domingo, 19 de julho de 2009

Lúcio Flávio Pinto:O preço da vitória

O eleitor deve zanzar desnorteado através da imprensa. A pouco mais de um ano da eleição, o noticiário dos jornais não reflete a intensidade das negociações e articulações de bastidores, que estão definindo o quadro político para a eleição de 2010. Por causa dos interesses das empresas jornalísticas.


Se a posição dos jornais refletisse – real e definitivamente – a opinião dos seus donos, Jader Barbalho teria partido para a oposição a Ana Júlia Carepa e Romulo Maiorana Júnior passado a apoiar a reeleição dela. É o que sugerem as aparências. Mas as aparências podem ser enganosas. Não porque, por trás delas, haja posições editoriais, doutrinárias, políticas ou ideológicas que possam distinguir os principais atores da cena política paraense. Qualquer que venha a ser o novo governador, dentre os candidatos que já lançaram os seus nomes à liça, não se há de esperar mudança – senão cosmética – nos rumos do Estado. Se as aparências podem camuflar a realidade é porque não se tem informações confiáveis sobre o que acontece nos bastidores da política paraense. E na sua extensão – ou determinante – nacional.

O eleitor é mantido sob severo jejum de informações quanto à bolsa eleitoral, cujos lances são feitos em circuito fechadíssimo, por freqüentadores privilegiados. Pouco filtra através da grande imprensa porque seus donos são interessados diretos no que se processa e no que pode vir a acontecer. Às vezes, têm participação nos próprios acontecimentos, ou por serem políticos (é o caso de Jader Barbalho) ou por agirem como se fossem, com um insaciável apetite de poder (caso de Romulo Maiorana Júnior).

Quando alguma notícia, comentário ou crítica atravessa essa muralha de contenção, o leitor precisa encarar o material com toda sua capacidade analítica e rigor informativo. Do contrário, pode tomar gato por lebre e se tornar vítima de manipulação. Há mais balões de ensaio nas páginas dos jornais do que fatos. Abstraindo a existência do leitor, como se ele fosse um detalhe, ou mesmo circunstância irrelevante, os jornais trocam recados ou mensagens codificadas. O interesse de informar desapareceu.

Num cenário no qual as posições públicas não expressam um pensamento político ou uma visão ideológica, o que separa os contendores são os interesses pessoais. Por isso, é preciso saber como se movimentam as principais peças do tabuleiro político, com quem conversam, que manobras realizam, o que dizem nos bastidores. Os jornais já foram cheios desse tipo de matéria. Hoje, vivem numa anemia de impressionar. Seu silêncio não significa que nada acontece, apenas que seu interesse corporativo sobre os fatos se tornou excessivo. Não se permitem a margem de liberdade que antes havia, quando a imprensa, a partir de certo momento de maior agitação pré-eleitoral, ecoava a voz rouca das ruas e o sussurro dos gabinetes, com notas picantes, editoriais agressivos e muita informação (ou mesmo desinformação, mas sem calmaria).

Um boato importante, que antes inundaria a imprensa, permanece não esclarecido. Conta a lenda que a governadora Ana Júlia Carepa foi ao gabinete de Romulo Júnior na sede de O Liberal, de lá seguindo para o encontro dos governadores e dirigentes do PT no Nordeste, esticado a Brasília com o presidente Lula. Num carro não identificado e com um único auxiliar, Ana Júlia teria acertado um acordo, através do qual o jornal cessaria a publicação de notas críticas (e mesmo debochadas) na coluna Repórter 70 e as matérias negativas sobre o governo. Uma dessas matérias, que estava no forno, foi imediatamente congelada. O R-70 nunca mais se referiu ao “meio governo” de Ana Júlia Carepa, batismo dado a partir da redução do expediente nas repartições estaduais, como medida de economia tão eficiente quanto poupar palitos de fósforo. Para conseguir tanta boa vontade, a governadora teria mandado quitar a dívida com a empresa e lhe reservado boa programação publicitária oficial.

Em contrapartida, a cobertura dada pelo Diário do Pará à administração do PT se tornou ainda mais agressiva. Uma foto não bem posada da governadora ocupou a largura da primeira página no dia em que foram declarados indisponíveis os bens dos auxiliares de Ana Júlia envolvidos no polêmico kit escolar, à frente a secretária de educação. O chicote do jornal dos Barbalho não parou mais de vergastar os amplos costados do governo do Estado, mais como reação ao entendimento com os concorrentes da mídia e inimigos políticos do que por discordância da gestão petista.

A intensificada acidez do tratamento não significa, porém, que o rompimento entre Jader Barbalho e Ana Júlia Carepa é um caminho sem volta ou um fato consumado. Significa, isto sim, que a fragilidade do atual governo o sujeita a ter que pagar um alto preço, em termos simbólicos e literalmente, para que suas chagas não sejam ainda mais sangradas, tão visíveis e profundas elas vão se tornando.

Se Ana Júlia conseguir a proeza de contentar a grande mídia paraense, polarizada entre os Barbalho e os Maiorana, indo dos negócios à política, esse trunfo terá imposto uma grande perda aos cofres públicos. Não só os do Estado: a esta altura, a nova composição da aliança situacionista exigirá o comparecimento do governo federal, para suplementar e assegurar que as cláusulas dos contratos – não escritos, naturalmente – sejam cumpridas.

Só assim, a nudez da rainha não será revelada ao reino, poupando-a do destino coerente com o seu desempenho até agora: a derrota. Ana Júlia poderá ganhar, revertendo a tendência atual. Mas o Estado perderá, como de regra há muitos anos.

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