quarta-feira, 30 de março de 2011

Osvaldo Rodrigues da Cunha, o herpetólogo

Lúcio Flávio Pinto

Belém - Com aquela matéria de 1972, provavelmente foi a primeira vez que os leitores de Veja encontraam a expressão num texto da revista, então no apogeu do seu prestígio: herpetólogo. O herpetólogo era o paraense Osvaldo Rodrigues da Cunha, pioneiro e o principal pesquisador de serpentes na Amazônia. Fora do Museu Emílio Goeldi, porém, poucos o conheciam.

Ele era avesso a entrevistas. Tinha consciência do seu valor e da importância que já na época representava para as ciências naturais, mas era humilde. Fazê-lo falar sobre o seu trabalho só foi mais fácil do que convencê-lo a se deixar fotografar. Mas gostou da matéria e da sua imagem na revista. Tornamo-nos amigos, embora só por acaso nos encontrávamos. Podia ser numa livraria ou quando cruzávamos pelas ruas. Gostávamos de livros e de caminhar, dois dos vários pontos em comum que alimentavam nosso diálogo. 

Ao passar por sua bela (mas maltratada) casa, quase sempre hermeticamente fechada, na qual vivia sozinho, percebi novos inquilinos. Já doente, ele fora morar com uma parente, deixando alguém da família em seu lugar no casarão de azulejos da rua Rui Barbosa, entupido de livros, discos, objetos de arte. No dia 11, Osvaldo Cunha morreu. Recebeu as devidas homenagens da instituição à qual dedicou sua vida, mas continuava um ilustre desconhecido para o grande público.

Seu valor para o estudo dos répteis e, em particular, das cobras, é incontestavelmente reconhecido. O trabalho que mais lhe dava prazer, entretanto, era escrever sobre o Museu Goeldi. Podia combinar sua formação científica com sua inclinação cultural mais ampla, numa figura que misturava a condição de naturalista, à moda antiga, à de um intelectual recatado.

Os estranhos o consideravam sisudo, fechado e até hostil às aproximações dos desconhecidos. Mas era a delícia das vendedoras das livrarias, especialmente da extinta Ponto & Vírgula, que virou seu pouso por uma característica singular: as atendentes eram todas do belo sexo – e atenciosas, pacientes e divertidas. Com elas, o carrancudo pesquisador ria, contava e ouvia piadas, e partilhava o bom humor e o saber com quem estivesse próximo. O solitário se tornava uma boa companhia, saudado pelas moças, que lhe davam tratamento especial.

Era com esse Osvaldo que eu dialogavam entre livros, um fundo musical, cafezinho e a atenção prestativa das atendentes. Foi a última imagem que ele deixou, arrematando com graça sua fecunda bibliografia pioneira.

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