Editor do Jornal Pessoal
“Isto aqui é um feudo ou um pasto?”, indagou a deputada Cidinha Campos, com indignação, no plenário da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Ela se referia ao Tribunal de Contas do Estado. O deputado José Nader Filho se apresentava como candidato a conselheiro do tribunal do qual fora parte e presidente seu pai, que, aposentado, anunciara sua disposição de retornar ao parlamento. Ambos foram indicados para a corte pelo legislativo estadual, apesar de seus prontuários policiais e do pedido de cassação do filho, “muito pior do que o pai”, segundo Cidinha.
Nenhum dos dois teria condições de preencher as exigências feitas a um conselheiro: ter notório saber e reputação ilibada. O novo conselheiro em potencial era acusado de corrupção passiva, advocacia administrativa e formação de quadrilha. A razão para, mesmo assim, pretender o que lhe devia ser interditado? “Existe uma quadrilha aqui dentro desta casa”, acusou a parlamentar, sem ser contestada por seus pares. Eles ouviram em contundente silêncio a duríssima arenga da deputada. Filmado, seu pronunciamento já foi visto por dezenas de milhares de pessoas no youtube.
O caso do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro pode ser o mais grave, mas está longe de ser o único exemplo do preenchimento dos cargos nessas cortes – estaduais e municipais – em ofensa à lei, à moral ou ao bom senso. O Pará pode ser incluído nessa torrente de atos de nepotismo, de favorecimento ilícito ou de desvio e desperdício de recursos públicos.
Um dos lugares disponíveis no TCE paraense pode ser preenchido por um deslavado ato de nepotismo, através do qual a atual presidente do Tribunal de Contas dos Municípios, Rosa Hage, se disporia a se aposentar para que seu filho fosse escolhido para a corte estadual. José Hage Júnior, de 35 anos, é deputado de primeira legislatura e nada indica que preencha as condições para exercer a função. Da sucessão de conselheiros, aliás, poucos podiam ter ocupado o cargo, por absoluta inadequação. Os critérios adotados para as indicações e nomeações foram quase sempre políticos, pessoais e familiares. Na escalada da deturpação e violação das normas, chegou-se ao estado presente, em que as cortes são vistas como itens patrimoniais por determinadas famílias.
A partir do exemplo ruim de cima, se disseminam os maus hábitos na base. Mas felizmente alguns cidadãos começam a reagir a essa sucessão de imoralidades, ilegalidades e inconstitucionalidades. Uma ação popular proposta no ano passado conseguiu suspender a execução do prejulgado nº 16, que abriu as portas do TCE para servidores temporários ou de cargo em comissão, que não estavam amparados pela figura do “direito adquirido”, admitido pela Constituição de 1988 quando impôs a realização de concurso público para a admissão de servidores públicos. Mesmo sem ter direitos, esses servidores foram incluídos no quadro suplementar/estatutários não estáveis.
Parecia haver a consciência de que a incorporação era ilegal porque nem o prejulgado, de 2002, nem a decisão simples que o ratificou, de 2005, foram publicados no Diário Oficial do Estado. São, por isso, atos fantasmas. Não podiam gerar efeitos, por não preencherem formalidade legal indispensável. A juíza Rosileide Filomeno, da 3ª vara da fazenda da capital, concedeu liminar para excluir do quadro suplementar os servidores não amparados pelo direito adquirido, contratados depois da emenda constitucional nº 20, de 1998. O Estado e o Tribunal de Contas recorreram, mas a juíza manteve sua decisão. O caso continua “sub-judice”.
A repetição de tais situações levou o procurador-geral do TCE do Rio Grande do Sul, Geraldo da Camino, a representar ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, denunciando o loteamento de cargos nesses tribunais. Um levantamento anexado à ação, que recebeu o endosso da Associação Nacional do Ministério Público de Contas, comprova que a escolha dos conselheiros, feita por um conciliábulo entre governadores e deputados, “se dá entre familiares e apaniguados políticos que passam longe de preencher os requisitos básicos para a função”, segundo nota da revista Veja.
Se é para o erário manter essas famílias privilegiadas e suas extensões, melhor acabar com as cortes de contas. Será muito melhor para o país.
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