Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Etta James, que morreu no mês passado, foi muito mais longe na vida do que se podia prever: a leucemia a abateu cinco dias antes de completar 74 anos. Ela sofria também do mal de Alzheimer e problema nos rins. Abusou da droga. Teve incidentes sem fim. Sofreu muito, no corpo e na alma. Chegou a pesar 200 quilos. Uma cirurgia tirou metade desse tamanho. Mas não as angústias que deviam estar por trás desse gigantismo, típico de quem já não tem maior apreço pelo próprio corpo.
Sem dúvida foi uma das maiores cantoras de todos os tempos. No entanto, só recebeu o maior prêmio da canção do seu país, o Grammy, 39 anos depois de gravar o primeiro disco, que lhe deu fama instantânea: At Last. Já era grande. Ficou sublime ao prestar sua homenagem à sua equivalente na vida e na música: Billie Holiday. Ninguém cantou Billie igual. Perfeita, sem ser cópia, imitação. Etta tinha melancolia própria para acrescentar à de Billie.
Talvez não tanta carga, mas quem sabe? Não era filha apenas de negros, como a Lady, cuja autodestruição lhe permitiu chegar apenas aos 44 anos, numa decadência que resplandeceu no disco terminal, Lady in satin, de 1959. É estranho que Etta só tenha gravado Billie 35 anos depois, num álbum de tributo com lugar garantido entre os maiores discos da música popular dos Estados, Unidos na companhia da acetinada gravação derradeira de Billie.
O pai de Etta era branco, mas não queria a associação à filha. Pagou-lhe pensão para ser ignorado. Uns compram carinho. Este adquiriu silêncio. Não se faz isso com ninguém. Etta foi em frente como se sempre caminhasse para trás.
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