimentos federais e empresariais do país.
Tão forte Ana Júlia se apresentava em Brasília que dispensou a renovação da aliança com o seu principal parceiro na vitória de quatro anos atrás, o PMDB de Jader Barbalho. Formou o maior arco de alianças partidárias da federação, superior à do PT no plano federal. Seus maiores adversários ou estavam isolados, como o PMDB, ou com uma coligação frágil, como o PSDB (acrescido do PPS e do DEM, este depois da defenestração do casal Pires Franco). Lula veio mais ao Pará do que a Estados com colégios eleitorais maiores. Dilma, idem.
Dilma Rousseff teve 343 mil votos a mais do que a governadora no 2º turno. Observe-se que a vantagem imposta por Jatene a Ana Júlia no 1º turno (12,87%) teve ligeira diminuição no 2º turno (11,48%), mas o movimento foi inverso na disputa presidencial: Dilma subiu de 47,92% para 53,05%, mas a evolução de Serra foi maior: de 37,7% para 48,35%, encurtando bastante a diferença, que foi muito menor do que no plano nacional. Mais um pouco de gestão petista e talvez o tucano fosse o vitorioso no Pará.
Um dado expressivo é que a votação alcançada pela candidata do PT à presidência da república no Pará foi inferior à média que obteve no país (56,05%), enquanto a parte do candidato do PSDB no Estado superou a sua votação nacional (de 43,95%). Outro número sugestivo é a existência de 9 mil votos brancos e 20 mil votos nulos a mais na disputa governamental sobre a presidencial, o que indica que o eleitor teve interesse ligeiramente maior por Dilma e Serra do que por Jatene e Ana. Pudera: não sai da gangorra das lideranças no Pará, que se alternam sem largar a rapadura.
Esses números mostram que tudo foi feito, até a última hora, para tentar levantar a governadora, mas esse esforço acabou por prejudicar a campanha presidencial do PT, contaminada pela rejeição a Ana Júlia. Nem o carisma do PT e a máquina oficial conseguiram enquadrá-la numa margem que permitisse maior área de manobra pelo marketing político. O que a governadora não fez em três anos, a maioria do povo paraense não acreditou que ela pudesse fazer na fração final do seu mandato. Tendo sido sempre uma eficiente palanqueira, ela cometeu o erro fatal de não descer para a condução eficiente da administração pública. Talvez por não saber como se conduzir na chefia do executivo. Não lhe faltaram disposição e boa vontade. A escassez foi mesmo de virtudes pessoais.
Os indícios são de que a história tratará de apagar a memória dos anos ruins em que Ana Júlia Carepa governou o Pará. Mas a própria personagem parece bem distante de se convencer desse vaticínio. Continua a acreditar, embalada pela maquilagem publicitária, que sua administração foi um divisor de águas e que algum quinhão lhe cabe da hipérbole presidencial do “nunca antes”.
À corte, Ana Júlia tem manifestado a esperança de que ainda venha a ser realizada uma nova eleição para o Senado e ela possa se apresentar como candidata a voltar a ocupar um lugar na câmara alta.  Se essa hipótese vier a se concretizar, Paulo Rocha, estará impedido de participar da disputa, fulminado pelo prazo da inelegibilidade de oito anos, a contar da data da sua renúncia, em 2005, para fugir a processo de cassação na Câmara Federal, como um dos envolvidos no escândalo do “mensalão”.
Desfeita essa hipótese, pendente do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, Ana Júlia teria a alternativa da disputa pela prefeitura de Belém, em 2012, não sem antes procurar abrigo em algum órgão federal para se preservar do anonimato. A dúvida que hoje se suscita é quanto ao seu peso específico no PT: ela continuará a ser uma grande liderança no partido ou será reduzida a comandar uma das suas facções minoritárias, a Democracia Socialista?
As parcelas petistas majoritárias têm muitas queixas da governadora e do seu séquito. Aproveitarão a derrota para um ajuste de contas ou, à falta de opções, refarão os compromissos para sair das cinzas da fogueira e voltar a brilhar na política paraense, como uma brasa reavivada? Há realmente essa possibilidade?
Mal esta eleição foi encerrada, os políticos já tratam de preparar a nova, que terá uma importância particular: o novo prefeito da capital estará no cargo quando Belém completará 400 anos, em 2016. A coincidência será um capital a sacar para permanecer na história. Por isso, já há pré-candidatos: o deputado federal eleito Arnaldo Jordy, o deputado estadual eleito Edmilson Rodrigues, o quase-secretário Paulo Chaves e alguns outros menos explícitos.
Mas com que roupa se apresentarão os novos candidatos? Esta é outra questão. Como a derrota de Ana Júlia já estava espelhada nas estrelas (bastaria ouvi-las, como fez o poeta Olavo Bilac), o governador eleito Simão Jatene não se armou de um verdadeiro programa. Limitou-se a enfileirar obras físicas, desdobramentos de iniciativas em curso, ressurreição das que foram deixadas para trás e outras quinquilharias, sempre onerosas aos cofres públicos e de limitados efeitos sociais.
Jatene retomará um Pará que mudou pouco em relação ao Estado cujo comando ele mesmo transmitiu. Talvez um tanto piorado, mas seguindo na mesma bitola do descompasso entre o que poderia ter e ser e o que é e tem. Um rico pobre. Rico de recursos. Pobre de lideranças.

4 comentários:

helimiranda25@yahoo.com.br disse...

Como de costuma, O mestre Lúcio arrasou. Objetivo e certeiro

Unknown disse...

Rapaz... Eu ainda prefiro a explicação da mamãe: "O povo já não é tão bobo como antes, amadureceu". Sendo assim, mesmo que o texto possua um tom favorável ao Jatene, contem muitas verdades e fatos. Como disse o Jader naquela outra entrevista, Ana Júlia foi responsável pela própria derrota. Mostrou-se fraca para política. Jader afirmou que nasceu para política. Depois de ver o desempenho da Ana Júlia como Governadora, francamente, ele tem razão. E mais, tudo indica, ela não nasceu para política, não é bicho político. Ou melhor, não é "político orgânico", como descobri recentemente rsrs. Ana Júlia mostrou-se um político inorgânico. As propagandas de que "O povo escolheu que Ana Júlia fosse para o segundo turno" mostraram-se como uma artimanha que fracassou. Leva-me a pensar que ela nem fosse inorgânica. Muito pior do que isso, artificial.

Eu não moro no Pará, mas lembro de algumas coisas que Ana Júlia fez e outras que deixou de fazer: uma com amigos próximos, logo no começo do Governo (na alma); outra com muitos servidores do Estado (no bolso); outra com o povo paraense que, por mais superficial que pareça, toca no coração das pessoas (e isso vale muito mais do que qualquer outra), isto é, perdeu a chance de sediar um jogo da Copa 2014 em Belém. "Ah, mas teve o Fórum Social Mundial". É duro ter que ouvir alguém argumentar isso. É osso! Mas tudo bem, deixemos a análise para os especialistas que eles sabem mais do que o povo. Engraçado... Eles sempre sabem sobre tudo depois que tudo aconteceu. O povo parece saber antes.

Jorge Reis disse...

Muito bom o texto de Lucio Flavio, mas a realidade é mais simples e não menos dura: o que fulminou mesmo a candidata foi esse video na internet: http://www.youtube.com/watch?v=HYYrmVtVMl4

Unknown disse...

Todos os governantes paraenses são e foram as respostas geradas por um processo que precisava que eles fossem de um só modo. A ausência de líderes é apenas o esgotamento de uma economia política e de sua ideologia. Num arquétipo baseado no culto ao indivíduo, embora o seu poder e a sua riqueza adviessem do trabalho coletivo das grandes massas.
Até a triunfal chegada desse modelo, iniciado com a "Redentora" e finalizado com a tríade Collor-Itamar-FHC, o país viveu um momento de grande estímulo intelectual, quando todos se sentiam chamados a colaborar na construção de um Brasil bem diferente daquele que era o paraíso das oligarquias e interesses multinacionais. Assim, não só houve a paralisação desse novo pensar sobre o Brasil, como se definiu o arrivismo como o paradigma da sociedade que começaram a esculpir. Bem ao contrário do que havia entre os anos de 1950/64, por exemplo.
No caso da Região Amazônica, achávamos ser importante uma revisão naquela lógica rooseveltiana, tão bem clara nas linhas da SPVEA, pois, embora víssemos no Estado um elemento fundamental para os processos transformadores, acreditávamos ser possível um novo tipo de desenvolvimento.
Um exemplo foi a energia elétrica, enquanto a maioria defendia o permanente uso de termelétricas, apoiávamos pequenas hidrelétricas ao longo da rede hidrográfica ou através do aproveitamento das correntes fluviais. Junto a isso, como não poderia deixar de ser, defendíamos a transformação da Universidade Amazônica em centro de estudos, pesquisas e de formação de mão-de-obra altamente qualificada para realimentar o próprio sistema universitário e pensar a própria Região, mas, acima de tudo, com capacidade para gerir um desenvolvimento integrado à realidade física e humana da Região.
É, pois, muitíssimo importante que o país volte a se debruçar sobre esses problemas e questões. Temos que voltar a reaprender a pensar o Brasil com uma mente brasileira. E no caso da Região Amazônica, ou do Estado do Pará, fugir de idéias e teses imediatistas, como as que pregam a subdivisão físico-administrativa como a panacéia das panacéias, quando, na realidade, a sua base é falsa e predadora, pois, apenas serve para fortalecer espúrios e aventureiros interesss oligárquicos.