Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Em 2006 a candidata do PT ao governo do Estado, Ana Júlia Carepa, só venceu a disputa porque o PMDB apresentou uma chapa própria para o 1º turno e seu candidato, o então deputado federal José Priante, teve uma votação superior a todas as expectativas. No 2º turno, armou-se a coligação dos dois partidos para enfrentar o adversário comum, o ex-governador Almir Gabriel, que, contra a tendência em favor da mudança, tentava voltar ao cargo pela terceira vez.
Em 2010 a situação é inversa. Se o PMDB apresentar candidato próprio no 1º turno só não ameaçará a reeleição de Ana Júlia Carepa se usar um fantoche, um nome sem qualquer densidade eleitoral, só para constar. Mas se fizer isso, poderá provocar a reação dos seus próprios eleitores. Para eles, o principal inimigo deixou de ser o PSDB. Agora, é o PT.
É insólita esta constatação porque PMDB e PT ainda são partidos aliados no Pará. O PMDB ocupa alguns cargos de primeira linha da administração estadual, mas perdeu os principais, que lhe couberam na partilha logo depois da vitória de 2006. E perdeu depois de um longo processo de desgaste, amargando uma imagem que se mantém grudada ao partido há muitos anos e que seus aliados trataram de reforçar: de fisiológico, nepotista e corrupto. A escória, como disse um dos principais “quadros” do grupo da governadora, seu assessor especial Cláudio Puty.
Político profissional com mais de 40 anos de carreira, iniciada pela base, como vereador, Jader Barbalho absorveu os golpes petistas, mas não ficou parado. Tratou de avivar os elos com o presidente Lula e a direção nacional do PT, arranjar cargos e verbas federais e com tudo isso montar a melhor estrutura eleitoral no interior, controlando mais prefeituras do que o PT, fato inédito nos últimos governos do Estado.
Em intensa atividade municipal, sempre levando alguma coisa para oferecer, Jader conseguiu o que parecia impossível, diante do péssimo estigma que seu nome suscita: aumentar sua popularidade e reduzir sua rejeição. Com isso, ampliou o campo de influência do PMDB e recriou sua identidade. Seu peso eleitoral é maior agora do que há quatro anos. É, mais uma vez, quem vai decidir a disputa.
Os petistas no poder, os do grupo (minoritário até internamente) da Democracia Socialista, demoraram a perceber esse fato – e vários preferem ignorá-lo até hoje. O ataque frontal de Puty a Jader no domingo, 18, que parecia o golpe de graça na aliança, foi seguido no dia seguinte pela visita da governadora à residência do líder do PMDB, o chefe da escória (em contraste com a pureza imaculada dos petistas). Muito mais experiente do que seu lua-preta, Ana Júlia deve ter percebido o terreno desaparecer sob seus pés. A arenga de Puty era apenas a gota d’água: os sinais do desastre iminente estavam na recusa de Jader de atender os telefonemas da governadora.
Ana Júlia teve que fazer a visita de surpresa, na manhã bem cedo, e levando consigo o deputado federal Paulo Rocha, interlocutor e aliado informal de Jader. Se se anunciasse e fosse sozinha, corria o risco de bater com o rosto na porta em madeira de lei do ex-governador, no condomínio luxuoso em que ambos residem, na área metropolitana de Belém. A conversa foi demorada, a governadora ofereceu troféus ao seu aliado, prometeu que agora tudo vai ser diferente e Jader foi atencioso com ela. Mas falou pouco. Os compromissos ficaram para depois. Ou para nunca mais.
Contar com a máquina do governo para a eleição é importante e pode ser decisivo. A maioria dos candidatos aceitará um novo acordo, mesmo que céticos quanto ao seu cumprimento. Mas pela primeira vez haverá resistências dentro do partido e na sua militância. Muitos já acreditam que desta vez o PMDB, além de não apresentar um “laranja” para a eleição, terá Jader Barbalho como cabeça de chapa. O próprio Jader induziu essa gente a acreditar na sua quarta candidatura ao governo (com duas vitórias e uma derrota, na mais recente tentativa). Ele mesmo não deve ter encarado com muita seriedade a hipótese, mas ela cresceu mais do que ele pretendia ter sob seu controle.
É uma parada demasiado arriscada. Seu índice de rejeição ainda é alto. A reeleição como deputado federal ou a volta ao Senado são dadas como certas. Mas ele sabe que só se manteve na Câmara porque se limitou aos bastidores – e mesmo assim não se livrou de constantes críticas na mídia. Para a imprensa, sua volta ao Senado detonará o sinal de alarme: ele será alvo de atenções constantes e a proximidade dos tribunais dará eco maior a esse barulho.
Se ficar no Pará, o interesse será menor e esporádico. Apesar de tudo, o Pará fica longe de Brasília e só interessa aos centros econômicos quando lhes dá lucro, o que é a regra de procedimento. Mas não só por isso. Se ainda quiser ser uma liderança forte no Estado, Jader terá que se apresentar mais e exercer o poder local. Seu herdeiro, o filho, Helder, prefeito de Ananindeua, o segundo município mais populoso, não dá indícios de que estará pronto para concorrer ao governo em 2014. Mas, quem sabe, em 2018? Se vencer neste ano, Jader poderá conquistar um segundo mandato e preparar a sucessão em família. Já setentão, estará com o perfil de senador e em condições de suportar uma nova campanha de mídia, se ela ainda estiver interessada nele.
Mas a disputa para o governo em outubro é incerta e não sabida. Poderá ser-lhe fatal, deixando-o sem um cargo eletivo, um vácuo que ele já experimentou duas vezes e provavelmente não quererá repetir. O risco é quase o mesmo para todos os demais candidatos, incluindo a governadora, líder em rejeição. Ela conta com a máquina e graças a ela poderá contrabalançar sua imagem ruim. Mas há um momento a partir do qual nem mesmo uso ou o abuso do poder público salvam um candidato. Não se pode dizer ainda se Ana Júlia atravessou esse Rubicão, mas sua súbita visita a Jader, nas circunstâncias em que a realizou, são sintomas da sua preocupação – ou talvez já do desespero.
Se forem procedentes as informações vazadas de pesquisas não oficializadas, Jader é candidato para passar ao 2º turno, seja lá quem for que o acompanhe nessa travessia difícil. Se for Ana Júlia, contará com a adesão maciça dos tucanos, que não querem mais saber de petistas e sabem que, ao contrário deles, Jader cumpre os acordos que faz (sobretudo aqueles que não podem ser assinados e reconhecidos em cartório, dependendo apenas da palavra empenhada). Se for Jatene, os petistas não desconhecem que essa vitória representará a volta da hegemonia tucana, com possibilidade de se manter por outros 12 anos (de máquina pública os social-democratas à brasileira entendem).
Este é o eixo principal da perspectiva eleitoral. Há inúmeras variações possíveis, mas laterais a essa espinha dorsal, o suficientemente significativas, porém, para que se preveja a mais disputada das eleições em tempos recentes no Pará. Tão difícil que mesmo sendo o principal eleitoral ou o mais importante candidato, Jader Barbalho tem também diante de si o maior dos riscos: tanto o de dar a volta por cima e restabelecer sua força política, abrindo caminho para uma permanência em família, como iniciar a derrocada rumo a um destino inglório.
Esse drama é produto da repetição de um enredo que está exaurindo as lideranças do Estado, tudo mudando para tudo continuar como está. Por isso, à parte todas as hipóteses de relações políticas para a próxima eleição, pode haver um elemento de surpresa sobre as conjecturas, se o eleitor quiser, desta vez, se fazer ouvir, depois de ser tantas vezes ignorado ou manipulado.
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