domingo, 10 de maio de 2009

Lúcio Flávo Pinto: Eclusa cara

Editor do Jornal Pessoal e articulista de O Estado do Tapajós


Agora já se sabe que a hidrovia Araguaia-Tocantins custará quase 2,3 bilhões de reais. Também já se sabe que, até entrarem em operação, no final do primeiro semestre do próximo ano, as eclusas da hidrelétrica de Tucuruí terão consumido R$ 851 milhões, contados somente a partir de 2007, quando as obras foram retomadas, depois de nove anos de paralisação. Isso quer dizer que a transposição da barragem no rio Tocantins sairá por bem mais de R$ 1 bilhão. Ou muito mais, não se sabe ao certo, porque o preço final nunca é revelado oficialmente. Por esse parâmetro, porém, já há motivos suficientes para uma verificação nas contas, devidamente atualizadas, porque a obra poderá custar muito mais do que o previsto – e do que seria possível: não menos do que R$ 1,5 bilhão.

Quando os serviços foram reiniciados, dois anos atrás, a versão oficial era de que a complementação iria exigir R$ 500 milhões, valor considerado exagerado por uma fonte do setor que consultei na época. A última previsão é R$ 350 milhões mais cara. A transposição da represa, atrasada um quarto de século em relação à hidrelétrica e a ser concluída 30 anos depois de iniciada, é obra essencial para o Estado do Pará e toda região. Mas é preciso saber se, nesse clima de festa e regozijo, alguém não levou mais do que devia.

Ação ilegítima

O cronograma das eclusas de Tucuruí – se é mesmo para valer – não será afetado por mais uma ocupação do canteiro de obras, como o do mês passado. A Polícia Militar adotou uma nova tática em relação ao movimento: lavrou o flagrante contra os responsáveis pela instalação de 300 ou 400 pessoas na eclusa de jusante, que está com 60% das suas obras civis realizadas, segundo os seus responsáveis. Até então, em situações semelhantes, essa atitude nunca fora adotada. Os presos foram imediatamente transferidos para Belém e autuados no inquérito policial.

Logo surgiram os protestos e foi questionada a competência formal da polícia estadual para atuar em área controlada por uma empresa federal, como a Eletronorte, e que é reserva. Trata-se de filigrana formal, que pode ser discutida à exaustão, sem eliminar um fato: foi uma decisão de governo sobre um problema de segurança pública, logo, de competência estadual. Se é também questão de segurança nacional (hipótese não suscitada na ação) e se há conflito jurisdicional, é questão de outra indagação, como gostam de dizer os advogados.

Alguns dos itens da plataforma apresentada pelos movimentos sociais para justificar a ocupação da eclusa estão em procedimento regular, outros ainda podem ser resolvidos através de negociação e há alguns que não têm qualquer relação com a eclusa ou a hidrelétrica. A ação tinha clara caracterização como abusiva. Mesmo sujeita a excessos e erros, a ação do governo foi, desta vez, legítima e legal.

Os movimentos sociais precisam começar a distinguir as ações que promovem para não se precipitarem em iniciativas artificiais. Parece que, independentemente do objetivo a alcançar e do estado de coisas contra o qual se insurgem, estão enfrentando um governo (ou um establishment) de exceção, ou mesmo uma ditadura, que se movimenta à margem – e acima – da lei. O parâmetro legal precisa ser considerado e respeitado, ainda quando para questioná-lo ou negá-lo. E não esses movimentos partirem do pressuposto errado, de que não há um regime legal e democrático estabelecido no país.

Há outra questão: uns poucos líderes estão acumulando muitos poderes à frente desses movimentos. Tão desembaraçados se encontram que já assumem a postura de donos do movimento, abstraindo-o ou substituindo os demais líderes. É um passo perigoso para a extrapolação da liderança e a corrosão da causa defendida.

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