quarta-feira, 7 de março de 2012

A Justiça avacalhada

Lúcio Flávio Pinto recebe dos Procuradores da República cópia do processo que confirmou grilagem de terras por Cecílio Rego de Almeida, ontem, no auditório da Justiça Federal. Foto: Lucivaldo Sena


Luciano Martins Costa  

Comentários de autoridades e outras figuras públicas na rede social da internet são sempre uma atitude temerária. São muitos os casos de celebridades que caem em desgraça ou se deslocam para baixo na lista das pessoas mais admiradas por conta de manifestações infelizes, atos falhos e declarações impensadas que revelam convicções que não convém andar espalhando por aí.

Na edição de terça-feira (6/3), a Folha de S.Paulo publica comentário postado na rede de relacionamentos Facebook pelo juiz paraense Amilcar Bezerra Guimarães que merece uma observação mais atenta.

Guimarães vem a ser conhecido da imprensa nacional pelo fato de haver condenado o jornalista Lúcio Flávio Pinto a pagar indenização de R$ 8 mil por danos morais a familiares do falecido empreiteiro Cecílio do Rego Almeida.

Lúcio Flávio havia chamado Almeida de “pirata fundiário”, em comentário sobre a apropriação, pelo empresário, de 4,7 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia.

A Justiça já havia concluído que os documentos do empreiteiro eram ilegais, determinando a devolução das terras, ou seja, a denúncia de Lúcio Flávio se revelava correta e fundamentada, quando o juiz Amílcar Guimarães, em apenas um dia como juiz substituto e com atraso, entregou ao cartório judicial sua decisão num processo de 400 páginas, condenando o jornalista.
O jornalista recorreu da decisão, mas foi derrotado em segunda instância.

O caso extrapolou para além das redes de comentários entre 
jornalistas e integrantes da magistratura do Pará quando Lúcio Flávio, afirmando não ter condições de arcar com novo recurso, desistiu de apelar contra a decisão da Justiça paraense. Seu caso ganhou repercussão nacional a partir de um movimento nas redes sociais intitulado “Somos todos Lúcio Flávio”, que chegou a ser reproduzido no exterior.

Na segunda-feira (5/3), o juiz Amilcar Guimarães, que mantinha silêncio sobre o assunto, resolveu postar na rede de relacionamentos online o que pensa sobre a questão (ver aqui). E o que o magistrado convenciona chamar de Justiça mostra a quantas anda o Judiciário.

Entre outras coisas, o magistrado se solidariza com o empresário do grupo de comunicações Maiorana, dominante no Pará, que há alguns anos agrediu o jornalista num restaurante, por conta de denúncias publicadas no Jornal Pessoal, e termina pedindo a Lúcio Flávio que o acuse diante do Conselho Nacional de Justiça, para “ganhar” a aposentadoria compulsória.

Isso é o que se chama avacalhação.
 
Aposentadoria é o prêmio

As declarações do juiz são tão espantosas que os editores da  
Folha de S.Paulo chegaram a imaginar a possibilidade de se tratar de um perfil falso criado no Facebook. Mas o juiz, entrevistado pelo jornal paulista, confirmou a autoria das mensagens e se queixou de estar sendo “satanizado” pelo jornalista.

Questionado sobre a decisão de condenar Lúcio Flávio e da impossibilidade de haver estudado todo o processo em menos de um dia, ele confessou que tomou a decisão sem ler todos os autos. “O que é que o juiz precisa além de ler a reportagem?”, perguntou, referindo-se ao texto que havia suscitado o processo por danos morais contra o jornalista.

Ao declarar que gostaria de ser denunciado ao CNJ, o magistrado afirma que a aposentadoria compulsória “não seria uma punição, seria um prêmio”. A Folha consultou a direção do Tribunal de Justiça do Pará e ouviu que as declarações do juiz são consideradas “de caráter pessoal”, e por isso não haveria comentários oficiais a respeito.

A não ser que o próprio Conselho Nacional de Justiça se interesse pela questão, vai ser assim mesmo: o corporativismo continua imperando, dominado pelos setores mais reacionários da Justiça, que segue na direção contrária à da evolução da sociedade.

Lúcio Flávio é um desses protagonistas solitários da imprensa regional, que se tornou conhecido nas duas últimas décadas por suas reportagens denunciando o desmatamento da Amazônia e as alianças entre os poderosos locais, entre os quais costuma alinhar os controladores do grupo O Liberal, que, entre jornais e emissoras, domina as comunicações no Pará.

Por conta de suas atividades jornalísticas, sofreu mais de trinta processos, e o caso julgado pelo juiz Amílcar Guimarães, além de puni-lo com uma multa que ele afirma não poder pagar, retira sua condição de réu primário, tornando-o absolutamente vulnerável à ação de seus desafetos.

Mais do que a absurda decisão judicial que condena por danos morais um jornalista por haver publicado informação que a própria Justiça veio a confirmar, chama atenção o deboche do magistrado sobre a própria Magistratura.
 
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Lúcio Flávio responde ao juiz:


Não sei se o autor desta mensagem, que se apresenta como Amílcar Guimarães, é realmente Amílcar Guimarães. Mas se não for, não vem ao caso. Respondo da mesma maneira. Nada mais me surpreende no forum de Belém do Pará.
Não o acusei de corrupção uma única vez. Simplesmente porque não tenho provas de que o sr. levou dinheiro para dar aquela sentença iníqua e ilegal (no mínimo, já que fruto de uma fraude para que o sr. pudesse ainda exercer a jurisdição sobre a 4ª vara, que já não lhe pertencia). Nem que tivesse cobrado um percentual sobre o valor da causa, seja de 10% ou 20%. Se o sr. quisesse faturar sobre a questão, com a inteligência que tem, não estabeleceria seu preço dessa maneira. O "por fora" nada teria a ver com o valor da causa, que o autor daação, o grileiro, não estabeleceu, deixando essa decisão para o julgador. Se o sr. estabelecesse um valor abusivo, como fez a justiça do Equador com outros jornalistas, para agradar o presidente da república, o escândalo seria ainda maior. E a culpa se transferia do grileiro para o juiz. Agir assim seria uma ofensa à sua inteligência.Logo, não foi assim.
O sr. não podia ter julgado a ação e sabe muito bem disso. E se foi para provar sua tese, como disse na informação prestada à corregedora Carmencin Cavalcante, então o sr. não tem condições de exercer a tutela jurisdicional, já que confessou interesse pessoal na causa.
O desdobramento do "caso" C. R. Almeida chegou à sentença de 1º grau da justiça federal proclamando a grilagem e mandando cancelar e anular os registros imobiliários em nome do grileiro no cartório de Altamira. Parece que o grileiro não recorreu ou perdeu o prazo do recurso. Se isso tiver acontecido, o objetivo que procurei, que foi o de defender o patrimônio público contra um autêntico pirata fundiário, foi alcançado. O seu, de dar-lhe razão, foi frustrado. Felizmente. Ainda há motivo para não descrer de todo da justiça no Brasil, tão necessitado dela. E para abstrair representantes da justiça que abonam a violência como sucedâneo no trato das divergências de ideias e se colocam do lado dos ladrões da coisa pública.
Quanto ao seu desafio para tirararmos as diferenças, sei bem que o sr. é um exímio tenista, esporte que nunca pratiquei. Soube que, na quinta-feira, véspera da fatídica sexta-feira em que mandou buscar os autos na 4ª vara cível e me condenou, fraudando a data da sentença, o sr. jogou tênis na Assembleia Paraense com alguém que, além do Maiorana, seu guarda-costa e equivalentes, também me agrediu, muito antes. Quem ganhou?
Continuo aqui, ao dispor, para outro desafio. Como contar a verdade sobre esse processo nauseabundo que me fulminou exatamente quando a grilagem foi desfeita.
Lúcio Flávio Pinto

Um comentário:

Luiz Mário de Melo e Silva disse...

Está provado que o juiz (?)não entende de lei e muito menos de Justiça. É tanto que o desafio é para algo a parte ao que ocorre. Nesse sentido, toda fala dele tende a ser uma auto-denúncia. Espie só...