Do blog Todos com Lúcio Flávio Pinto.
O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal,
recebeu, na última terça-feira (23), o Prêmio Especial Vladimir Herzog
de Anistia e Direitos Humanos, em cerimônia realizada no Teatro da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca), na capital
paulista. O paraense dividiu a homenagem com o jornalista, professor e
escritor Alberto Dines, que comemora 80 anos de idade e 60 de profissão.
A premiação, concedida pelo Instituto Vladimir Herzog, contemplou
dezenas de jornalistas brasileiros nas categorias artes, criança de em
situação de rua (especial), fotografia, internet, jornal, rádio,
revista, documentário de TV e reportagem de TV. Foram concedidas menções
honrosas nas mesmas categorias, sendo um dos um dos contemplados o
também paraense Ismael Machado, do Diário do Pará, pelo Dossiê Curió.
A noite também foi de entrega do Prêmio Jovem Jornalista Fernando
Pacheco Jordão, que chegou à quarta edição valorizando trabalhos
acadêmicos na área de jornalismo. Três equipes de diferentes
universidades brasileiras, coordenados por um professor, terão a
oportunidade de desenvolver a pauta proposta por eles sob a supervisão
de um jornalista profissional.
Ao falar sobre Lúcio Flávio Pinto, Audálio Dantas ( ex-presidente da FENAJ ) ressaltou a
importância do Jornal Pessoal que, em 25 anos de publicação, tem
sido uma das principais fontes de referência sobre a Amazônia. Segundo
ele, para se conhecer profundamente a região nos dias atuais, há de se
consultar o que escreve Lúcio Flávio em seu jornal e em seus livros. “É
uma instituição amazônica [para] quem quiser saber sobre a Amazônia,
principalmente o que a Amazônia tem de riqueza e de pobreza, essa
pobreza que se choca com essa riqueza, essa riqueza que é explorada de
todas as maneiras, e muitas vezes de maneira ilegal”, afirmou.
E ressaltou: “O Lúcio Flávio é o único que sustenta hoje, no Brasil,
um jornal que se pode chamar de alternativo, porque faz esse jornal
sozinho há 25 anos desde o momento em que as suas matérias, a maioria
das quais de críticas severas contra a exploração desordenada e violenta
da Amazônia, não encontravam mais espaço nos veículos da grande
imprensa. Então, ele resolveu fazer o seu jornal, que não aceita
publicidade, porque ele considera que, ao aceitar, assume compromisso
que sua consciência não permite”.
Destacou a coragem de Lúcio Flávio em continuar a exercer seu
jornalismo mesmo pressionado pelas ações que estão em curso nos dias
atuais. “O Lúcio Flávio é vítima daquilo que chama hoje, no Brasil, de
censura togada. São aqueles juízes que, acima da Constituição, mandam
jornalistas se calar. Ele nunca se calou e por isso…” Citou
especialmente a condenação sofrida pelo jornalista em indenizar os
herdeiros do megaempresário Cecílio do Rego Almeida, mesmo tendo sido
comprovadas as denúncias feitas por Lúcio da grilagem de 5 milhões de
hectares na região do Xingu; e mesmo que a justiça federal tenha
determinado o cancelamento de todos os registros de terras feitos de
forma fraudulenta, conforme procedimentos apurados e publicados por
Lúcio Flávio em seu jornal, em 1999.
“Continua valendo [a condenação], porque ele não tinha o dinheiro
para pagar essa indenização. Mas ela produziu, ao mesmo tempo, um
formidável movimento de solidariedade que se espalhou por todo o país,
principalmente por jornalistas que disseram: ‘Todos nós somos Lúcio
Flávio Pinto’. É esse camarada aqui”, apontou para Lúcio Flávio, sendo
bastante aplaudido pela plateia. “Isto valia ser dito aqui, porque
simboliza um protesto contra essa censura que permanece, aqui e ali, em
defesa, na maioria das vezes, de interesses peculiares”, encerrou.
Ao final da cerimônia, Lúcio Flávio e Audálio Dantas autografaram seus novos livros: A Amazônia em questão: Belo Monte, Vale e outros temas (B4! Editores) e As duas guerras de Vlado Herzog (Editora Civilização Brasileira), respectivamente.
O Prêmio Vladimir Herzog foi instituído em 1978 por um conjunto de
instituições ligadas ao jornalismo e aos direitos humanos, tendo por
objetivo valorizar os trabalhos nas áreas da cidadania e dos direitos
humanos; homenagear profissionais que se destacam no setor e, ainda,
reverenciar a memória de Vladimir Herzog, jornalista morto nas
dependências do DOI-Codi, em São Paulo, durante a ditadura militar.
Confira aqui a lista de todos os premiados.
Discursos
Lúcio Flávio Pinto
Eu sinto-me em casa aqui em São Paulo, onde morei por cinco anos, me
formei na Escola de Sociologia e Política – tem até um colega meu de
escola aqui presente –, e nasceu minha primeira filha aqui.
Eu estava em Belém, em 1987, já com 21 anos de jornalismo, quando, um
dia, fiz, depois de três meses de investigação, uma matéria sobre o
assassinato do ex-deputado Paulo Fonteles de Lima, um dos crimes
políticos mais graves que já ocorreu no Pará. E essa matéria estava
redonda, completa (ela ganhou o Primeiro Prêmio Fenaj, da Federação
Nacional dos Jornalistas), e eu apresentei à diretora do [jornal] Liberal,
que depois moveu cinco ações contra mim, e ela me disse que,
infelizmente, não podia publicar porque envolvia dois dos maiores
anunciantes da empresa, e um deles era considerado um dos homens mais
ricos do Pará e outro, o maior armador fluvial do mundo.
E nós, jornalistas, já ouvimos esta frase várias vezes: “Ah, quer
publicar? Faz o teu jornal”. Eu já havia experimentado fazer alguns
jornais, disse: “Vou fazer um jornal para publicar essa reportagem”. Um
jornal de custo mínimo, uma só pessoa, também sem qualquer possibilidade
de dissidência (gargalhadas da plateia) e iria recusar publicidade. Primeiro jornal que recusaria publicidade. Me lembrei do Opinião, onde trabalhei também com Américo Nunes Pereira, e o Opinião disse:
“Jamais a publicidade será superior a 20%”. Nunca precisou ter essa
preocupação. Então, resolvi eliminar até essa preocupação metafísica.
Eu fiz o jornal, achando que o Jornal Pessoal fosse um jornal
alternativo. Se fossem as teorias de Comunicação corretas, ele não
precisaria existir, porque nós estamos no período da mais longa
democracia da República brasileira. Mas eu vi que, ao longo do tempo –
já se vão 25 anos –, o Jornal Pessoal se especializou,
involuntariamente, em publicar o que a grande imprensa não publica sobre
a Amazônia. Não publica às vezes porque não sabe; não publica às vezes
porque omite ou manipula, e os interesses que a Amazônia provoca hoje
são mundiais. Neste momento, o maior trem de carga do mundo está fazendo
a sua oitava viagem levando minério de ferro, o melhor minério de ferro
do planeta, para a Ásia, 70% dele para a China e 20% para o Japão. É
maior trem de carga, leva quatro minutos, passando por determinados
pontos, tem 330 vagões, quatro quilômetros de extensão.
Então, a imprensa não publica e o Jornal Pessoal se mantém
porque simplesmente diz a verdade, e a verdade se tornou pecaminosa, tem
de ser perseguida em plena democracia! O que acontece com nossa
democracia, quando a justiça passa a ser o instrumento de perseguição?
Um grande cientista político alemão, Franz Neumann, analisou os
julgados a República de Weimar, antes do Hitler – ele teve que fugir da
Alemanha para os Estados Unidos. E ele mostrou que justiça de Weimar, da
República Democrática de Weimar, julgava diferentemente as pessoas: os
socialistas eram punidos violentamente, os nazistas, não. Nós estamos,
no Brasil, numa justiça da República de Weimar e, por isso, a justiça,
que é o esteio da democracia, hoje aparece nos sertões, nos limbos do
Brasil, como a ameaça.
E entre esses 33 processos que o Audálio Dantas, grande personagem,
modelo para todos nós, jornalistas, lembrou o caso de um grileiro, que
grilou terras. E eu fui condenado a indenizar o grileiro por chamá-lo de
grileiro. A justiça do Estado [do Pará] me condenou, reconhecendo a
grilagem, e a justiça federal deu a decisão contra ele. Como eu não
tinha dinheiro para pagar, e não tinha mais a que recorrer, porque o
presidente do STJ, Ari Pargendler, ele simplesmente pegou as
formalidadezinhas da lei e ignorou a substância e as próprias decisões
do Superior Tribunal de Justiça. Resolvi não mais recorrer e, em 10
dias, os brasileiros, sobretudo de São Paulo, aderiram à nossa coleta e
nós reunimos dinheiro suficiente para pagar.
Agora, o problema é pagar. Não existe nenhuma legislação da justiça
brasileira do réu que quer pagar. Todo réu foge de pagamento. Eu quero
pagar, porque no dia em que eu for pagar, em nome de 770 pessoas que me
deram dinheiro para eu pagar, eu quero dizer: “Essa justiça é iníqua.
Essa justiça não tem identidade nenhuma com a nação”. Então, esse pedido
único na história do judiciário brasileiro está na mãos do juiz, o juiz
não sabe o que fazer para eu pagar a minha indenização. Então, eu acho
que, à parte os interesses corporativos, os empresariais, nós,
jornalistas, temos que colocar a mão na nossa consciência e dizer: ‘Nós
estamos sendo covardes? Nós estamos querendo fugir dos riscos? Nós
estamos querendo ficar ao lado do computador, ao lado do telefone, não
na linha de frente, olhando as pessoas e vendo o Brasil real?’
Hoje, com este prêmio que muito me emociona, vocês estão dizendo que
aquele jornalzinho, lá em Belém do Pará, pequeno, que não tem foto, que
não tem cor, não tem mulher nua, não tem colunista social, ele merece
viver. Nós merecemos viver. Muito obrigado!
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