terça-feira, 18 de novembro de 2008

A exposição de cadáver e a omissão do sindicato

Miguel Oliveira
Editor-chefe de O Estado do Tapajós


Acompanho, mesmo à distância e com especial interesse, a ação civil pública movida pela Procuradoria Geral do Estado, República de Emaús e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH contra os jornais Diário do Pará, O Liberal e Amazônia Jornal. O motivo, todo mundo parece que sabe: a sangria nos jornais de Belém.
Exposição de cadáveres, algumas vezes mutilados, é o foco principal dessa ação que visa dar uma refrega no uso exagerado de imagens policiais com propósitos meramente comerciais.
Considero a ação pertinente em seu objetivo final, qual seja, pedir à Justiça que arbitre uma questão de interesse difuso da coletividade, uma das mais nobres iniciativas que tenho conhecimento no Estado do Pará. Mas, mesmo assim, o assunto não é pacífico, como pensam alguns.
Com o objetivo de contribuir para o debate, aqui de Santarém puder assistir a uma longa matéria exibida, nesta segunda-feira, no telejornal do SBT, apresentado por Úrsula Vidal, na hora do almoço. Embora impecável quanto à apresentação do fato per si, a matéria pecou por fazer uma abordagem muito superficial sobre um assunto tão complexo. Limitou-se a ouvir a opinião de uns poucos leitores contra ou a favor da iniciativa. Mas faltou ouvir quem realmente tinha que vir para este debate: direção dos jornais e jornalistas. Ambos permanecem calados, talvez cúmplices em suas omissões.
Mas não pretendo analisar a matéria exibida pelo SBT Belém e retransmitida para o interior via satélite. Quero enfocar o que de mais ou de menos tem a ação civil pública propriamente dita.
Já disse que essa ação é acertada em seu objetivo, mas falha na dose. Deixou de fora as emissoras de televisão. Por quê? Será que as imagens de crimes exibidas pela TV Liberal, TV RBA, TV Record ou o próprio SBT não colidem com os objetivos daqueles que pretendem, por certo, a adoção de um jornalismo “mais cidadão” do que de um jornalismo mais “mundo cão”?
Outra falha grave: propor aos veículos alvos da ação a publicação compulsória de matérias cujos textos contenham informações educativas sobre direitos humanos e cidadania. Fazendo o papel de advogado do diabo, acho perigoso adentrar por essa seara, o que confrontaria com os princípios constitucionais da liberdade de imprensa e informação.
Não cabe a juiz algum determinar o que deve ser ou não publicado pelos jornais. Os jornais, já preceitua a legislação vigente, serão punidos pelos excessos cometidos, após regular processo legal. Até porque direitos humanos e cidadania são conceitos transversais que devem permear praticamente todas as matérias publicadas. Não é preciso ordem judicial para tanto. Essa é uma medida a ser adotada pelos próprios jornalistas. Senão, daqui a pouco, o noticiário esportivo também seria tutelado pela justiça, o noticiário político e assim vai. E aí os jornais não precisariam mais de jornalistas, e sim de advogados.
É nesse ponto da questão que sinto a omissão do sindicato da categoria. Caberia ao nosso sindicato encampar essa luta. Vir de público dizer o que pensam seus dirigentes sindicais sobre um tema considerado tabu, que não dá mais para esconder seus males para debaixo do tapete. E nem a nós, jornalistas, de se esconder na desculpa fácil de que cumprimos ordens dos patrões.
Pedir que o sindicato entre como litisconsorte daquela ação já seria pedir demais, mas o órgão sindical da categoria deveria, pelo menos, encampar esse debate com seus associados, mesmo que internamente. Seria uma iniciativa salutar para que os próprios jornalistas olhem para seus umbigos e enxerguem que, de alguma forma, todos nós somos os responsáveis por esse mar de sangue por onde navegam alguns jornais do Pará.

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