terça-feira, 10 de maio de 2011

Eurico Pinheiro: mais que um mestre, um sonhador

Foto: Paulo Fernandes/Embrapa
   
Ruth Rendeiro*

Há alguns anos eu pensei em escrever um livro que já tinha até título: Antes que a morte chegue. Justamente para reunir textos de pessoas que considero ímpar, marcantes em minha vida e na vida do Pará, da Amazônia, do mundo e que sentia vontade de homenagear antes que elas morressem. Já fiz tantos textos sobre amigos queridos que já se foram e a dúvida se eles leram, tomaram conhecimento do quanto eu os amava, me perturba. Queria tanto que eles soubessem disso em vida ... 

De novo estou aqui escrevendo sobre alguém querido que acaba de nos deixar. A comunidade científica está de luto, a serigueira chora, a UFRA (que ele ainda se confundia e acabava chamando algumas vezes de Fcap) e a Embrapa Amazônia Oriental estão lamentando a morte do professor e pesquisador Eurico Pinheiro. Mas os que conviveram com ele têm muito mais a lamentar.

Não fui sua aluna, sua assistente ou companheira de pesquisa. Tive o privilégio, contudo, de conhecer o gentleman, aquele senhor já idoso que tinha alma jovem, espírito inovador e que acima de tudo amava o que fazia.

Tinha uma paciência invejável e uma didática para explicar assuntos complexos que a todos encantava. Falava do mal-da-seringueira ou o Mycrociclus ulei, como se fosse um conhecido antigo que apresentava aos leigos como alguém que mexeu com a heveicultura tão drasticamente que ao final os ouvintes poderiam passar a odiá-lo por tantos danos. Mas ao mesmo tempo se mostrava otimista com a superação dos problemas e acreditava veementemente que um dia o Brasil voltaria a ser o reino da borracha e a Amazônia a ter seus plantios rentáveis de antigamente.

Há cenas muitos marcantes que me remetem àquele que serviu a gerações repassando seus conhecimentos e levando-as a acreditar que as limitações na saúde (enxergava pouco, os passos já não eram firmes) ou a idade já avançada não representavam impeditivos suficientes para não sonhar.

Em uma das Semanas Nacional de Ciência e Tecnologia, quando a Embrapa Amazônia Oriental abriu suas portas para moradores próximos a sua sede e muitas escolas da periferia, alguns pesquisadores não mostraram interesse em participar; outros o fizeram a contragosto e um pequeno grupo se dispôs a explicar, com doçura, paciência e sentimento àqueles que “são o futuro do Brasil” e lá estava o Dr. Eurico Pinheiro.

Ele parecia mais um vovô conversando com os netos. No meio da plantação de hévea próximo ao portão principal da Embrapa de Belém, ele explicava com entusiasmo o que era uma seringueira, para que servia seu látex, como o Brasil e em especial o Pará e o Amazonas, já foram ricos graças a essa planta. Incansável passou quase o dia inteiro no sol entre meninos e seringueiras.

Perdem as ciências agrárias, as gerações que não mais poderão usufruir de sua companhia e embevecidos ouvi-lo falar por horas sob a retomada da heveicultura na Amazônia, das pesquisas desde à época do IAN (Instituto Agronômico do Norte), dos clones que se mostravam tolerantes à doença, dos plantios consorciados que deixavam sua voz ainda mais emocionada. Perdemos nós seus colegas que não mais receberemos um bom dia especial acompanhado de bombons japoneses de sabores inusitados como kiwi e melão ou canetas especiais que trazia quando fazia uma viagem mais longa.

Pena que não comecei a escrever o livro “Antes que a morte chegue”. É tão difícil e doloroso falar dos que se foram e não mais poderemos abraçar.
 
*É jornalista

          

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