domingo, 13 de março de 2011

Políticos de ontem, as cópias de hoje

Lúcio Flávio Pinto:

Amazonino Mendes, prefeito de Manaus(Foto: A Crítica)
Voltou a ser moda falar mal de Carlos Lacerda. É o satanás da esquerda, o político reacionário, capaz das maiores vilanias, o matador de presidentes, o golpista. Lacerda foi um pouco de tudo isso. Mas também foi muito mais. Tinha carisma, idéias na cabeça, audácia e coragem pessoal. Os que hoje lhe atiram pedras, como ontem, costumam manter a devida distância. Não era fácil enfrentar pessoalmente o “corvo”.

Um dos mais proveitosos e deliciosos depoimentos já prestados por um político no Brasil é a longuíssima entrevista que ele concedeu a repórteres do Jornal da Tarde (o vespertino de O Estado de S. Paulo, sob o comando de Ruy Mesquita, o mais lacerdista da família) e publicada pela Editora Nova Fronteira, do próprio Lacerda (Depoimento, 3ª edição, 1987, 493 páginas).

É difícil manter os estereótipos armados contra ele depois dessa leitura. Mas principalmente depois de ver a foto em que Lacerda aparece cercado por todos os lados por presidiários rebelados na penitenciária Lemos de Brito, no Rio de Janeiro. O então governador da Guanabara não mandou ninguém nem se cercou de seguranças. Debelou a rebelião na conversa, olhando os presos diretamente nos olhos.

Qual político faria isso hoje, paparicado e guiado por legiões de assessores e marqueteiros? Antes de qualquer movimento, os políticos profissionais dos nossos dias consultam pesquisas, estudos e conselhos ao pé de ouvido. Não há mais espontaneidade e quando ela emerge por cima de todos os controles, é um desastre.

Como a do prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, mandando para o quinto dos infernos a moradora recalcitrante de uma área de risco da capital amazonense, ameaçada de ruir.A mulher tentava argumentar com suas condicionantes e misérias para não sair do local. Ao invés de continuar o diálogo e oferecer-lhe alguma coisa real para começar nova vida, o alcaide, irritado, explodiu: “Então morra, morra”.

Ao saber que Laudenice Paiva, separada, desempregada, com três filhos para criar, morando em ocupação irregular, era paraense, Amazonino, filho de pai paraense, terminou de entornar o caldo da maledicência: “Então está explicado”.

Ainda não. O Pará sempre foi mais local de atração, destino de imigrantes. Nos últimos anos assumiu um novo papel, o de local de saída, de fuga da população, sobretudo a do oeste do Estado, mais ligada atualmente a Manaus do que a Belém. Um dos mais novos bairros da capital manauara tem 80% de paraenses, em sua grande maioria santarenos. Eles agora experimentam na pele o que muitos imigrantes sofriam (ou ainda sofrem) no Pará.

A discriminação aos paraenses no Amazonas (e em toda a Amazônia Ocidental) tem causas históricas, a partir da função sub-colonial de Belém durante a exploração da borracha. Um pouco do sangue espalhado pelos altos rios na busca do látex ficava nos bancos e casas aviadoras da rua 15 de Novembro, que costumava ser implacável com os devedores, cumprindo com rigor as ordens superiores. Hoje a rivalidade virou misto de ressentimento e raiva pela competição.

A atitude do prefeito, porém, não tem origem tão profunda. Ela traduz o cinismo dos políticos profissionais ao lidar com o cidadão fora da época de colheita de votos. É um desprezo que parecia só existir na recriação literária. Quando se via Chico Anysio na pele de Justo Veríssimo, sempre desejoso de ver o povo explodir, dava-se de troco o exagero. Hoje, é uma pálida reprodução da realidade de Amazoninos et caterva.

Falta grandeza e sensibilidade aos políticos nos nossos dias. O direitista Lacerda foi à massa de presidiários enfurecidos bancado apenas por sua oratória e raciocínio. O governador Simão Jatene podia ter pegado um avião e ido a Manaus buscar sua conterrânea desfavorecida e trazê-la de volta à sua terra, oferecendo-lhe algo melhor do que a sentença de morte do prefeito de Manaus. Mas este tipo de político está fora de cogitação. Só existe na memória de quem ainda a cultiva, ainda que erroneamente.

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